O verão e o país dos sobressaltos tardios


O sobressalto cívico é positivo, mas já vai sendo tempo, ao fim de quase 50 anos de Democracia, de ajustar os motivos e os momentos dos exercícios.


Houve um tempo em que o Verão era a “silly season”, agora a estupidez ganhou existência ao longo do ano, sendo o tempo quente mais uma oportunidade para a emergência de expressões tão típicas do país. Mais grau, menos grau, mantém-se a constante da incapacidade para agir de forma consequente em relação a problemas e desafios estruturais, projetados nos media com a complacência dos cidadãos e das instituições.

No país da carga fiscal implacável, em que o calendário dos pagamentos de impostos e contribuições para o Estado têm dia e hora marcados, há serviços públicos que insistem em manter práticas do tempo da pandemia, sob a capa de alegadas melhorias para os cidadãos no acesso aos serviços. O cidadão ou a empresa não pode agendar os pagamentos de impostos para o momento que mais lhe convém, mas os serviços públicos do Estado podem barrar o acesso do cidadão para quando é mais oportuno na gestão da quintinha de poder, suportada pelo dinheiro de todos. O Simplex do não consegues tratar nada sem marcação, das finanças à segurança social, da saúde aos registos e notariado, instalou-se, por insuficiência de meios e conforto dos ritmos de trabalho, sem que alguém ponha ordem na desproporção dos impostos a pronto pagamento e o acesso a serviços públicos quando calha, por conveniência dos pequenos poderes. Não há indignação que emerja do calor.

No país da justiça lenta, tardia e de geometria variável em função da bolsa dos visados para contratar os melhores advogados e das sinergias de promiscuidade entre os pilares do sistema e os media, como é possível que persista sem clamor, na linha da indiferença com a recusa de magistrados a norte para a realização de buscas a um clube, a denúncia de obstrução à justiça da Polícia Judiciária no processo de investigação que culminou, no mês passado, com a acusação a Rui Pinto, num novo processo, por mais 377 crimes informáticos. Terão sido várias as expressões de desconforto da magistrada com a atuação pouco célere e desinteressada da Polícia Judiciária na investigação, atitude que poderia contribuir para a prescrição dos ilícitos menos graves que tenham sido cometidos em 2016 ou 2017. E não se passa nada, não há indignação com o anormal funcionamento das instituições? A candura com o deslaçado funcionamento do sistema judicial não sobressalta a nação ou os decisores políticos?

No país em que alguns procuram sempre variantes ao cumprimento da regra, os exercícios de fanfarronice no cumprimento e na contestação a alguns poderes é exercitada sem pudor, perante a evidência reiterada dos sinais exteriores de riqueza e da impunidade tributária e judicial. A Liga Portugal estabeleceu um acordo com a uma grande empresa da distribuição alimentar, sediada a norte, para a venda de bilhetes dos jogos de futebol do campeonato no âmbito do lema para a época “O futebol, és tú”, a par de medidas de reforço da proximidade, atratividade, transparência, justiça e competitividade. Como é possível que, havendo limitação de compra a 4 bilhetes, houvesse logo quem exercitasse a contestação da medida de proximidade aos adeptos da Liga Portugal através da exibição de uma molhada de 500 bilhetes. A justiça e os implacáveis justiceiros tão ousados em casos mediáticos cuja substância condenatória se vem a provar pífia, não se indignam com a ousadia da ostentação pública do incumprimento, da provocação e do desafio ao funcionamento do Estado de Direito Democrático?

É que, enquanto alguns se envolvem em polémicas estéreis e contestações digitais à falta de senso do exercício político, como acontece com o batismo da ponte sobre o rio Trancão no território da Jornada Mundial da Juventude, há todo um universo de problemas e desafios estruturais, inaceitáveis num Estado de Direito no século XXI, que vão fazendo o seu caminho de consolidação como funcionamento padrão, mas deveriam ser inaceitáveis para o cidadão e para a comunidade.

O Portugal que se sobressalta tardiamente, está desfocado do essencial, mais parecendo um queijo suíço cheio de buracos. O sobressalto cívico é positivo, mas já vai sendo tempo, ao fim de quase 50 anos de Democracia, de ajustar os motivos e os momentos dos exercícios.

Por complacência, conformismo ou indiferença, os poderes insistem em falhar na antecipação das realidades e permitir que as disfunções persistam, se exibam e pavoneiem. Algum dia vai correr mal, será o momento para mais um sobressalto tardio e inconsequente.

NOTAS FINAIS

QUAL O COMPROMISSO DO ESTADO COM O RISCO E A CATÁSTROFE? O risco existe. As catástrofes e os fenómenos extremos também. Era importante que o Estado clarificasse para todos qual o nível de risco que assume e como o pode fazer de forma célere à reposição das dinâmicas interrompidas ou afetadas pela expressão dos riscos. Enquanto isso não acontecer, é a lei do arbítrio e da injustiça relativa.

CONFIANÇAS IMPROVÁVEIS. Sem alterações dos pressupostos na saúde, na educação ou na justiça, como é possível a verbalização de confiança na retoma das dinâmicas em setembro? Como é possível que o ministro da educação exercite um irritante otimismo asseverando que o executivo tem estado a trabalhar, “para um ano letivo que arranque com tranquilidade”?

MAUS COMEÇOS. A época futebolística começou com péssimos sinais de atitude dos agentes desportivos e dos adeptos. Espera-se que tenha sido apenas sequelas de demasiado sol na moleirinha. Carrega Benfica!

O verão e o país dos sobressaltos tardios


O sobressalto cívico é positivo, mas já vai sendo tempo, ao fim de quase 50 anos de Democracia, de ajustar os motivos e os momentos dos exercícios.


Houve um tempo em que o Verão era a “silly season”, agora a estupidez ganhou existência ao longo do ano, sendo o tempo quente mais uma oportunidade para a emergência de expressões tão típicas do país. Mais grau, menos grau, mantém-se a constante da incapacidade para agir de forma consequente em relação a problemas e desafios estruturais, projetados nos media com a complacência dos cidadãos e das instituições.

No país da carga fiscal implacável, em que o calendário dos pagamentos de impostos e contribuições para o Estado têm dia e hora marcados, há serviços públicos que insistem em manter práticas do tempo da pandemia, sob a capa de alegadas melhorias para os cidadãos no acesso aos serviços. O cidadão ou a empresa não pode agendar os pagamentos de impostos para o momento que mais lhe convém, mas os serviços públicos do Estado podem barrar o acesso do cidadão para quando é mais oportuno na gestão da quintinha de poder, suportada pelo dinheiro de todos. O Simplex do não consegues tratar nada sem marcação, das finanças à segurança social, da saúde aos registos e notariado, instalou-se, por insuficiência de meios e conforto dos ritmos de trabalho, sem que alguém ponha ordem na desproporção dos impostos a pronto pagamento e o acesso a serviços públicos quando calha, por conveniência dos pequenos poderes. Não há indignação que emerja do calor.

No país da justiça lenta, tardia e de geometria variável em função da bolsa dos visados para contratar os melhores advogados e das sinergias de promiscuidade entre os pilares do sistema e os media, como é possível que persista sem clamor, na linha da indiferença com a recusa de magistrados a norte para a realização de buscas a um clube, a denúncia de obstrução à justiça da Polícia Judiciária no processo de investigação que culminou, no mês passado, com a acusação a Rui Pinto, num novo processo, por mais 377 crimes informáticos. Terão sido várias as expressões de desconforto da magistrada com a atuação pouco célere e desinteressada da Polícia Judiciária na investigação, atitude que poderia contribuir para a prescrição dos ilícitos menos graves que tenham sido cometidos em 2016 ou 2017. E não se passa nada, não há indignação com o anormal funcionamento das instituições? A candura com o deslaçado funcionamento do sistema judicial não sobressalta a nação ou os decisores políticos?

No país em que alguns procuram sempre variantes ao cumprimento da regra, os exercícios de fanfarronice no cumprimento e na contestação a alguns poderes é exercitada sem pudor, perante a evidência reiterada dos sinais exteriores de riqueza e da impunidade tributária e judicial. A Liga Portugal estabeleceu um acordo com a uma grande empresa da distribuição alimentar, sediada a norte, para a venda de bilhetes dos jogos de futebol do campeonato no âmbito do lema para a época “O futebol, és tú”, a par de medidas de reforço da proximidade, atratividade, transparência, justiça e competitividade. Como é possível que, havendo limitação de compra a 4 bilhetes, houvesse logo quem exercitasse a contestação da medida de proximidade aos adeptos da Liga Portugal através da exibição de uma molhada de 500 bilhetes. A justiça e os implacáveis justiceiros tão ousados em casos mediáticos cuja substância condenatória se vem a provar pífia, não se indignam com a ousadia da ostentação pública do incumprimento, da provocação e do desafio ao funcionamento do Estado de Direito Democrático?

É que, enquanto alguns se envolvem em polémicas estéreis e contestações digitais à falta de senso do exercício político, como acontece com o batismo da ponte sobre o rio Trancão no território da Jornada Mundial da Juventude, há todo um universo de problemas e desafios estruturais, inaceitáveis num Estado de Direito no século XXI, que vão fazendo o seu caminho de consolidação como funcionamento padrão, mas deveriam ser inaceitáveis para o cidadão e para a comunidade.

O Portugal que se sobressalta tardiamente, está desfocado do essencial, mais parecendo um queijo suíço cheio de buracos. O sobressalto cívico é positivo, mas já vai sendo tempo, ao fim de quase 50 anos de Democracia, de ajustar os motivos e os momentos dos exercícios.

Por complacência, conformismo ou indiferença, os poderes insistem em falhar na antecipação das realidades e permitir que as disfunções persistam, se exibam e pavoneiem. Algum dia vai correr mal, será o momento para mais um sobressalto tardio e inconsequente.

NOTAS FINAIS

QUAL O COMPROMISSO DO ESTADO COM O RISCO E A CATÁSTROFE? O risco existe. As catástrofes e os fenómenos extremos também. Era importante que o Estado clarificasse para todos qual o nível de risco que assume e como o pode fazer de forma célere à reposição das dinâmicas interrompidas ou afetadas pela expressão dos riscos. Enquanto isso não acontecer, é a lei do arbítrio e da injustiça relativa.

CONFIANÇAS IMPROVÁVEIS. Sem alterações dos pressupostos na saúde, na educação ou na justiça, como é possível a verbalização de confiança na retoma das dinâmicas em setembro? Como é possível que o ministro da educação exercite um irritante otimismo asseverando que o executivo tem estado a trabalhar, “para um ano letivo que arranque com tranquilidade”?

MAUS COMEÇOS. A época futebolística começou com péssimos sinais de atitude dos agentes desportivos e dos adeptos. Espera-se que tenha sido apenas sequelas de demasiado sol na moleirinha. Carrega Benfica!