Sweet Home Alabama


Na contabilidade dos pecados originais a história dos EUA  tem, dentro de portas, um candidato à unicidade. Já o momento em que se deu a queda do paraíso continua a ser acerbamente discutido.


O excepcionalismo americano não é redutível a um acto de auto-indulgência para exportação no mercado de ideias. Nasceu pela pena de Tocqueville, usando a técnica da argumentação política pela via comparatística, criticando os excessos da Revolução no país natal e louvando a excepcionalidade (positiva) da revolução americana. Em matéria de Americana não tenho um coração tão generoso quanto o do conde francês. Mas seria injusto não reconhecer nalgum do tricot jurídico da Constituição dos EUA uma sabedoria original que tem sido quase sempre bem tratada pelos servidores do Estado. No que respeita ao mecanismo de fiscalização do poder político pelo poder judicial muita da saúde do sistema americano resulta da natureza humana, aclimatada em instituições sábias. Esta conclusão é particularmente desafiadora nos casos em que se testam os limites da expansão do poder do Estado Federal face às prerrogativas dos Estados federados. Quando este teste se cruza com o pecado original americano há margem para temer uma segunda guerra civil, não limitada às redes sociais.

No passado dia 8 de Junho o Supreme Court decidiu, por apensação, um conjunto de casos em que se discutia a constitucionalidade do desenho de vários círculos eleitorais no Estado do Alabama para escolha dos membros do respectivo Parlamento. Por herança britânica muitos Estados federados mantêm um sistema eleitoral maioritário em que é eleito o candidato mais votado em cada círculo uninominal. Um sistema eleitoral maioritário com recurso a um desenho dos círculos eleitorais que dilua as minorias pode inviabilizar a eleição de todo e qualquer representante destas minorias. Este tipo de perversão também pode acontecer em sistemas eleitorais proporcionais, basta que o número de deputados a eleger num determinado círculo seja reduzido para que só os dois maiores partidos possam eleger. É, infelizmente, o que acontece em Portugal com os círculos eleitorais de base distrital em que a reduzida população só permite eleger 2 ou 3 Deputados.

A versão americana do desenho criativo de círculos eleitorais ficou associada a Elbridge Gerry, Governador do Massachussets, que em 1812 redesenhou os círculos eleitorais daquele Estado para favorecer os candidatos do partido Republicano. O Gerrymandering continua a gozar de boa saúde e o Supreme Court tem, repetidamente, usado como critério de controlo a XV emenda que garante a “igualdade de voto independentemente da raça, cor ou anterior condição de escravo”. O Tribunal afasta a legislação com intenções abertamente discriminatórias mas admite as consequências discriminatórias da legislação “neutra”. A construção de um teste de constitucionalidade centrado nas consequências seria um passo em direcção à proporcionalidade, passo a que o Congresso, em 1982, obstou, incluindo, por larga e bipardirária maioria, no “Voting Rights Act” uma proibição de eleição garantida e por via proporcional das minorias. O legislador afastou a possibilidade de um sistema de quotas que de alguma forma promovesse uma discriminação positiva. O teste da “desproprocionalidade” constitucionalmente inadmissível foi desenhado pelo Tribunal, fazendo apelo à XIV emenda (igualdade) como correspondendo aos casos em que o desenho dos círculos eleitorais não confira a uma minoria a oportunidade de eleger um representante quando o poderia fazer se a essa minoria correspondesse um círculo uninominal.

O Tribunal considerou que o desenho proposto pelo Alabama violava este critério. A decisão, relatada pelo Chief Justice Roberts, foi votada por 5-4, com dois juízes nomeados por Presidentes Republicanos a votarem com a minoria de 3 nomeados por Presidentes Democratas.

Sweet Home Alabama


Na contabilidade dos pecados originais a história dos EUA  tem, dentro de portas, um candidato à unicidade. Já o momento em que se deu a queda do paraíso continua a ser acerbamente discutido.


O excepcionalismo americano não é redutível a um acto de auto-indulgência para exportação no mercado de ideias. Nasceu pela pena de Tocqueville, usando a técnica da argumentação política pela via comparatística, criticando os excessos da Revolução no país natal e louvando a excepcionalidade (positiva) da revolução americana. Em matéria de Americana não tenho um coração tão generoso quanto o do conde francês. Mas seria injusto não reconhecer nalgum do tricot jurídico da Constituição dos EUA uma sabedoria original que tem sido quase sempre bem tratada pelos servidores do Estado. No que respeita ao mecanismo de fiscalização do poder político pelo poder judicial muita da saúde do sistema americano resulta da natureza humana, aclimatada em instituições sábias. Esta conclusão é particularmente desafiadora nos casos em que se testam os limites da expansão do poder do Estado Federal face às prerrogativas dos Estados federados. Quando este teste se cruza com o pecado original americano há margem para temer uma segunda guerra civil, não limitada às redes sociais.

No passado dia 8 de Junho o Supreme Court decidiu, por apensação, um conjunto de casos em que se discutia a constitucionalidade do desenho de vários círculos eleitorais no Estado do Alabama para escolha dos membros do respectivo Parlamento. Por herança britânica muitos Estados federados mantêm um sistema eleitoral maioritário em que é eleito o candidato mais votado em cada círculo uninominal. Um sistema eleitoral maioritário com recurso a um desenho dos círculos eleitorais que dilua as minorias pode inviabilizar a eleição de todo e qualquer representante destas minorias. Este tipo de perversão também pode acontecer em sistemas eleitorais proporcionais, basta que o número de deputados a eleger num determinado círculo seja reduzido para que só os dois maiores partidos possam eleger. É, infelizmente, o que acontece em Portugal com os círculos eleitorais de base distrital em que a reduzida população só permite eleger 2 ou 3 Deputados.

A versão americana do desenho criativo de círculos eleitorais ficou associada a Elbridge Gerry, Governador do Massachussets, que em 1812 redesenhou os círculos eleitorais daquele Estado para favorecer os candidatos do partido Republicano. O Gerrymandering continua a gozar de boa saúde e o Supreme Court tem, repetidamente, usado como critério de controlo a XV emenda que garante a “igualdade de voto independentemente da raça, cor ou anterior condição de escravo”. O Tribunal afasta a legislação com intenções abertamente discriminatórias mas admite as consequências discriminatórias da legislação “neutra”. A construção de um teste de constitucionalidade centrado nas consequências seria um passo em direcção à proporcionalidade, passo a que o Congresso, em 1982, obstou, incluindo, por larga e bipardirária maioria, no “Voting Rights Act” uma proibição de eleição garantida e por via proporcional das minorias. O legislador afastou a possibilidade de um sistema de quotas que de alguma forma promovesse uma discriminação positiva. O teste da “desproprocionalidade” constitucionalmente inadmissível foi desenhado pelo Tribunal, fazendo apelo à XIV emenda (igualdade) como correspondendo aos casos em que o desenho dos círculos eleitorais não confira a uma minoria a oportunidade de eleger um representante quando o poderia fazer se a essa minoria correspondesse um círculo uninominal.

O Tribunal considerou que o desenho proposto pelo Alabama violava este critério. A decisão, relatada pelo Chief Justice Roberts, foi votada por 5-4, com dois juízes nomeados por Presidentes Republicanos a votarem com a minoria de 3 nomeados por Presidentes Democratas.