1. Os desenvolvimentos políticos a que assistimos são estimulantes do ponto de vista analise, mas são desastrosos para a imagem de Portugal. Somos um país que fica sistematicamente para trás na Europa comunitária e não só. Crescemos muito menos do que precisamos e sempre pela via das exportações que basicamente são o turismo. É assim desde 1995 (Guterres). As crises políticas e a incompetência anulam a definição de desígnios e a construção de infraestruturas. Essas circunstâncias impedem que nos mostremos confiáveis ao grande investimento. O choque entre o poder executivo e o presidente é mais um exemplo. Não é um pequeno episódio como António Costa está a tentar agora fazer crer. Depois do que vimos, Costa e Marcelo vão continuar a coabitar. Deveriam saber estar à altura dessa necessidade. O primeiro-ministro tem de trabalhar mais e melhor (se é que é capaz) enquanto o Presidente não pode substituir-se ao líder da oposição e transformar-se num agitador, como aconteceu em mandatos anteriores. Deveria falar menos e mais solenemente. É difícil para ele, mas é desejável. Até para aumentar o seu prestígio que terá sido reforçado com a posição que tomou. Logo que regressou da entronização do Rei Carlos III, o Presidente visitou o Banco Alimentar onde afirmou que não tem mais nada a dizer sobre a relação com o primeiro-ministro. Habilmente, acrescentou que o simples facto de estar em silêncio tem significado, uma vez que antes respondia mais vezes. De seguida aludiu a aspetos negativos da situação económica, considerando essencial recuperar o poder de compra dos portugueses. Deu para perceber que procura nova postura. Ao tiro de pólvora seca que Marcelo disparou segue-se um silêncio limitado ao galambagate, mas não necessariamente sobre a vida quotidiana de um povo cujo Governo se arrasta em morte lenta
2. No ponto três da crónica da semana passada dizia-se ser duvidoso que Marcelo voltasse a usar a bomba atómica da dissolução e que Costa tinha um arsenal de soluções, que iam da remodelação até deixar tudo como está. Sublinhava-se que tinha lata para isso. E teve! Frio e racional, Costa percebeu a limitação presidencial, o que limitava também a capacidade de Marcelo impor mexidas no Governo como o fez antes com Urbano de Sousa, Eduardo Cabrita e (eventualmente) com Marta Temido. É verdade que o PR também mexeu no executivo quando obrigou Costa a transferir Cravinho da Defesa para os Negócios Estrangeiros. É, porém, mais fácil recusar dar posse a um governante do que impor a sua saída, a qual só dependente do primeiro-ministro. Ciente da limitação de Marcelo, Costa decidiu-se pelo confronto. Encenou uma farsa tipo “vaudeville” (comédia baseada na intriga e no quiproquó). Não faltou nada. Alguma tensão pública. Reunião pela fresquinha com Galamba. Petit comité com os ministros estratégicos (certamente com consulta ao super-guru). Pungente e patriótica carta de demissão de Galamba. Ida a Belém. E, no fim, a notícia espetacular de que a criatura ia ficar, deixando Marcelo a braços com a inoportuna hipótese de usar a bomba atómica.
3. O enredo de Costa teve uma resposta dura do Presidente da República, que, pela primeira vez, se assumiu como sendo de direita. A melhor parte do discurso foi o preâmbulo em que lembra a deplorável governação que faz com que os proclamados resultados económicos não cheguem às pessoas, que continuam a viver mal. Tivesse o PR feito observações dessas mais vezes e em momentos solenes do Estado (como o 25 de Abril) e talvez Costa não tivesse o topete de o afrontar ou não escolhesse gente tão desqualificada para o Governo. Desta vez Marcelo teve de deixar o estilo português suave. Desfez o caráter de Galamba e por tabela o de António Costa. Só alguém sem pinga de vergonha aceita ficar ministro depois daquilo. Lá diz o nosso povo que quem não tem vergonha todo o mundo é seu. Galamba vai manter-se, embora para sair lhe baste mudar uma palavra na nota que mandou a Costa. É só substituir “pedir por apresentar” a demissão. É coisa que não vai fazer tão cedo, mas é óbvio que está morto politicamente. Até por isso não é de excluir a hipótese de, mais adiante, António Costa mexer no Governo, possivelmente logo que a venda da TAP esteja negociada. Essa necessidade é tão provável que não é por acaso que tem sido afirmada (por alta recreação e talvez com o beneplácito de Costa) por Carlos César. O presidente do PS vai assim consolidando o seu perfil de candidato a Belém, bem mais adequado do que o do troglodita político Santos Silva. Em síntese: é uma evidência que a equipa governativa tem de levar uma volta e António Costa sabe isso melhor do que ninguém.
4. Sampaísta recauchutado primeiro em socrático e depois em costista, Vieira da Silva (pai) aparece agora como uma espécie de oráculo do bom senso. Curiosamente, a tendência para intervir é uma espécie de bicho que deu nos sampaístas como se pode ver também pela ressurreição política do causídico Magalhães e Silva. Este tem-se multiplicado em intervenções, assumindo o papel de peão de brega do grande “diestro” que António Costa é. Voltando a Vieira da Silva (pai), foi hilariante a parte de uma entrevista ao Público em que pede um pouco mais de maturidade ao executivo. Logo ele que é pai de Mariana, a número dois do Governo, que mentiu ao assegurar a existência de um parecer sobre o despedimento da CEO da TAP que afinal não há. Depois justificou o facto como uma interpretação semântica, alegando que um parecer escrito ou um bitaite oral é a mesma coisa. Será a esse caso de falta de maturidade que Vieira da Silva (pai) se referia?
5. Passou discreta uma notícia essencial do Tal&Qual. Dava conta de que Rui Rio está a ponderar uma candidatura a Belém, ao jeito do que fez Sampaio. Na altura, Sampaio antecipou-se a todos, apresentou-se, condicionou o PS, bateu Cavaco e foi dez anos Presidente da República. Mais coisa menos coisa, este cenário é considerado repetível dentro do PSD que só tem dois candidatos óbvios: Passos Coelho (que diz que não quer) e Marques Mendes (que não diz que quer). Para o núcleo duro de Rio seria uma forma de retomar influência no país. Rio não foi um bom líder do PSD. Contribuiu para a subida vertiginosa do PS, a erupção do Chega e a afirmação dos liberais. Mas terá sido um bom presidente da Câmara do Porto, que rompeu com práticas lamentáveis. Na sua carreira, construiu uma imagem de seriedade pessoal que os portugueses prezam e que conta muito quando se avalia um candidato a Belém. Entretanto, no PSD e nos média, multiplicam-se movimentações visando Montenegro. A guerra montada vai tentar atingir primeiro a sua honorabilidade. A estratégia não é nova. Um líder tem de estar preparado para isso, não se deixar intimidar e, claro, não ter pontas soltas. Se as tiver, cai…
6. António Ferreira dos Santos é o Inspetor-Geral de Finanças, mas já não devia ser. Isto porque em duas ocasiões deu da instituição a pior das imagens. Um dos casos teve a ver com o relatório que levou à demissão da CEO da TAP, o qual foi produzido sem a ouvir presencialmente, com a surrealista desculpa de que não falava a mesma língua que a IGF. Como se não bastasse, este alto quadro assumiu ter parado o carro a caminho do Norte para alterar simpaticamente um parecer sobre a utilização dos fundos do PRR (ou “bazuca”) por forma a que Portugal recebesse a segunda tranche de 1,8 mil milhões. Ou seja, deu um jeitinho na coisa por, segundo disse, sentido patriótico (e, por tabela, partidário). Pode ser muito bonito, mas o facto é que a IGF é uma instituição credenciada internacionalmente no pressuposto de que é rigorosa e independente, coisa que deixou de poder reivindicar. Quem assim põe em causa a honorabilidade do próprio Estado não tem obviamente condições para exercer a função. O melhor mesmo é tirá-lo dali e colocá-lo diretamente no Governo. Mais um caso de falta de decoro!