“As partes numa controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, via judicial, recurso a organizações ou acordos regionais, ou qualquer outro meio pacífico à sua escolha.” (nº 1 do artigo 33º). Quebrada a paz não há razão para que a dimensão preventiva da solução pacífica de controvérsias não se transforme numa dimensão “curativa”.
No que respeita à invasão da Ucrânia as negociações estão nos preliminares, com os dois beligerantes em busca da melhor correlação de forças no terreno e que possa agigantar a respectiva posição negocial.
Já o recurso à justiça internacional depende da vontade dos Estados de a ela se sujeitarem, seja num momento posterior ao conflito, celebrando um pacto de jurisdição que permita a intervenção de um tribunal permanente ou de um tribunal arbitral ad hoc, seja por adesão a uma cláusula de aceitação de jurisdição prevista numa determinada convenção internacional.
A aceitação prévia por um Estado de mecanismos jurisdicionais internacionais é menos frequente ou, quando acontece, é qualificada por determinados limites temporais (no caso da aceitação por Portugal da jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça, são excluídas as controvérsias anteriores a 26 de Abril de 1974, excepto as relativas a títulos ou direitos territoriais ou direitos de soberania ou jurisdição), afasta o oportunismo da contraparte (é frequente um período 12 meses de neutralização das aceitações de jurisdição que sejam recentes, para permitir aos candidatos a “réu” denunciarem ou modificarem a respectiva declaração de aceitação) ou permitindo, a todo o tempo, a revogação ou modificação da aceitação.
Ainda que a execução das decisões do TIJ dependa da actuação do Conselho de Segurança da ONU, nenhum Estado gosta de ser acusado perante o TIJ da prática de um ilícito internacional, muito menos gosta de ser condenado. Por esta razão os Estados são tão cuidadosos na gestão das declarações de aceitação de jurisdição do TIJ, seja de forma geral ao abrigo do artigo 36º do respectivo Estatuto, seja por via de convenções especiais, bilaterais ou multilaterais.
Os EUA desenvolveram um desamor profundo pela jurisdição do TIJ, muito por força do caso das acções militares e paramilitares na e contra a Nicarágua em que em 1984 o TIJ decidiu ter competência para julgar o pedido apresentado pela Nicarágua e, em 1986, condenou os EUA, in absentia já que se recusaram a participar no processo.
As dificuldades dos EUA com o TIJ prosseguiram em vários casos em que a República Islâmica do Irão invocou, com sucesso, como base para a competência do TIJ o Tratado de amizade celebrado em 1955 com os EUA (que só em 2018 foi denunciado pelos EUA).
O mais recente episódio da difícil relação entre os EUA e o TIJ aconteceu no passado 5 de Junho com a decisão do TIJ de aceitação da intervenção de 32 Estados (incluindo a República Portuguesa) no caso que opõe a Ucrânia à Federação Russa. A competência do Tribunal resulta do artigo IX da Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio pelo que todo e qualquer Estado parte nesta convenção tem, ao abrigo do artigo 63º do Estatuto do TIJ, direito a intervir no processo. Os EUA formularam uma reserva ao artigo IX da Convenção considerando que a aceitação da jurisdição do TIJ dependerá do seu consentimento. Ao excluírem o artigo IX os EUA não podem, sem revogar a reserva, invocar este dispositivo para intervir perante o TIJ. A decisão de recusa da intervenção dos EUA no processo, tomada ao abrigo do princípio da reciprocidade, recolheu a unanimidade dos juízes.