Por Henrique Gomes
A CRISE GLOBAL
Após 2 anos de Covid, com estrangulamentos nas cadeias de abastecimento global, perturbações nos sectores de bens e serviços e injeções de dinheiro para as ajudas às populações, a Rússia invade a Ucrânia e mergulha o mundo numa crise geopolítica que, pelo menos por enquanto, se focaliza essencialmente na Europa.
A importância da energia, nas suas vertentes de segurança de abastecimento e competitividade, estenderam-se a toda a economia desde os preços dos alimentos até aos da eletricidade e ao sentimento do consumidor. Em 2022, a inflação foi um fenómeno global.
Os EUA apertaram rapidamente a política monetária, a Europa seguiu-os com algum atraso e os mercados emergentes mergulharam em crises financeiras por via do aumento do custo das suas dívidas.
Globalmente, o crescimento mundial abrandou e a insegurança alimentar e a agitação social aumentaram.
A energia, capacidade de realizar trabalho, evidenciou a sua importância vital.
A SOBERANIA ENERGÉTICA DA EUROPA
A invasão desencadeou uma rápida e profunda reorientação da política energética na Europa sendo a sua nova missão garantir a soberania energética e alcançar a neutralidade climática.
A reestruturação será em torno da diversificação do fornecimento de gás, de fontes alternativas de energia de curto prazo, da economia de energia e eficiência energética e da aceleração da implantação de energias renováveis com soluções de tecnologia limpa.
Preocupada com as reformas de teor protecionista dos EUA, a Europa também terá de conciliar as regulamentações europeias sobre auxílios estatais com as novas realidades globais, enquanto tenta criar um maior grau de autonomia estratégica aumentando os investimentos regionais em defesa, pesquisa farmacêutica, desenvolvimento de semicondutores e tecnologia verde.
“É hora de conciliar o clima e a indústria”. A energia na Europa é cara e prejudica a competitividade.
PORTUGAL COM PAIXÃO
A par de outras sobejamente conhecidas, a Energia parece ser também uma das grandes paixões do Governo. Sem cuidar nem justificar dos impactos e oportunidade dos gastos (de milhões em qualquer projecto), a volúpia do poder e a imaginação são o garante da relação.
Nos últimos tempos ouvimos falar em armazenagem subterrânea de gás, gasodutos e corredores verdes, recordes mundiais de preços de fotovoltaicos que não são homologados, hidrogénio indutor da nova revolução industrial. Qualquer deles sem investigação da sua viabilidade tecnológica e económica, impactos sistémicos e oportunidade, e com reduzida exposição ao contraditório com prejuízo da qualidade das decisões politicas.
Vem isto a propósito de, a fim de “avançar mais rápido” na transição energética do país, o Governo ter aumentado a meta de seu primeiro leilão de energia eólica offshore dos 0,2 GW inscritos no PNEC 2030 para 10 GW, que corresponderão a cerca de 40 TWh de eletricidade produzida anualmente. Relembra-se que o nosso consumo anual de electricidade é menos de 50 TWh!
Quem serão os clientes desta produção? Quais os custos de reforço da rede de transporte? Que tipo de investidor? Terá garantias de Estado de “privatização dos lucros e nacionalização dos prejuízos”?
A energia em Portugal é muito cara, fruto de paixões, incompetência e imprudência.
ENERGIA POTENCIADORA DO CRESCIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL
No passado dia 6 foi apresentado ao público o Manifesto Cívico contra o Atraso Económico e Social. Transcrevo os primeiros parágrafos:
“Com um crescimento económico quase estagnado nas duas últimas décadas e meia, Portugal tem vindo a ser sucessivamente ultrapassado por outros países da União Europeia (EU) na maioria do Leste Europeu, saídos da ex-União Soviética, em condições de pobreza e atraso económico, e esta situação vem condenando a população à estagnação/deterioração do seu nível de vida e de bem-estar e atingindo em especial, e mais duramente, as camadas mais vulneráveis e desfavorecidas.
Esta situação impõe à população a continuação de baixos rendimentos, de baixos salários e pensões, de níveis muito elevados de pobreza e uma emigração cada vez maior, sobretudo dos mais jovens e qualificados, o que progressivamente vai privando Portugal dos seus recursos humanos potencialmente de maior valor, agravando as condições para que o país possa crescer …”
Ao invés de continuar a sangrar a economia, a energia, tendendo para a neutralidade carbónica, deve dar prioridade à segurança de abastecimento e garantir sustentadamente preços competitivos.
É hora de pôr a energia ao serviço do crescimento económico e social!
Ex-administrador da GDP e REN; ex-Secretário de Estado da Energia; Subscritor do Movimento Por Uma Democracia de Qualidade e Subscritor do Manifesto Cívico contra o Atraso Económico e Social