Tudo explicado pela razão mais óbvia: Roger Ebert não era só um crítico de cinema de classe difícil de igualar (e só por isto já merecia toda a admiração). Era um observador atento, que além de ver e interpretar o que se passava à sua volta transformava essas impressões em textos, tão descritivos como marcados por uma inevitável dose de opinião. “Life Itself” é o filme que conta a história de Roger Ebert, um documentário baseado no livro de memórias com o mesmo título que está agora disponível em DVD.
Uma longa-metragem sobre o tipo que vivia de olhos postos na tela. Não é ironia, é o que tinha de ser.
Em 2002 foi-lhe diagnosticado cancro da tiróide e das glândulas salivares. Tirou o maxilar inferior e deixou de falar e comer. O blogue rogerebert.com ganhou o estatuto de meio de comunicação principal, isso e o computador que transformava o texto em fala digitalizada (um pouco como aconteceu com Stephen Hawking). Em “Life Itself” descobrimos Ebert como dependente da escrita, o homem que se lançava à crítica como se, durante aqueles minutos, nada mais existisse entre as ideias e as teclas, uma corrente imparável de pensamentos e opiniões que descodificava através de palavras com uma atitude ímpar.
Mas a escrever é que Ebert entendia tudo e se fazia entender. O cinema servia sempre de ponto de partida mas havia nas ideias do crítico mais do que filmes.
O documentário “Life Itself” conta a história do mais popular crítico de cinema americano
O realizador de “Life Itself”, Steve James, disse em entrevista ao site The Dissolve, no ano passado: “Sei que consegui captar a essência da vida inteira dele e vi uma história muito mais interessante que a simples história de um crítico de cinema.”
A determinada altura, Martin Scorsese, produtor executivo do documentário, surge para explicar como Ebert foi um entusiasta dos filmes do realizador americano, desde sempre, todos eles. E dá-nos a deixa perfeita para entendermos melhor o que Roger tinha como princípio fundamental: “Roger era um cuidador, essencialmente era isso. E cuidava daquilo de que gostava com empenho.” Acrescentamos nós que o fazia desde sempre.
“Life Itself” recorda todos os momentos que interessam. Porque tinha a fonte mais importante e rica – as memórias escritas pelo próprio RogerEbert –, segue o roteiro que interessa, sem desvios. O roteiro começa em Chicago e haverá de levar este nosso herói até ao passeio da fama em Hollywood, o primeiro crítico a ter uma estrela entre todas as outras. Até porque o cinema chega cedo, não dá espaço a Ebert, e este agradecerá sempre a sorte que teve.
“Não me lembro como entrei nisto dos filmes, mas continua a entreter–me”, diz. Em 1967, com 25 anos, escrevia críticas no “ChicagoSun-Times” – e é um privilégio vê-lo em acção, descobrir como o fazia (como se nada fosse, na verdade), solitário no trabalho e nem sempre dado a proximidades sociais de qualquer espécie. Excepção ao bar que ficava do outro lado da rua, companhia constante até ao final dos anos 70, quando Ebert decidiu que a bebida precisava de um “basta”. Veio o sucesso no programa de televisão com Gene Siskel, “Atthe Movies”, e Roger estava na história.
Steve James dá-nos imagens, sons e gravações de arquivo, mas também captou RogerEbert nos últimos meses de vida, incansável (ficamos sem perceber como era possível), na companhia da maior das adversidades e da dedicação única dos que estavam sempre com ele. Até porque percebemos ao longo de “Life Itself” que Ebert teria as suas dificuldades. Ou, nas palavras de um dos muitos amigo do crítico, “ele é um tipo porreiro, mas não é assim tão porreiro”.