DOHA – “O Mundial de Todos os Jogos”, alguém disse por aí, numa língua qualquer (das que me enchem os ouvidos nos centros de imprensa, uma cacofonia babilónica de português cantado do Brasil, de italiano, castelhano dos trópicos e gargalhadas britânicas guturais), teve ontem o seu primeiro dia puxadinho, com três jogos (a partir de hoje serão quatro), nesta cidade que tem um estádio em cada bairro, como neste Umm Al Afaei, um dos mais históricos e, onde, na bancada do Ahmad Bin Ali, finalizo ao mesmo tempo que ouço o apito final do impronunciável senhor Abdulrhaman Al-Jassim aquilo que daqui vou escrevendo.
Para nós, jornalistas, privilegiados actores desta peça que ficará nos palcos do Qatar até ao dia 18 de Dezembro, há a restrição de apenas podermos requerer acreditação para dois encontros/dia, não sendo os dois do mesmo grupo. Depois da viagem de domingo a Al Khor, cumpri duas etapas mais curtas, falhando a acabrunhante goleada do Irão de Carlos Queiroz perante uma Inglaterra (2-6, dois golos de Taremi, o primeiro de categoria e o segundo de penalti) que tem que se lhe diga (quarta classificada no Mundial da Rússia; finalista no último Europeu; há que considerá-la uma boa hipótese de aposta), e vagueando entre os ligeiramente mais exóticos Senegal-Holanda, pelas 19h00 de aqui, no Estádio de Al Thumama, uma zona bastante bisonha e descolorida na qual o governo do Qatar decidiu implantar um projecto de reservatórios de água que em nada contribuem para a sua já duvidosa beleza. Foi precisamente ao entrar no elevador deste estádio que tem a forma simbólica e a cor pérola dos ghafyia, aqueles chapelinhos que todos os homens e rapazes usam nos países deste Oriente Médio, que dei de caras com uns moços espigados de fato de treino rodeando um homem mais pequeno de ar francamente aborrecido. Jogadores do Senegal que iam para a bancada e Sadio Mané no meio. Foram só dois andares, bem puxei pela conversa, confessei a pena de não o podermos ver em campo, talvez aos 34 anos já não dê, veremos em 2026, lá encolheu o ombros e abanou a cabeça a dizer nem sim nem não, despediu-se com um “salaam” e foi ver, como eu, a maneira como os companheiros descascavam a laranja que tinham pela frente: se os adeptos da Holanda gritam “Holland! Holland!” por que diabo vou aqui chamar-lhes mancebos de uma terra de diminutas altitudes? Podia ter sido um jogo e pêras, mantendo-nos no universo frutícula, não fossem os golos, neste caso a escassez deles. Muita bola no pé, pouca cabeça para a guiar para dentro das balizas e, geralmente, quando assim é, o tempo a passar não melhora as coisas. Mais medo de perder do que coragem de querer ganhar amarraram os dois teams até que um repente de Gapko, aos 84m, desfez o zero-a-zero e, aos 90+9m, Klaassen fez o 2-0 numa recarga deixando ainda mais aborrecido o homem do elevador.
Triste Dragão Vermelho
Desde 1958 que o País de Gales não visitava a fase final de um Campeonato do Mundo. Motivo mais do que suficiente para que os adeptos do Dragão Vermelho andem num sino. Cantaram como em 2016, até depararem com um Ronaldo furioso “Baby, I don’t want to be over! Just please don’t take me home!”, mas tiveram de suportar com um Weah (este é Timothy e não George) tão rápido como o que nasceu na Libéria em 1966 e andou a correr atrás de uma bola até chegar a Presidente da pequenina república africana, ainda assim três vezes maior do que o Qatar, que tratou de marcar numa fuga pelos 36m e fez 1-0. A questão estava longe de ficar dirimida, é claro!, mas também se tornou claro e límpido como os olhos da Elizabeth Taylor que o País de Gales não deve sonhar nem com meias-finais (há seis anos) nem sequer com quartos-de-final (há 64 anos). Isto de ter boa vontade não só com muita boa vontade se resolve e os galeses não são nenhuns príncipes, perdoem-se a aliteração e a ironia consecutivas que a noite já vai longa pelas Arábias. Ninguém os impede de sonhar, era o que faltava, mas é melhor ser-se prático. Não foram muito, mas, quem diria?, Bale – o Ronaldo deles – fez cair um penalti do céu e golo também (82m). Mesmo na hora. Na hora de recolher que aqui faz frio como se estivéssemos no final do Outono. E não é que estamos mesmo!? Olhem, para a próxima vou ver a Inglaterra!