DOHA – Ainda há gente pelas ruas passeando-se orgulhosamente com as suas camisolas azuis celestes às riscas brancas. Na sua maioria de contrafacção, como está bem de ver, envergadas por indianos, paquistaneses e bengalis, os grande dinamizadores deste Mundial do Qatar com a sua alegria quase infantil de festejarem as vitórias alheias, todos eles escolhendo as seleções das suas preferências ou, melhor dizendo, os jogadores das suas preferências. Agora que Messi foi coroado campeão do mundo, é ele que ficará no topo deste mundo que nos ofereceu um Mundial supimpa, organizado de forma irrepreensível e festejado através das madrugadas. E não, não acreditem, ninguém paga a esta gente que se reúne aqui no meu bairro, entre Meshreib e Al-Abiba, para andar por aí a ser feliz. Na esquina da Zurara Bin Amir com a Al Khattabi, há um grupo que come dosas e bajis com grão e convidam para que me sente com eles na berma do passeio e partilhar a sua refeição tão tardia quanto bem-vinda. São quase cinco horas da manhã, já ouvimos a primeira oração do dia, os meus companheiros de ceia são todos hindus, não ligam grandemente ao que canta o muezzin. Repetem vezes sem conta, Messi, Messi, Messi, mastigam sardanapalmente os seus fritos já frios, exigem que faça parte de uma discussão sobre quem são os melhores jogadores do mundo, agora que a final do Mundial já se foi há umas horas largas, e queria esquecer-me um bocado do futebol, ler um livro, entreter-me no ramerrão das mensagens com os amigos distantes, encher a cabeça de algodão hidrófilo e pensar em coisa nenhuma se isso fosse possível. Não é. Arrasto mais um tempo esta companhia agradável de gente alegre, ainda sorrio quando penso nos camelos de 128 patas que, movidos por uma espécie qualquer de zelotipia, insiste em desprezar e minimizar a festa dos que, não tendo aqui as equipas dos seus países, têm a grandeza e a generosidade de absorver o regozijo alheio, regresso a casa já de dia e escrevo como um morcego que voa pela madrugada na sonora escravidão escura das palavras que brotam sempre sem parar da ponta dos meus dedos quando reencontram o qwert…
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