Nem mudança no PRR salva construção de novas casas

Nem mudança no PRR salva construção de novas casas


Governo vai canalizar verbas destinadas da bazuca à habitação para outras áreas, passando a ser financiada de outra forma. Sindicato da Construção diz que problema irá manter-se devido à falta de mão-de-obra e aos baixos salários praticados no setor


A falta de trabalhadores poderá comprometer a construção da nova habitação e nem a estratégia do Governo em reprogramar as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), passando a habitação a ser financiada por outras verbas – nomeadamente através do Portugal 2030 e pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) para não haver o risco da perda de dinheiro – poderá criar mais casas. A previsão é feita por Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção. «Neste momento, precisamos de 100 mil trabalhadores para as grandes obras que estão aí, não só para a habitação, mas para outros projetos. Por exemplo, só o novo aeroporto novo aeroporto vai precisar entre 10 a 15 mil trabalhadores», salienta.
O responsável reconhece que é preciso haver mais construção, mas admite que «há obras que não estão a ser lançadas, logo não estão a ir para o terreno porque não há trabalhadores». E aliado à falta de mão-de-obra há que contar ainda, de acordo com o presidente da estrutura sindical, o problema dos salários baixos praticados em Portugal. Um operário qualificado recebe cerca de 900 euros por mês, valor ainda mais baixo no caso de trabalhadores estrangeiros. «Muitos chegam cá vindos das redes de angariadores/ mafiosos, mas também não ficam cá muito tempo. Infelizmente temos trabalhadores estrangeiros no setor da construção que ganham 650 euros/750 euros e depois o que acontece? Vão trabalhar para França, Suíça, Alemanha e outros países», afirma ao nosso jornal.
Albano Ribeiro assegura que quando os trabalhadores ganham salários mais altos, a realidade é diferente. «Há antigos trabalhadores que foram trabalhar para a Alemanha, Suíça que regressam ao nosso país, montam as suas empresas e pagam salários entre 1.500 e dois mil euros. As obras têm segurança, qualidade e há rapidez. Sei que há um caso em que em dois meses e meio conseguiram construir seis andares – o esqueleto, claro – e o futuro tem de passar por aí», salienta.

É necessário 30 a 40 mil por ano
Albano Ribeiro salienta que a construção necessária não é apenas a de luxo. «Estou a falar de construção que seja de qualidade e que não seja igual aos bairros que foram construídos, após 25 de Abril porque essas casas hoje não têm quaisquer condições de habitabilidade». A par da classe média, que já não tem acesso à compra ou arrendamento de um imóvel, há que contar ainda com as classes sociais mais baixas com carências económicas. «É preciso construir ao ano entre 30 a 40 mil casas de habitação social de qualidade. As pessoas não tem dinheiro», diz ao nosso jornal.
Além da falta de mão-de-obra, Albano Ribeiro refere ainda que os atuais preços dos terrenos inibem qualquer projeto imobiliário. «Se os terrenos são muito caros, as casas também vão ser. Quem é que as pode comprar?», questiona. E acrescenta: «Depois a a mão-de-obra é inexistente».
Esta preocupação é partilhada pela secretária de Estado da Habitação, que ainda esta quinta-feira referiu que «é preciso construir bem, depressa e barato», sem «beliscar a qualidade» das casas. E foi mais longe: «Para conseguirmos construir depressa, para conseguirmos transformar este desafio numa oportunidade, é importante conseguirmos eliminar todas as barreiras que todos sabemos que existem naquilo que é a concretiza de habitações a preços acessíveis», tendo apelado ao «diálogo muito claro» com todos os agentes do setor imobiliário e da construção.
Ainda assim, Patrícia Gonçalves Costa referiu que o problema não pode ser resolvido apenas pelo Estado. «Temos de aumentar a produção de construção de habitação e aumentá-la nos vários setores. Desengane-se quem acha que o setor público vai conseguir resolver sozinho este problema», acenando ainda com o facto de o Governo estar «empenhado em eliminar todos os bloqueios, em fazer as alterações necessárias para que todos os projetos tenham uma concretização clara».

Não deixar escapar verba
Devido à subida dos custos das obras e ao tempo limitado para a execução dos projetos, o Governo optou por reduzir em 391,3 milhões de euros o financiamento previsto no PRR para a habitação. Ainda assim, o Executivo garantiu que os investimentos na habitação pública a custos acessíveis não serão comprometidos, assegurando que as 6.800 habitações previstas serão construídas, mesmo com a fonte de financiamento alterada.
Esta reprogramação, segundo o Governo vem minimizar «o risco de incumprimento, que poderia resultar na perda de verbas» do PRR, mantendo a dotação total em 22,2 mil milhões de euros, com reforço significativo nas áreas da saúde, ciência e inovação empresarial. «Esta revisão permite substituir projetos inviáveis dentro do calendário estabelecido, assegurando a sua execução através de outras fontes de financiamento, enquanto reforça a eficiência e o impacto dos fundos disponíveis», explicou.
«Das 6.800 casas do parque habitacional a custos acessíveis, 3.300 manterão o financiamento PRR, passando as restantes a ser financiadas através de um empréstimo do Banco Europeu de Investimento (BEI)», mas o ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Castro Almeida, referiu que a «reprogramação é a resolução de um problema por antecipação». E acrescentou: «Alguns dos investimentos inicialmente previstos no PRR demonstram-se absolutamente inexequíveis dentro do prazo fixado e se os mantivéssemos estaríamos a optar por perder verbas de forma voluntária», mas afirmou que «nenhum projeto será abandonado por sair do PRR».
É certo que os alertas em relação de execução da famosa bazuca não param. O último relatório de monitorização reconhece que «ainda há um longo caminho a percorrer» e diz que, até agora, dos 463 marcos e metas acordados com a Comissão Europeia, 147 já foram cumpridos, 30 estão em fase de avaliação e 13 em processo de submissão. Para garantir que os restantes sejam atingidos de forma eficiente, foi realizado um exercício de reprogramação (ver tabelas).
«Em setembro de 2024, a Estrutura de Missão Recuperar Portugal começou por realizar um diagnóstico abrangente das 21 componentes do PRR, identificando dificuldades de execução e propondo melhorias. Este diagnóstico contou com a participação ativa dos beneficiários intermediários e diretos, visando entender a exequibilidade temporal e o nível de exigência dos diferentes marcos e metas» referiu.
Foram realocados 1.483 milhões centrando-se 60% deste montante no reforço de três áreas: saúde, empresas e ciência. A saúde tem um reforço de 336 milhões de euros para a compra de equipamentos para as Unidades Locais de Saúde (ULS), «modernizando as infraestruturas e garantindo um melhor acesso aos cuidados de saúde», explicou o ministério da Coesão. A Ciência e Ensino Superior recebe um investimento adicional de 110 milhões para «equipamentos e modernização tecnológica das universidades, reforçando a capacidade científica e de investigação do país». Já para fomentar a inovação empresarial, a competitividade e o crescimento das empresas é criado um novo instrumento financeiro com uma dotação de cerca de 230 milhões de euros.
«Também o número de marcos e metas sofre uma alteração nesta reprogramação (proposta ainda em discussão com a CE, valida até à sua aprovação), passando de 463 a 450. Esta proposta de alteração prende-se com questões de redução de carga administrativa, bem como com a fusão de marcos e metas intermédios», acrescentou o relatório.
Recorde-se que o Plano de Recuperação e Resiliência pagou 6.534 milhões de euros aos beneficiários até 29 de janeiro.
As empresas continuam a liderar, com 2.277 milhões de euros. As entidades públicas (1.511 milhões de euros) e as autarquias e áreas metropolitanas (773 milhões de euros) fecham o pódio.