Impostos de Suécia e apoios de terceiro-mundo


Na saúde a situação é grave e está tudo a rebentar pelas costuras.


1. As estatísticas não enganam. Todas confirmam a evidência de que os portugueses estão no top dos povos europeus que mais impostos pagam (diretos e indiretos), sendo daqueles que menos podem contar com o Estado. Todos sabemos isso e, portanto, não vale a pena a classe política desdobrar-se a dizer que vai dar mais isto e mais aquilo em apoios. Simplesmente porque essas promessas quase nunca se cumprem e ainda porque em geral envolvem uma tamanha confusão burocrática que não saem sequer dos cofres das finanças públicas. Esta estratégia não tem a ver, antes acresce, com as célebres cativações. A teia de ligar uma espécie de “complicómetro” burocrático é equivalente ao que seria colocar sinalética rodoviária em alemão nas vilas deste jardim à beira-mar plantado. Nos serviços diretos do Estado aparece como o mais deficiente o da saúde. O novo ministro, Manuel Pizarro, já não diz coisa com coisa e ainda mal chegou. Tudo está a rebentar pelas costuras: as listas de espera são gigantescas para operações, enquanto nas urgências chega-se a esperar 15 horas para casos de urgência relativa, ultrapassando-se as 3 horas para situações muito graves, o que pode ser fatal. Pizarro deu uma entrevista dizendo que encontrou a saúde pior do que pensava. Claro que, para não ofender a devastadora Marta Temido que rebentou com tudo o que podia que envolvesse privados, achou por bem responsabilizar Passos Coelho. Pizarro sabe bem que foi o sectarismo ideológico da ministra, com o fim das Parcerias Público-Privadas (PPP), a exclusão geral dessa complementaridade e a dramática redução do horário para 35 horas, que estoirou com tudo. A par, claro, da desvalorização de todas carreiras ligadas à medicina, começando nos médicos. Na entrevista, Pizarro retomou também a conversa fiada de que no Norte as coisas fluem melhor do que em Lisboa. Além da premissa ser falsa quando se analisam tempos de espera em hospitais circundantes do Porto e de Lisboa, há ainda a circunstância de um hospital como Santa Maria captar gente de uma área muito maior e mais populosa do que o São João, com o qual compara. É mais um mito que dá jeito criar. Sobre António Costa que, afinal, é o responsável há sete anos pelos desmandos do SNS nem um pio. Pizarro tem noção de que criticá-lo, ainda que levemente, trará represálias mais tarde ou mais cedo. Como muitas outras coisas entre nós, o SNS está a afundar e a orquestra socialista toca alegremente. Em face disso, e mesmo sabendo que a futurologia não faz parte da análise política, é irresistível perguntar nesta altura quanto tempo levará o tal CEO do SNS, Fernando Araújo, até fugir a sete pés do lugar. Manuel Pizarro tem uma tarefa altamente complexa pela frente e ainda agora começou. Não precisa de conselhos porque é um homem da área, bem preparado e um político experiente. Qualquer português espera que tudo lhe corra pelo melhor, que traga soluções simples, rápidas e que não se enrole na habitual explicação de que o problema é estrutural e a culpa do passado. O seu sucesso político será a nossa saúde, um dos campos onde a máquina do Estado come tudo e devolve pouco, exaurindo quem a alimenta. Um dia a casa vem abaixo…

2. Enquanto o Estado engorda, duas companhias de teatro, criadas há meio século, e reconhecidas internacionalmente estão em risco de fechar por falta de apoios financeiros. Trata-se da Seiva Trupe e da Barraca, no Porto e em Lisboa respetivamente. Os motivos da exclusão são técnico-burocráticos ao melhor estilo da nossa governação. Em Portugal, a apetência pela cultura não é grande. Verdade se diga que nem sempre a oferta é apelativa ou de fácil compreensão para o cidadão comum. Somos um país onde qualquer banda filarmónica tem apoios, onde as Câmaras pagam a deslocação de populares para ir ao Preço Certo ou gastam milhares de euros para receber programas idiotas, feitos em playback com umas moças desajeitadas a dançar cada uma para seu lado atrás de um velho decrépito e com capachinho, tudo animado por apresentadores com trejeitos de feirantes. Perante esse panorama deveria caber ao polido e convencido ministro da Cultura contrapor alguma sobriedade e apoiar dignamente o teatro e outras artes que projetam valores culturais mais fundos, mais intensos, sendo muitas vezes referências de Portugal em muitos pontos do mundo e não só do que fala português. Tem a palavra Adão e Silva. E como ele não vai ao Qatar e até quer catalogar o minúsculo espólio suscetível de ser devolvido às nossas antigas colónias, não lhe deve custar nada despachar estes dossiers importantes, antes que duas das referências da nossa cultura morram de inanição e fechem portas como sucedeu em 2016 com o Teatro da Cornucópia.

3. Na política, a remodelação estendeu-se a meia dúzia de secretários de Estado, designadamente aos da economia que eram tutelados por Costa Silva. Tinham desalinhado do ministro na sugestão fantasiosa da descida do IRC, que ele propunha e foi recusada. Havia duas hipóteses: marchavam eles ou o ministro. Foram eles… para já. Os substitutos não prometem nada de especial, mas pelos antecedentes conhecidos parecem obedientes. Para secretário de Estado Adjunto, depois de se ter desembaraçado de Miguel Alves e da sua catadupa de casos, António Costa foi buscar António Mendonça Mendes, que ocupava a secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais. António é irmão de Ana Catarina Mendes que, por sua vez, é ministra adjunta e dos assuntos parlamentares. Ainda houve quem tentasse retomar o “familygate” de há meses, mas sem sucesso. Uma coisa é pai e filha ou marido e mulher no conselho de ministros, outra coisa são dois irmãos ou primos-irmãos. São parentescos muito próximos, mas não suscitam à partida o mesmo tipo de reserva. A prova é que ambos já estavam no executivo, desempenhando os seus lugares sem reparos, mesmo por parte de quem não está no mesmo quadrante político. Contas feitas, o governo perdeu sete dos seus membros, mexeu em 18% dos 56 elementos do plantel, o que é uma média notável e um sinal inequívoco de que a equipa é “poucochinha” no seu conjunto. E tudo é ainda mais bizarro (não confundir com Pizarro) quando tem seis meses de vida e está assente numa maioria absoluta.

4. Curiosamente, ou talvez não, a Fundação Francisco Manuel dos Santos acaba de publicar um estudo sobre a perceção da ética e da integridade na política. O inquérito abrangeu, separadamente, políticos e cidadãos comuns. E dele se conclui que para os políticos pode-se fazer tudo o que não está na lei, enquanto o cidadão comum acha que os políticos devem abster-se de práticas que, podendo ser legais, não deixam de ser eticamente impróprias. O que o estudo não explica é o que se passa no cidadão comum chega à política. É uma mutação que povo já o explicou há muito de forma sintética. Uma coisa é a Olívia Patroa e outra a Olívia Empregada. E aí tanto faz ser no Estado como nas muitas fundações que temos no país. Portugal tem um ADN comum em todos os ramos, da política aos negócios. A endogamia supera normalmente a competência. É, aliás, por isso que muitas empresas não passam da segunda geração. A que manda na Fundação Francisco Manuel dos Santos já vai na terceira, o que é uma raridade entre nós.

5. António José Seguro participou no debate da apresentação do estudo sobre ética da Fundação Francisco Manuel dos Santos, depois de uma grande ausência. Defendeu que a fiscalização da corrupção na política deve seguir depois do termo dos mandatos e que a comunicação social não se deve limitar a dar uma notícia e saltar para outra. Seguro é uma referência rara de seriedade na política. Seria refrescante se aparecesse mais vezes.

 

Escreve à quarta-feira

Impostos de Suécia e apoios de terceiro-mundo


Na saúde a situação é grave e está tudo a rebentar pelas costuras.


1. As estatísticas não enganam. Todas confirmam a evidência de que os portugueses estão no top dos povos europeus que mais impostos pagam (diretos e indiretos), sendo daqueles que menos podem contar com o Estado. Todos sabemos isso e, portanto, não vale a pena a classe política desdobrar-se a dizer que vai dar mais isto e mais aquilo em apoios. Simplesmente porque essas promessas quase nunca se cumprem e ainda porque em geral envolvem uma tamanha confusão burocrática que não saem sequer dos cofres das finanças públicas. Esta estratégia não tem a ver, antes acresce, com as célebres cativações. A teia de ligar uma espécie de “complicómetro” burocrático é equivalente ao que seria colocar sinalética rodoviária em alemão nas vilas deste jardim à beira-mar plantado. Nos serviços diretos do Estado aparece como o mais deficiente o da saúde. O novo ministro, Manuel Pizarro, já não diz coisa com coisa e ainda mal chegou. Tudo está a rebentar pelas costuras: as listas de espera são gigantescas para operações, enquanto nas urgências chega-se a esperar 15 horas para casos de urgência relativa, ultrapassando-se as 3 horas para situações muito graves, o que pode ser fatal. Pizarro deu uma entrevista dizendo que encontrou a saúde pior do que pensava. Claro que, para não ofender a devastadora Marta Temido que rebentou com tudo o que podia que envolvesse privados, achou por bem responsabilizar Passos Coelho. Pizarro sabe bem que foi o sectarismo ideológico da ministra, com o fim das Parcerias Público-Privadas (PPP), a exclusão geral dessa complementaridade e a dramática redução do horário para 35 horas, que estoirou com tudo. A par, claro, da desvalorização de todas carreiras ligadas à medicina, começando nos médicos. Na entrevista, Pizarro retomou também a conversa fiada de que no Norte as coisas fluem melhor do que em Lisboa. Além da premissa ser falsa quando se analisam tempos de espera em hospitais circundantes do Porto e de Lisboa, há ainda a circunstância de um hospital como Santa Maria captar gente de uma área muito maior e mais populosa do que o São João, com o qual compara. É mais um mito que dá jeito criar. Sobre António Costa que, afinal, é o responsável há sete anos pelos desmandos do SNS nem um pio. Pizarro tem noção de que criticá-lo, ainda que levemente, trará represálias mais tarde ou mais cedo. Como muitas outras coisas entre nós, o SNS está a afundar e a orquestra socialista toca alegremente. Em face disso, e mesmo sabendo que a futurologia não faz parte da análise política, é irresistível perguntar nesta altura quanto tempo levará o tal CEO do SNS, Fernando Araújo, até fugir a sete pés do lugar. Manuel Pizarro tem uma tarefa altamente complexa pela frente e ainda agora começou. Não precisa de conselhos porque é um homem da área, bem preparado e um político experiente. Qualquer português espera que tudo lhe corra pelo melhor, que traga soluções simples, rápidas e que não se enrole na habitual explicação de que o problema é estrutural e a culpa do passado. O seu sucesso político será a nossa saúde, um dos campos onde a máquina do Estado come tudo e devolve pouco, exaurindo quem a alimenta. Um dia a casa vem abaixo…

2. Enquanto o Estado engorda, duas companhias de teatro, criadas há meio século, e reconhecidas internacionalmente estão em risco de fechar por falta de apoios financeiros. Trata-se da Seiva Trupe e da Barraca, no Porto e em Lisboa respetivamente. Os motivos da exclusão são técnico-burocráticos ao melhor estilo da nossa governação. Em Portugal, a apetência pela cultura não é grande. Verdade se diga que nem sempre a oferta é apelativa ou de fácil compreensão para o cidadão comum. Somos um país onde qualquer banda filarmónica tem apoios, onde as Câmaras pagam a deslocação de populares para ir ao Preço Certo ou gastam milhares de euros para receber programas idiotas, feitos em playback com umas moças desajeitadas a dançar cada uma para seu lado atrás de um velho decrépito e com capachinho, tudo animado por apresentadores com trejeitos de feirantes. Perante esse panorama deveria caber ao polido e convencido ministro da Cultura contrapor alguma sobriedade e apoiar dignamente o teatro e outras artes que projetam valores culturais mais fundos, mais intensos, sendo muitas vezes referências de Portugal em muitos pontos do mundo e não só do que fala português. Tem a palavra Adão e Silva. E como ele não vai ao Qatar e até quer catalogar o minúsculo espólio suscetível de ser devolvido às nossas antigas colónias, não lhe deve custar nada despachar estes dossiers importantes, antes que duas das referências da nossa cultura morram de inanição e fechem portas como sucedeu em 2016 com o Teatro da Cornucópia.

3. Na política, a remodelação estendeu-se a meia dúzia de secretários de Estado, designadamente aos da economia que eram tutelados por Costa Silva. Tinham desalinhado do ministro na sugestão fantasiosa da descida do IRC, que ele propunha e foi recusada. Havia duas hipóteses: marchavam eles ou o ministro. Foram eles… para já. Os substitutos não prometem nada de especial, mas pelos antecedentes conhecidos parecem obedientes. Para secretário de Estado Adjunto, depois de se ter desembaraçado de Miguel Alves e da sua catadupa de casos, António Costa foi buscar António Mendonça Mendes, que ocupava a secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais. António é irmão de Ana Catarina Mendes que, por sua vez, é ministra adjunta e dos assuntos parlamentares. Ainda houve quem tentasse retomar o “familygate” de há meses, mas sem sucesso. Uma coisa é pai e filha ou marido e mulher no conselho de ministros, outra coisa são dois irmãos ou primos-irmãos. São parentescos muito próximos, mas não suscitam à partida o mesmo tipo de reserva. A prova é que ambos já estavam no executivo, desempenhando os seus lugares sem reparos, mesmo por parte de quem não está no mesmo quadrante político. Contas feitas, o governo perdeu sete dos seus membros, mexeu em 18% dos 56 elementos do plantel, o que é uma média notável e um sinal inequívoco de que a equipa é “poucochinha” no seu conjunto. E tudo é ainda mais bizarro (não confundir com Pizarro) quando tem seis meses de vida e está assente numa maioria absoluta.

4. Curiosamente, ou talvez não, a Fundação Francisco Manuel dos Santos acaba de publicar um estudo sobre a perceção da ética e da integridade na política. O inquérito abrangeu, separadamente, políticos e cidadãos comuns. E dele se conclui que para os políticos pode-se fazer tudo o que não está na lei, enquanto o cidadão comum acha que os políticos devem abster-se de práticas que, podendo ser legais, não deixam de ser eticamente impróprias. O que o estudo não explica é o que se passa no cidadão comum chega à política. É uma mutação que povo já o explicou há muito de forma sintética. Uma coisa é a Olívia Patroa e outra a Olívia Empregada. E aí tanto faz ser no Estado como nas muitas fundações que temos no país. Portugal tem um ADN comum em todos os ramos, da política aos negócios. A endogamia supera normalmente a competência. É, aliás, por isso que muitas empresas não passam da segunda geração. A que manda na Fundação Francisco Manuel dos Santos já vai na terceira, o que é uma raridade entre nós.

5. António José Seguro participou no debate da apresentação do estudo sobre ética da Fundação Francisco Manuel dos Santos, depois de uma grande ausência. Defendeu que a fiscalização da corrupção na política deve seguir depois do termo dos mandatos e que a comunicação social não se deve limitar a dar uma notícia e saltar para outra. Seguro é uma referência rara de seriedade na política. Seria refrescante se aparecesse mais vezes.

 

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