Migrantes e direitos humanos


Os mecanismos de fiscalização e prevenção estatais (e da sociedade civil) pouco terão contribuído para evitar que tais situações de exploração, os seus patrocinadores e aproveitadores se instalassem e mantivessem – lucrando todos com elas –  desde há tempos, no nosso país.


Na semana passada, os media noticiaram que uma operação da Polícia judiciária (PJ) desmantelou uma importante rede de tráfico e exploração de seres humanos.

Segundo as notícias, a maioria das vítimas trabalhava na agricultura e, predominantemente, em certas regiões do Alentejo.

Esta operação policial, ainda segundo as notícias, terá mobilizado cerca de quatrocentos operacionais da PJ.

A intervenção desta polícia, no âmbito de um inquérito registado no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa do Ministério Público, constitui um passo de grande importância para o combate a este tipo de criminalidade.

Na verdade, desde as notícias de há apenas uns anos sobre a instalação miserável de muitos migrantes na zona da costa alentejana, que nada mais parecia ter acontecido para fazer frente à vergonha da sua exploração selvagem.

Entretanto, em diferentes fóruns nacionais e internacionais, vários responsáveis políticos portugueses discursaram, em alto e bom som, sobre a violação dos direitos humanos – mormente sobre o mau tratamento dado a migrantes –, em outros países de diferentes regiões do mundo.

Quem os tivesse ouvido falar – e continua a ouvir – julgará, assim, que nada de relevantemente chocante se passa, a este propósito, neste nosso país à beira-mar plantado.

E, na verdade, o que esta operação policial desvendou não abarca sequer todos os casos e as situações acomodadas que, ao longo de muitos anos, vêm sendo denunciadas.

O número de efetivos policiais envolvidos na operação demonstra bem a importância da presente investigação.

Todavia, por natureza, tal tipo de intervenção acontece apenas a posteriori e na perspetiva puramente repressiva.

Isto significa que os mecanismos de fiscalização e prevenção estatais (e da sociedade civil) pouco terão contribuído para evitar que tais situações e os seus patrocinadores se instalassem e mantivessem – lucrando todos com elas – desde há tempos, no nosso país.

Como já aqui escrevi, a propósito da corrupção, tão ou mais importante do que perseguir criminalmente este tipo de delitos graves é o de prevenir e, tempestivamente, intervir para que ele não se assuma como uma prática social aceitável, mesmo que vagamente, condenável.

Não deixa, por isso, de ser curioso contrapor o número de operacionais da PJ que intervieram nesta concreta operação com o número de inspetores de que dispõe a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que, se não me engano, é, a nível nacional, apenas um pouco maior do que aquele.

Na verdade, a ratio de inspetores da ACT relativamente ao número de trabalhadores situa-se, aproximadamente, em 1/10 000.

Optando sempre por uma intervenção preventiva – mas efetiva – importa, pois, dotar a ACT de um número convincente de agentes que permita uma presença constante, visível e atuante nas áreas onde estes e outros abusos mais se fazem sentir.

Não serve de nada ter leis laborais, mais ou menos exigentes, e mais ou menos respeitantes das normas internacionais, se a política e a prática social aceite é a de as ignorar ou, no mínimo, a de relativizar o seu alcance, especialmente quando se trata de proteger os direitos dos trabalhadores, migrantes ou não.

Sendo, pois, de elogiar a ação da PJ e a investigação a cargo do MP, não deixa de ser preocupante que, por razões de (in)capacidade ou outras que a razão desconhece – mas não deveria –, a ACT acabe por assumir em relação a estas e outras situações idênticas um papel que, aparentemente, é secundário e quase desconhecido da opinião pública, das vítimas, dos criminosos e de outros aproveitadores deste tipo de fenómenos. 

A consequência é a fácil preparação, instalação e proliferação, no nosso território, de organizações criminais dedicadas ao tráfico de seres humanos, a prática constante de infrações laborais, a exploração e quase escravatura de trabalhadores migrantes, o enfraquecimento da posição contratual de todos os trabalhadores: nacionais ou estrangeiros.

É por estas e outras razões que, por vezes, os discursos oficiais sobre os direitos humanos, no país e no mundo, correm o risco de parecer irrelevantes ou hipócritas.

É, também, por estas e outras razões que as forças populistas conseguem denegrir o valor das leis e a seriedade e respeito que a todos deveriam merecer as instituições da República.

Migrantes e direitos humanos


Os mecanismos de fiscalização e prevenção estatais (e da sociedade civil) pouco terão contribuído para evitar que tais situações de exploração, os seus patrocinadores e aproveitadores se instalassem e mantivessem – lucrando todos com elas -  desde há tempos, no nosso país.


Na semana passada, os media noticiaram que uma operação da Polícia judiciária (PJ) desmantelou uma importante rede de tráfico e exploração de seres humanos.

Segundo as notícias, a maioria das vítimas trabalhava na agricultura e, predominantemente, em certas regiões do Alentejo.

Esta operação policial, ainda segundo as notícias, terá mobilizado cerca de quatrocentos operacionais da PJ.

A intervenção desta polícia, no âmbito de um inquérito registado no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa do Ministério Público, constitui um passo de grande importância para o combate a este tipo de criminalidade.

Na verdade, desde as notícias de há apenas uns anos sobre a instalação miserável de muitos migrantes na zona da costa alentejana, que nada mais parecia ter acontecido para fazer frente à vergonha da sua exploração selvagem.

Entretanto, em diferentes fóruns nacionais e internacionais, vários responsáveis políticos portugueses discursaram, em alto e bom som, sobre a violação dos direitos humanos – mormente sobre o mau tratamento dado a migrantes –, em outros países de diferentes regiões do mundo.

Quem os tivesse ouvido falar – e continua a ouvir – julgará, assim, que nada de relevantemente chocante se passa, a este propósito, neste nosso país à beira-mar plantado.

E, na verdade, o que esta operação policial desvendou não abarca sequer todos os casos e as situações acomodadas que, ao longo de muitos anos, vêm sendo denunciadas.

O número de efetivos policiais envolvidos na operação demonstra bem a importância da presente investigação.

Todavia, por natureza, tal tipo de intervenção acontece apenas a posteriori e na perspetiva puramente repressiva.

Isto significa que os mecanismos de fiscalização e prevenção estatais (e da sociedade civil) pouco terão contribuído para evitar que tais situações e os seus patrocinadores se instalassem e mantivessem – lucrando todos com elas – desde há tempos, no nosso país.

Como já aqui escrevi, a propósito da corrupção, tão ou mais importante do que perseguir criminalmente este tipo de delitos graves é o de prevenir e, tempestivamente, intervir para que ele não se assuma como uma prática social aceitável, mesmo que vagamente, condenável.

Não deixa, por isso, de ser curioso contrapor o número de operacionais da PJ que intervieram nesta concreta operação com o número de inspetores de que dispõe a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que, se não me engano, é, a nível nacional, apenas um pouco maior do que aquele.

Na verdade, a ratio de inspetores da ACT relativamente ao número de trabalhadores situa-se, aproximadamente, em 1/10 000.

Optando sempre por uma intervenção preventiva – mas efetiva – importa, pois, dotar a ACT de um número convincente de agentes que permita uma presença constante, visível e atuante nas áreas onde estes e outros abusos mais se fazem sentir.

Não serve de nada ter leis laborais, mais ou menos exigentes, e mais ou menos respeitantes das normas internacionais, se a política e a prática social aceite é a de as ignorar ou, no mínimo, a de relativizar o seu alcance, especialmente quando se trata de proteger os direitos dos trabalhadores, migrantes ou não.

Sendo, pois, de elogiar a ação da PJ e a investigação a cargo do MP, não deixa de ser preocupante que, por razões de (in)capacidade ou outras que a razão desconhece – mas não deveria –, a ACT acabe por assumir em relação a estas e outras situações idênticas um papel que, aparentemente, é secundário e quase desconhecido da opinião pública, das vítimas, dos criminosos e de outros aproveitadores deste tipo de fenómenos. 

A consequência é a fácil preparação, instalação e proliferação, no nosso território, de organizações criminais dedicadas ao tráfico de seres humanos, a prática constante de infrações laborais, a exploração e quase escravatura de trabalhadores migrantes, o enfraquecimento da posição contratual de todos os trabalhadores: nacionais ou estrangeiros.

É por estas e outras razões que, por vezes, os discursos oficiais sobre os direitos humanos, no país e no mundo, correm o risco de parecer irrelevantes ou hipócritas.

É, também, por estas e outras razões que as forças populistas conseguem denegrir o valor das leis e a seriedade e respeito que a todos deveriam merecer as instituições da República.