Após dois anos de “interrupção” devido à covid-19 – em 2020 funcionou apenas online e em 2021 em modo hibrido – a Web Summit regressou em força a Lisboa, com 70 mil participantes de 170 países – a maioria proveniente do Brasil, do Reino Unido e da Alemanha – e mil oradores naquela que é a sua sexta edição presencial, mas sétima no nosso país.
Mas o evento continua a estar envolvido em polémicas. A começar pela cerimónia de abertura que foi interrompida durante cerca de uma hora devido à queda de câmara suspensa no Altice Arena. O incidente aconteceu instantes após a entrada no recinto de Ramos Horta, Presidente de Timor-Leste.
Também o evento deixou de ser exclusivo e, apesar de Lisboa se manter como sede da cimeira tecnológica, a Web Summit terá uma nova edição no Brasil e a cidade do Rio de Janeiro foi a escolhida para a realização da primeira edição entre 1 e 4 de maio de 2023. Isto apesar de Portugal ter assinado, em 2018, um contrato de exclusividade de 10 anos com a organização com um investimento anual de 11 milhões de euros. Aliás, para manter o evento no nosso país, o Estado português e Lisboa comprometeram-se a duplicar o espaço da FIL.
A decisão de ir para o Brasil foi anunciada pelo cofundador e CEO da feira de tecnologia, Paddy Cosgrave, em maio deste ano e, na altura, garantiu que a realização da Web Summit na cidade brasileira não iria colocar em causa a realização do evento principal, que continuará a ser em Portugal, nem admitiu a hipótese de haver uma compensação às autoridades locais pela utilização do nome do evento em outra localização que não Portugal, garantindo que os eventos em si serão “muito diferentes”, nomeadamente em termos de tamanho.
E poderá não ficar por aqui, já que acenou com a hipótese de nos próximos anos serem anunciados outros eventos regionais, como, por exemplo, em África, na Ásia e no Médio Oriente. “Queremos ser uma marca mundial”, garantiu o responsável.
O arranque desta cimeira ficou também marcado pela realização de uma manifestação contra os ‘Vistos Nómadas Digitais’ e outras medidas que prejudicam acesso à habitação. “O nosso protesto correu muito bem. Acabámos há pouco porque está a ficar frio e a maioria das pessoas já entrou e, por isso, já desmobilizámos. Distribuímos panfletos, tínhamos cartazes e faixas. Houve muitas pessoas que se aproximaram para tentar perceber o que se passava. Não estamos contra as pessoas que são consideradas nómadas digitais, colocamos é uma crítica às políticas que incentivam a vinda de pessoas endinheiradas, sobretudo, que consomem habitação”, começa por dizer, em declarações ao i, Rita Silva, da Habita65 – Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade.
E lembra que “os vistos para os nómadas digitais somam-se aos vistos gold que não acabaram, o Governo é que diz isso. Os residentes não habituais, o regime fiscal de atração de gente endinheirada a troco de uma quase isenção de impostos.
E agora temos um visto para pessoas que ganham quase três mil euros por mês, queremos atrair milhares de nómadas digitais por mês e isso vai gerar um crescendo de desigualdade”, explica, lembrando que aproximadamente 80% dos quartos destinados a estudantes universitários “foram transferidos para o mercado do turismo”.
Rita Silva lembra que “estas pessoas pagam muito mais do que nós podemos pagar e manterão os preços muito elevados. Estas políticas favorecem a manutenção dos preços elevados e são conscientes, não são efeitos colaterais. O que se fez, ao longo dos últimos anos, foi virar o mercado imobiliário para o exterior e desconectar daquilo que é o rendimento dos portugueses. Não temos qualquer tipo de discurso contra os estrangeiros e preocupa-nos que estas políticas gerem xenofobia”, frisando que “a narrativa do Governo e das pessoas, no geral, é que temos de atrair pessoas com dinheiro para Portugal e que dinheiro é sempre bom, quando traz desigualdade, inflaciona o preço dos bens, etc.”.
A responsável chama também a atenção para facto de o Governo e da câmara lisboeta terem dado, nos últimos anos, 11 milhões para a realização deste evento, quando “houve zero ao nível das políticas públicas de habitação”, dando como exemplo, uma mulher, presente no protesto, que vai ser despejada a partir de dia 9 de novembro. “Recebemos cada vez mais pessoas desesperadas que não conseguem pagar a renda ou escolhem entre comer e pagar a renda. Desesperada, ocupou uma casa pública que estava vazia há anos e agora vai ser despejada. Ela e mais 800 mulheres, em Lisboa, com filhos”, sublinha.
E o evento? Mas não é só de polémicas que é feito a Web Summit que, até ao dia 4 de novembro, vai contar com mais de 70 mil participantes, 2630 startups e empresas, 1120 investidores e 1040 oradores.
Paddy Cosgrave, disse recentemente à Lusa que este ano há “muitas coisas”, desde “a escala”, passando pela “venda [dos bilhetes que ficaram esgotados mais cedo do que nunca], há três semanas”. E acredita que esta edição vai ser “de longe a mais movimentada de todos os tempos”, salientando que o espaço de expositores cresceu “60%”, tal como aumentou “drasticamente” o espaço ao ar livre.
Mas há outros números surpreendentes, como o número de 100 unicórnios que discutirão inteligência artificial, futuro do trabalho, machine learning e venture capital. Quanto a nomes, Changpeng Zhao, cofundador e CEO da Binance; o filósofo e linguista Noam Chomsky; o presidente da Y Combinator, Geoff Ralston; o cofundador do Airbnb, Nathan Blecharczyk; e a CEO da Yuga Labs, Nicole Munis são alguns dos nomes mais sonantes que estarão presentes, mas também Mark MacGann, responsável pelo surgimento da investigação “Uber Files”, certamente causará euforia.
No entanto, a abertura ficou marcada pela primeira-dama da Ucrânia que, durante a tarde de ontem, Paddy Cosgrave anunciou no Twitter que tinha voado até Portugal exclusivamente para este fim. “A primeira-dama da Ucrânia, Olena Zelenska, voou para Lisboa para juntar-se a nós, no palco, na abertura da Web Summit. Muito compreensivelmente, a Web Summit manteve a sua presença em segredo até agora”, esclareceu o responsável irlandês por meio de uma publicação na rede social Twitter, sendo que o Executivo ucraniano estará igualmente representado na Web Summit deste ano através do vice-primeiro-ministro e ministro para a Transição Digital, Mykhailo Fedorov.
Olena Zelenska é uma das convidadas surpresa que Cosgrave costuma escolher juntamente com a sua equipa. A título de exemplo, em 2019, Edward Snowden falou sobre a violência tecnológica contra as pessoas.
No seu discurso, a primeira dama da Ucrânia confessou que no que diz respeito a “grandes tecnologias” é apenas uma utilizadora. “Usualmente ouvimos que as inovações tecnológicas movem o mundo, mas eu acho que é mais do que isso. Têm o poder de determinar a direção para a qual esta guerra irá”, acrescentou, acusando a Rússia de colocar a “tecnologia ao serviço do terror”.
Para Olena Zelenska, as “pessoas deveriam estar a ir a Marte, não esconder-se nas suas caves”. “Não poderíamos acreditar que em 2022 as crianças estariam a esconder-se das bombas”, lembrando que que o seu povo teve de passar a “levar os filhos para abrigos de bomba em vez de escola ou atividades”, não sabendo quanto tempo é que vão passar nesses espaços. “Temos de investir não em soluções high tech nas escolas, mas sim em geradores.”
Ministro anuncia vouchers António Costa Silva esteve presente no primeiro dia do evento e foi o representante do Governo para “inaugurar” mais uma edição, aproveitando para anunciar que serão criados vouchers digitais e “verdes”, no valor de 90 milhões de euros, para apoiar 300 startups nos próximos quatro anos, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Além disso, o ministro da Economia referiu que também vai ser lançado um novo pacote de 20 milhões de euros para incubadoras, para “suportar custos e atrair talento”.
E alheio a estas polémicas, Costa Silva optou por falar num “casamento bem sucedido” entre Lisboa e a Web Summit. “Somos o país do surf e das tecnológicas. Do bem estar, do bom tempo e das boas startups. Do sol e das soluções tecnológicas”. E acrescentou: “Se estão a considerar desenvolver uma startup, considerem fazê-lo em Portugal”.
Também Carlos Moedas esteve presente e lembrou o “sonho” que tinha para Lisboa quando foi eleito e que foi sendo concretizado no último ano, nomeadamente a fábrica de unicórnios. “A inovação não é uma ideia, é um processo, uma forma de criar emprego e crescimento. Vim aqui há um ano dizer que queria criar uma fabrica de unicórnios. Os opinadores disseram que era impossível, ridicularizaram a ideia, chamaram-me tolo”, disse o autarca.