O desespero dos piolhos. Famílias gastaram 7 milhões no último ano em champôs, pentes e loções

O desespero dos piolhos. Famílias gastaram 7 milhões no último ano em champôs, pentes e loções


Depois de um abrandamento com a pandemia, os piolhos voltaram em força. Falta de informação sobre ciclos de tratamento, tabu e custos são entraves ao combate a uma praga antiga.


Piolhos. Quem os descobre pela primeira vez pode não imaginar o quanto custa livrar-se deles: apesar de os anúncios de alguns produtos garantirem eficácia a 100%, as letras mais pequenas dizem que é preciso repetir o tratamento. Quem os teve em criança, ou já tratou várias vezes dos filhos, tem sempre algum conselho extra a dar – uma colher de vinagre depois de lavar o cabelo, óleo ao pentear. Pelo meio, a despesa pode somar várias dezenas de euros, sem solução rápida. E, em caso de desistência, a natureza segue o seu caminho: se as lêndeas não forem tratadas e tiradas na totalidade, ao fim do sétimo dia nasce um novo piolho, que cresce rapidamente e, a partir do 19º dia, pode pôr mais de 15 lêndeas por dia, durante 10 dias, até morrer ao 32º dia de vida.

Depois de um abrandamento durante a pandemia, pais, professores e farmacêuticos relatam um aumento das infestações no final do ano letivo passado e agora no regresso às aulas. É a sazonalidade habitual, mas com alguma vergonha ainda em falar do assunto em público, os gastos das famílias são consideráveis sem qualquer apoio – e nem todas têm meios ou informação suficiente sobre os cuidados a ter.

Dados fornecidos ao i pela IQVIA Portugal, consultora que faz a monitorização das vendas em farmácias e parafarmácias a nível nacional, ajudam a colocar alguns números naquela que, depois das constipações, acaba por ser a segunda doença mais comum nas crianças. E que dá pelo nome de pediculose, infestação de piolhos, mais comum nos cabelos, mas que pode dar-se em qualquer pelo corporal.

Nos últimos 12 meses, entre agosto de 2021 e agosto de 2022, o último mês com dados apurados, as famílias gastaram um total de 7 milhões de euros nas farmácias e parafarmácias com produtos relacionados com piolhos e lêndeas, o que hoje inclui toda uma panóplia de loções, champôs, os clássicos pentes e os pentes elétricos. Nos 12 meses anteriores, marcados por menor convívio e mais aulas à distância por causa da pandemia, a despesa tinha sido de 5,3 milhões, registando-se um aumento este ano de 31%. Em unidades vendidas, o aumento anda na mesma ordem (28%), pelo que podendo haver alguma inflação, a subida deve-se sobretudo a mais procura.

Antes da pandemia, os gastos das famílias eram maiores, e representaram no mesmo período de 2019/2020, valores na casa dos 8,9 milhões de euros, mas a tendência mantém-se ainda de subida. Ao todo, foram vendidas nestes últimos 12 meses nas farmácias 380 mil unidades de produtos antiparasitários, revelam ainda os dados recolhidos para o i pela IQVIA. O que, pensando que cada criança possa precisar de duas a três embalagens, dá mais de 120 mil pessoas tratadas, com um gasto médio na casa dos 18 euros por produto.

Ao i, Luís Cunha, diretor técnico da Farmácia Duque D’Ávila, no centro de Lisboa, admite um aumento da procura já no final do ano letivo passado e agora em setembro, com relatos de mais casos em algumas escolas e colégios. E diz que muitas vezes o sentimento das famílias é de desespero sobre como livrarem-se dos piolhos. “Para os rapazes é mais fácil, o meu conselho é sempre cortar o cabelo com o pente 2 ou a 3. Com as raparigas é mais desafiante, também porque nas escolas nem todas as crianças fazem tratamento.”

E aí os relatos são variados: há o desconhecimento sobre o ciclo de vida do parasita e da necessidade de eliminar todas as lêndeas repetindo tratamentos e mantendo uma higiene cuidada, mas também o custo elevado para algumas famílias dos produtos, explica o farmacêutico. Alguma vergonha de que se saiba quem passou a quem primeiro – um tabu que, mesmo que maior nas gerações mais velhas, ainda existe – pode levar a que não se avise na escola precocemente de que se descobriram piolhos e pedir ajuda se for caso disso.

Um combate antigo

Até 1995, a pediculose estava incluída na lista de doenças transmissíveis em que era obrigatória a evicção escolar, o que se mantinha desde 1977.

Embora algumas escolas o recomendem ainda, hoje não é obrigatório as crianças ficarem em casa, mas isso trouxe a necessidade de mais medidas de prevenção e sensibilização. “Às vezes parece um pouco de terceiro-mundo, mas infelizmente não conseguimos ainda erradicar esta infestação”, resume Luís Cunha, que chama a atenção para o facto de haver outras infestações a manifestarem-se e a que é preciso estar atento – nomeadamente casos de escabiose, a doença causada por um ácaro e conhecida por sarna –, tanto em lares como na escola, que exigem cuidados de higiene e sensibilização para que não se espalhe.

Se o tranquiliza, ou se quiser aligeirar a conversa, os vestígios arqueológicos sugerem que a humanidade anda a bater-se com piolhos há muitos milhares de anos: foram encontrados vestígios em múmias da realeza egípcia. Tudo terá começado quando o homem passou a usar roupas, há cerca de 70 mil anos, feitas de pele e pelo de animais. Terá sido por essa altura que o piolho do corpo evoluiu para piolho da cabeça (Pediculus humanus capitis), sugeriram, em 2003, investigadores do Instituto de Antroplogia Humana Max Planck.

Curiosidades

•  A infestação por piolhos é a segunda doença mais frequente na infância, a seguir à constipação.

•  Os piolhos e lêndeas não conseguem saltar ou voar, o que limita o seu contágio ao contacto direto. A infestação ocorre devido ao contacto de cabelos ou acessórios, como escovas, pentes, elásticos ou ganchos.

•  Os piolhos não conseguem sobreviver ao frio, motivo pelo qual se alojam no cabelo. Garante humidade e calor, as condições ideais para o seu desenvolvimento.

•  Conseguem sobreviver nas almofadas, fronhas e cobertores.  Nota que sobrevive até três dias fora da cabeça, e aguenta horas debaixo de água.

•  A comichão deve-se à reação do corpo à combinação de substâncias que o piolho injeta quando se alimenta no vaso sanguíneo. Ele injeta uma enzima anestésica para a pessoa não sentir dor ao ser ‘perfurado’, e outra enzima anticoagulante para evitar que o sangue coagule.

•  Os piolhos são sensíveis ao odor mais forte. O uso de vinagre com água,  e algumas loções pode evitar o contágio.