O seu lema ficava no ouvido: “Fly like a buterfly, sting like a bee”. Muhammad Ali sabia que um combate de boxe não é uma mera medição de força bruta, mas acima de tudo uma espécie de bailado que, naturalmente, mete uns murros pelo meio. “Voar como uma borboleta, ferrar como uma abelha”.
A dança de Ali irritava e confundia os adversários, que se cansavam em vão disparando socos para o ar. E, depois, esperava o momento certo para aplicar os seus golpes demolidores em voo picado, capazes de deitar por terra o mais duro dos lutadores.
Nascido em 1942, recebeu o nome de baptismo do pai, que por sua vez o “herdara” de um abolicionista e diplomata do século XIX: Cassius Marcellus Clay, ao qual foi acrescentado o Jr. para evitar confusões com o progenitor. A sua carreira começou aos 12 anos, quando enfrentou com os punhos um rapaz que lhe queria roubar a bicicleta. Um polícia que assistiu à cena aconselhou-o a procurar um treinador de boxe.
Ali ainda não era Ali quando conquistou em 1954 o primeiro torneio Golden Gloves do Kentucky, para promessas do boxe, ou até a primeira medalha de ouro na categoria de pesos-médios (até 81 kg), nos Jogos Olímpicos de Roma de 1960. E mesmo quando derrotou Sonny Liston e se tornou campeão do mundo de pesos-pesados ainda era por esse nome de ressonâncias romanas, Cassius Clay Jr., que todos o conheciam. Clay significa barro em inglês, mas este gigante não tinha certamente pés de barro.
Terá sido nas vésperas do combate decisivo contra Liston que se converteu ao Islão e recebeu um novo nome, sinal de que tinha nascido outra vez. Escolheu Muhammad Ali, que juntava ao nome do profeta Maomé o do seu primo, o califa Ali. “Cassius Clay é um nome de escravo”, justificaria. “Não fui eu que o escolhi e não o quero. Eu sou Muhammad Ali, um nome livre – significa ‘amado de Deus’, e insisto que as pessoas o usem quando falam comigo”. E, quando um pugilista com um gancho tão poderoso insiste, é melhor obedecer…
Em breve Muhammad Ali deixou de ser apenas um lutador dentro dos ringues. Sob a tutela espiritual de Malcom X e do pastor Martin Luther King, bateu-se também pelos direitos dos negros e dos oprimidos.
Em 1967, apresentou-se como objetor de consciência e recusou combater no Vietname. A sua eloquência era arrasadora.
“Por que me pedem para vestir um uniforme e viajar 10 000 milhas para lançar bombas e balas no povo castanho do Vietname, enquanto chamados negros de Louisville são tratados como cães, sendo-lhes negados os mais elementares direitos humanos? Não, não vou viajar 10 000 milhas para ajudar a assassinar e queimar outra nação pobre para que simplesmente continue a dominação dos senhores brancos sobre os povos de cor mais escura pelo mundo fora. É hora desses males chegarem ao fim”. E concluía: “Não tenho nada a perder por defender as minhas convicções. Vou para a prisão, e daí? Nós estivemos na prisão durante 400 anos”.
Tal como na forma como se defendia dos ataques dos adversários, também na sua argumentação era difícil encontrar brechas. Ainda assim, foi mesmo preso por se recusar alistar no exército e despojado dos seus títulos, bem como da licença para participar em combates.
Quando o Supremo Tribunal reverteu a sentença, em 1971, já Ali tinha perdido quatro anos excecionais para qualquer desportista, dos 25 aos 29, talvez o pico de forma atlética. Em março desse ano, defrontou Joe Frazier naquele que ficou conhecido como o “Combate do Século”. Frazier tratou-o por “Cassius Clay”, o que o enfureceu.
Ali ripostou: “Frazier é demasiado feio para ser campeão. Frazier é demasiado burro para ser campeão”. Enganou-se redondamente: o seu rival venceu o combate e roubou-lhe o título. Foi a sua primeira derrota. Talvez para a digerir, no ano seguinte foi em peregrinação a Meca.
Mas haveria tempo para a desforra. Em Manila, a 1 de outubro de 1975, voltou a defrontar Frazier e desta vez ganhou.
Mas descreveria assim a experiência: “Foi a coisa mais próxima de morrer que eu conheço”. As pancadas que encaixou nesse e noutros combates haveriam de deixar mazelas. Nos últimos anos, tinha a memória e a fala afetadas pela Parkinson. Já não voava como uma borboleta e muito menos ferrava como uma abelha. Nem sequer no combate das palavras.
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