Rentrée literária. O festim da Penguin

Rentrée literária. O festim da Penguin


Um dos maiores grupos editoriais nacionais apresentou, na segunda-feira, na Feira de Lisboa o seu plano de lançamentos para os próximos meses. Aqui ficam alguns dos destaques.


O grupo Penguin Random House, que incorpora um total de 20 chancelas, como a Alfaguara, a Objectiva, a Companhia das Letras, a Vogais e a Elsinore, apresentou ontem na Feira do Livro de Lisboa o seu plano de edições até ao final do ano.

Entre as centenas de novidades que aí vêm, sobressai a biografia As Sete Vidas de José Saramago, de Miguel Real e Filomena Oliveira, “um retrato íntimo de uma das personalidades portuguesas mais importantes dos últimos cem anos”, nas palavras da editora Eurídice Gomes. “É uma biografia extremamente completa de uma vida longa, da infância na Azinhaga à consagração em Estocolmo, um século XX português que vem pouco nos livros de História. A miséria no campo, a migração para a capital, a sujeição social a que a pobreza obriga, o percurso profissional e ideológico, o compromisso com a escrita, o autodidatismo, tudo isto concorre para um retrato irrepreensível e completo do prémio Nobel da Literatura”, complementou. O primeiro casamento, o “fracasso do primeiro romance” e o episódio do saneamento no Diário de Notícias não foram deixados de fora.

Já Madalena Alfaia destacou A Obscena Senhora D e outras Histórias, de Hilda Hilst, “uma autora fulcral da literatura brasileira que está há muito tempo ausente das livrarias portuguesas”. “O trabalho da Hilda Hilst”, descreveu Alfaia, “foi muito inovador e muito transgressor – quer linguisticamente, quer por causa dos temas que tratou, numa prosa muito desabrida, muito subversiva, onde falou sobre temas mais ou menos interditos, como a sexualidade e a loucura”. Misturando autobiografia e ficção, a obra espelha “uma vida extraordinária” e “abre portas” tanto para a literatura brasileira como para temas “incómodos”. “Ela durante muito tempo escreveu textos narrativos, crónica e poesia de uma forma que considerava que ia ao encontro de uma certa norma, mas há uma altura em que decide abandonar a ‘literatura séria’ para começar a escrever literatura pornográfica. O que acontece é que não é uma literatura pornográfica, é uma literatura seriíssima”, concluiu Madalena Alfaia.

 

Vonnegut e a Girafa

Clara Capitão, diretora-geral da Penguin, chamou por sua vez a atenção para a publicação de Matadouro Cinco, de Kurt Vonnegut, no ano do centenário do nascimento do autor norte-americano. “É um romance autobiográfico, publicado em 1969, no tempo da guerra do Vietname, mas que fala sobre uma outra guerra. Kurt Vonnegut lutou na Segunda Guerra Mundial, trata muito disso nos seus livros, e aqui conta a vida do Billy Pilgrim, um jovem soldado americano, de 23 anos, que foi capturado pelo Exército alemão e assiste ao dramático bombardeamento da cidade de Dresden”. Diogo Madre Deus, editor da Cavalo de Ferro e da Elsinore, selecionou “três autores incontornáveis e absolutamente cimeiros da literatura atual”, que serão por estes meses publicados pela Cavalo de Ferro, uma editora que está à beirinha de cumprir 20 anos: o norueguês Jon Fosse, a russa Ludmila Ulitskaya, “desde há uns meses a viver em Berlim, pelas declarações que fez acerca da política atual”, e Olga Tokarczuc, vencedora do Nobel em 2018.

Quanto à Elsinore, depois da revelação que foi Inventário de Algumas Perdas, vai publicar outra obra de Judith Schalansky, O Pescoço da Girafa, “um romance que ali a pesquisa científica, a publicidade, e o tom lírico, quase erudito, em que se fala da reunificação alemã através dos olhos de uma professora de biologia obcecada pela história natural e pela evolução das espécies”.

 

Bono e Putin ao Quadrado

Em Novembro, chegam-nos “as memórias mais aguardadas do ano”, como resumiu Eurídice Gomes, Surrender – 40 canções, uma história, de Bono, o vocalista dos U2. “Bono fala da sua juventude, muito marcada pelo conflito – religioso e político – entre a Irlanda e o Reino Unido, a perda precoce da mãe, aos 14 anos, o início da carreira musical, o caminho que nada faria adivinhar até ao estrelato, sem esquecer o ativismo, que é uma parte importantíssima da vida dele”.

Já nas bancas – e tem sido um livro muito procurado nesta edição da feira – está A Rússia de Putin, de Anna Politkovskaya. Conhecendo os métodos do Kremlin, ao lermos os documentos, testemunhos e denúncias reunidos pela corajosa jornalista, não admira que Politkovskaya tenha acabado assassinada à porta de sua casa, no dia 7 de outubro de 2006. Aqui fica um exemplo: “O manto da escuridão do qual levámos décadas a libertar-nos está de novo a envolver-nos. Há cada vez mais relatos do uso de tortura por parte do FSB, com o fim de fabricar casos que sirvam as suas necessidades ideológicas, implicando os tribunais e o gabinete do procurador como cúmplices. Esta é hoje a regra, e não a exceção. Não podemos continuar a fingir que se trata de um procedimento aleatório”. E prossegue: “A conclusão a retirar é que a nossa Constituição está moribunda, apesar de todas as garantias tendentes a defendê-la, e o FSB tem a seu cargo os preparativos para o funeral”.

Para formar pendant com o livro da intrépida opositora de Putin, estará disponível, a partir de outubro, Assassino no Kremlin, do irreverente (e às vezes inconveniente) Charles Sweeney, que terminava muitas das suas intervenções a partir da Ucrânia com as palavras: “Mr Putin: do fuck off!”. Susana Borges, editora da Vogais, fala “numa leitura vertiginosa, com um ritmo super-rápido, simultaneamente angustiante e até cómica, às vezes”. Estão pois abertas as hostilidades literárias para a rentrée. Enquanto as novidades chegam e não chegam, a Feira do Livro de Lisboa permanece de portas abertas até dia 11 de setembro. Livros não faltam – o que falta é tempo para lê-los.