Objetos inteligentes


Decidir com base em intuições é eficiente, rápido e poupa-nos a necessidade de dar justificações, mas tem alguns inconvenientes.


Por Luís Caldas de Oliveira, Professor do Instituto Superior Técnico

O livro Blink, de Malcom Gladwell, centra-se na capacidade do nosso cérebro correlacionar, de forma inconsciente, informação sensorial com experiências passadas que conduzem às intuições que, frequentemente, usamos para tomar decisões. Um exemplo referido no livro é o famoso Getty Kouros, uma escultura grega que diferentes análises dataram como sendo de 530 a.C. e que foi comprada pelo Museu Getty por 10 milhões de dólares. No seu livro, Gladwell descreve o desconforto sentido por vários historiadores de arte no instante em que viram a estátua. As razões do desconforto levaram tempo a ser identificadas, entre elas, as diferenças de estilo em várias partes da obra e a falta de desgaste do mármore. Há uns anos, quando visitei o museu, a placa junto ao mármore dizia: “Grego, cerca de 530 a.C. ou falsificação moderna”.

Decidir com base em intuições é eficiente, rápido e poupa-nos a necessidade de dar justificações, mas tem alguns inconvenientes. A evolução criou condições para o nosso cérebro se especializar na tomada de decisões sem grande reflexão consciente. Os nossos antepassados que não reagiam rapidamente a certos ruídos, vislumbres ou cheiros, provavelmente não atingiram a idade reprodutiva. No entanto, as competências necessárias à sobrevivência na natureza podem conduzir-nos a más decisões na vida moderna. O artigo de 1974 de Daniel Kahneman e Amos Tversky iniciou o estudo dos vieses cognitivos e do seu impacto nos processos de tomada de decisão. Por exemplo, o viés de confirmação leva-nos a dar maior relevância à informação que confirma as nossas crenças, o viés de atribuição faz-nos valorizar o contributo de uma pessoa para um resultado em prejuízo das condições em que ocorreu e o efeito de Dunning-Kruger leva-nos a sobre-estimar o que sabemos sobre um dado assunto.

A forma de evitar a interferência dos vieses cognitivos é a racionalização do processo de tomada de decisão, ou seja, analisar as diferentes alternativas e tentar estimar as suas probabilidades de sucesso. Para isto precisamos de poder caracterizar, detalhadamente, a situação em que nos encontramos. Depois devemos procurar situações passadas semelhantes à nossa e analisar o que sucedeu em seguida. Para ambos os casos são precisos dados, uns em tempo real sobre a situação atual e outros históricos para tentar prever o futuro.

Nos anos 90, as empresas começaram a utilizar sistemas de planeamento de recursos empresariais (ERP) para a gestão do inventário e da produção que rapidamente se expandiram para a contabilidade, as finanças e as vendas. Isto resultou no desenvolvimento de tecnologias de inteligência empresarial (BI) que não só analisam e apresentam os dados em tempo real, como efetuam previsões para o futuro (análise preditiva) e sugerem opções de decisão (análise prescritiva). Estas tecnologias tiveram um enorme impulso com o desenvolvimento das tecnologias da Internet, nomeadamente a computação na nuvem, onde é fácil aceder a recursos de armazenamento de dados e de capacidade computacional. Há, no entanto, a dificuldade de que estes sistemas de apoio à decisão dependem criticamente da qualidade e quantidade dos dados em que baseiam as suas análises. Muitos desses dados são introduzidos por humanos num processo suscetível a erros, moroso e caro. Tal como o nosso cérebro, um sistema de apoio à decisão precisa de sentidos.

O nome Internet das coisas (Internet of Things, IoT) foi criado em 1999 por um especialista de cadeias de aprovisionamento numa manobra publicitária para convencer os seus superiores das vantagens do uso de tecnologia para seguir os objetos transportados. Só passados 10 anos é que o termo assumiu o significado de ser uma rede de objetos inteligentes com processadores, sensores e atuadores com o fim de trocarem dados entre si e com outros dispositivos ligados à Internet. Esta ligação à computação na nuvem e a capacidade de obter informação e atuar sobre o ambiente estão na base do enorme crescimento do mercado da tecnologia IoT. Com ela podemos oferecer aos sistemas de apoio à decisão grandes quantidades de dados confiáveis e sem intervenção humana.

Para além de útil, a tecnologia IoT é surpreendentemente acessível graças ao projeto Arduino. Este projeto iniciou-se em Itália e tinha o objetivo de criar uma plataforma para facilitar a criação de sistemas eletrónicos de baixo custo por não-engenheiros. Consiste numa placa de circuito eletrónico com um microcontrolador a que se podem ligar sensores e atuadores, e de um ambiente para desenvolver os programas num computador pessoal. Depois de transferido o programa para o microcontrolador, este pode funcionar autonomamente. Como todos os materiais do projeto foram disponibilizados em código aberto existe hoje uma enorme comunidade de utilizadores que desenvolvem e partilham todo o tipo de soluções. Sempre que ouvir falar em cidades, agricultura, fábricas ou casas inteligentes, é muito provável que estejam sistemas Arduino envolvidos.

Existem muitos vídeos introdutórios ao Arduino e kits de desenvolvimento baratos que podem ser uma boa prenda para uma filha ou filho que gosta de construir coisas. Os meus alunos já usaram esta tecnologia para medir e prever o consumo diário de energia de uma habitação, localizar equipamento médico móvel num hospital, contar o número de pessoas numa sala, monitorizar processos de fabrico e detetar quebras de rotinas no dia-a-dia de pessoas idosas para que possam continuar a viver de forma segura em sua casa. Todos estes projetos utilizam sensores que obtêm informações sobre o ambiente em que se encontram sem recurso à captura de imagens.

A capacidade de aceder a grandes quantidades de dados e de os usar nos processos de decisão é essencial para a competitividade das empresas. W. Edwards Demming, criador da metodologia PDCA para a melhoria contínua de sistemas de produção, criou uma famosa adaptação do lema dos EUA na seguinte frase: “Em Deus confiamos, todos os outros têm de trazer dados”. As empresas modernas confiam cada vez mais em objetos inteligentes para a recolha de dados que fundamentam as suas decisões.

Objetos inteligentes


Decidir com base em intuições é eficiente, rápido e poupa-nos a necessidade de dar justificações, mas tem alguns inconvenientes.


Por Luís Caldas de Oliveira, Professor do Instituto Superior Técnico

O livro Blink, de Malcom Gladwell, centra-se na capacidade do nosso cérebro correlacionar, de forma inconsciente, informação sensorial com experiências passadas que conduzem às intuições que, frequentemente, usamos para tomar decisões. Um exemplo referido no livro é o famoso Getty Kouros, uma escultura grega que diferentes análises dataram como sendo de 530 a.C. e que foi comprada pelo Museu Getty por 10 milhões de dólares. No seu livro, Gladwell descreve o desconforto sentido por vários historiadores de arte no instante em que viram a estátua. As razões do desconforto levaram tempo a ser identificadas, entre elas, as diferenças de estilo em várias partes da obra e a falta de desgaste do mármore. Há uns anos, quando visitei o museu, a placa junto ao mármore dizia: “Grego, cerca de 530 a.C. ou falsificação moderna”.

Decidir com base em intuições é eficiente, rápido e poupa-nos a necessidade de dar justificações, mas tem alguns inconvenientes. A evolução criou condições para o nosso cérebro se especializar na tomada de decisões sem grande reflexão consciente. Os nossos antepassados que não reagiam rapidamente a certos ruídos, vislumbres ou cheiros, provavelmente não atingiram a idade reprodutiva. No entanto, as competências necessárias à sobrevivência na natureza podem conduzir-nos a más decisões na vida moderna. O artigo de 1974 de Daniel Kahneman e Amos Tversky iniciou o estudo dos vieses cognitivos e do seu impacto nos processos de tomada de decisão. Por exemplo, o viés de confirmação leva-nos a dar maior relevância à informação que confirma as nossas crenças, o viés de atribuição faz-nos valorizar o contributo de uma pessoa para um resultado em prejuízo das condições em que ocorreu e o efeito de Dunning-Kruger leva-nos a sobre-estimar o que sabemos sobre um dado assunto.

A forma de evitar a interferência dos vieses cognitivos é a racionalização do processo de tomada de decisão, ou seja, analisar as diferentes alternativas e tentar estimar as suas probabilidades de sucesso. Para isto precisamos de poder caracterizar, detalhadamente, a situação em que nos encontramos. Depois devemos procurar situações passadas semelhantes à nossa e analisar o que sucedeu em seguida. Para ambos os casos são precisos dados, uns em tempo real sobre a situação atual e outros históricos para tentar prever o futuro.

Nos anos 90, as empresas começaram a utilizar sistemas de planeamento de recursos empresariais (ERP) para a gestão do inventário e da produção que rapidamente se expandiram para a contabilidade, as finanças e as vendas. Isto resultou no desenvolvimento de tecnologias de inteligência empresarial (BI) que não só analisam e apresentam os dados em tempo real, como efetuam previsões para o futuro (análise preditiva) e sugerem opções de decisão (análise prescritiva). Estas tecnologias tiveram um enorme impulso com o desenvolvimento das tecnologias da Internet, nomeadamente a computação na nuvem, onde é fácil aceder a recursos de armazenamento de dados e de capacidade computacional. Há, no entanto, a dificuldade de que estes sistemas de apoio à decisão dependem criticamente da qualidade e quantidade dos dados em que baseiam as suas análises. Muitos desses dados são introduzidos por humanos num processo suscetível a erros, moroso e caro. Tal como o nosso cérebro, um sistema de apoio à decisão precisa de sentidos.

O nome Internet das coisas (Internet of Things, IoT) foi criado em 1999 por um especialista de cadeias de aprovisionamento numa manobra publicitária para convencer os seus superiores das vantagens do uso de tecnologia para seguir os objetos transportados. Só passados 10 anos é que o termo assumiu o significado de ser uma rede de objetos inteligentes com processadores, sensores e atuadores com o fim de trocarem dados entre si e com outros dispositivos ligados à Internet. Esta ligação à computação na nuvem e a capacidade de obter informação e atuar sobre o ambiente estão na base do enorme crescimento do mercado da tecnologia IoT. Com ela podemos oferecer aos sistemas de apoio à decisão grandes quantidades de dados confiáveis e sem intervenção humana.

Para além de útil, a tecnologia IoT é surpreendentemente acessível graças ao projeto Arduino. Este projeto iniciou-se em Itália e tinha o objetivo de criar uma plataforma para facilitar a criação de sistemas eletrónicos de baixo custo por não-engenheiros. Consiste numa placa de circuito eletrónico com um microcontrolador a que se podem ligar sensores e atuadores, e de um ambiente para desenvolver os programas num computador pessoal. Depois de transferido o programa para o microcontrolador, este pode funcionar autonomamente. Como todos os materiais do projeto foram disponibilizados em código aberto existe hoje uma enorme comunidade de utilizadores que desenvolvem e partilham todo o tipo de soluções. Sempre que ouvir falar em cidades, agricultura, fábricas ou casas inteligentes, é muito provável que estejam sistemas Arduino envolvidos.

Existem muitos vídeos introdutórios ao Arduino e kits de desenvolvimento baratos que podem ser uma boa prenda para uma filha ou filho que gosta de construir coisas. Os meus alunos já usaram esta tecnologia para medir e prever o consumo diário de energia de uma habitação, localizar equipamento médico móvel num hospital, contar o número de pessoas numa sala, monitorizar processos de fabrico e detetar quebras de rotinas no dia-a-dia de pessoas idosas para que possam continuar a viver de forma segura em sua casa. Todos estes projetos utilizam sensores que obtêm informações sobre o ambiente em que se encontram sem recurso à captura de imagens.

A capacidade de aceder a grandes quantidades de dados e de os usar nos processos de decisão é essencial para a competitividade das empresas. W. Edwards Demming, criador da metodologia PDCA para a melhoria contínua de sistemas de produção, criou uma famosa adaptação do lema dos EUA na seguinte frase: “Em Deus confiamos, todos os outros têm de trazer dados”. As empresas modernas confiam cada vez mais em objetos inteligentes para a recolha de dados que fundamentam as suas decisões.