Não regresso À praia da barra da minha infância e da minha adolescência porque ela já morreu há muito. Regresso a uma ideia, a uma saudade, aos amigos que sobram, e tantos já só restam nas conversas nostálgicas, regresso à areia onde me sento a olhar o mar porque quero ficar de costas para os prédios que tomaram as dunas de assalto, regresso à esplanada do Café Farol onde, com o meu primo Pedro, com o Fernão, com o Manholas ou com o Miguel Raposo forjámos e pusemos em prática as ideias mais loucas para surpreender e confundir pessoas, onde alimentei paixões de Agosto até que o tempo das aulas me mandava regressar a Lisboa com mais um buraquinho num coração lamechas de pubescente.
Arnaldo Jabor, um daqueles brasileiros que se dedicou a fazer tudo e mais alguma coisa entre as quais escrever, e bem!, gostava de exclamar: “Se até o Frank Sinatra morreu, o que será de mim!?” Bem, pelo que sei, está vivo e mexe-se. Neste lugar que foi tão cheio de vida, e eu próprio fui mais cheio de vida do que, muito provavelmente, em qualquer outro, a morte infiltrou-se da forma ínvia e velhaca como sempre fez. Sinto o sol na cara, no corpo, e percebo que estou aqui desde sempre.
A areia desta praia foi a primeira que pisei. Houve tempos em que maré vazia fazia nascer campos de futebol tão largos que dava para jogarmos onze contra onze. Pouca vezes senti maior liberdade do que partir com a bola amarrada aos pés descalços tendo ondas rasteiras a servir de linha lateral. Driblava adversários e o mar, que também vinha fazer carrinhos à minha passagem, saltava com a leveza própria de um garoto magrinho, escanzelado, que teimava em dar pontapés de bicicleta, o gesto mais bonito que existe nesse jogo que apaixona o mundo, os dedos esfacelados da bola de couro que doíam até chegar a hora de mergulhar na noite do Galeão, hora de esquecer a tarde e as cervejas, o jantar miserável de enlatados no parque de campismo, o som roufenho dos altifalantes das Propagandas Quimper (“Há 30 anos ao seu serviço nesta praia!”) e usar e abusar das madrugadas até que o dia nascesse outra vez numa simplicidade inconsciente de repetições. Desculpa lá Frank,o Arnaldo que te ature, mas eu continuo decidido a fazer um embargo à morte.