O “incancelável” empresário Milhão


A ideologia patriarcal do empresário português tem no “politicamente correto” o inimigo declarado. É curioso como os ultraconservadores gostam de usar o poder do Estado para criminalizar decisões pessoais, como o aborto, por serem contrárias à sua visão do mundo. 


“Parece que os bebés que ainda não nasceram têm os seus direitos de volta nos EUA. A natureza está a curar-se”. Estas afirmações do fundador da empresa Prozis não são polémicas, são reacionárias. O comentário de Miguel Milhão sobre o retrocesso de 50 anos no direito ao aborto nos EUA tem o ingrediente secreto do ultra-conservadorismo: o disfarce ético e naturalista. A ideologia patriarcal de submissão das mulheres a um dever reprodutivo disfarça-se de ordem natural das coisas.

Milhão diz que a sua razão não é religiosa, é ética. O site da Prozis reivindica valores enraizados “na ética cristã e ocidental”. Que ética será essa? Recordo que, por exemplo, a ampla frente cívica pela legalização do aborto em Portugal em 2007 contou com muitas e muitos cristãos progressistas. Mas a empresa de Milhão tem outra visão, o cristianismo é apenas um álibi para bater no peito e passar à fanfarronice: “não nos importamos com o que é politicamente correto. Não tente mudar-nos, não terá sucesso”.

A ideologia patriarcal do empresário português tem no “politicamente correto” o inimigo declarado. É curioso como os ultraconservadores gostam de usar o poder do Estado para criminalizar decisões pessoais, como o aborto, por serem contrárias à sua visão do mundo. Mas quando se deparam com críticas às suas ideias autoritárias, aí já se sentem vítimas do "politicamente correto” e dizem que lhes estão a fazer imposições.

Esta atitude baseia-se num privilégio de classe apresentado, uma vez mais, com fanfarronice: “tenho recursos ilimitados. Sou incancelável”. Note-se que numa entrevista online, supostamente para explicar a sua posição, passou grande parte do tempo a gabar-se da sua vida luxuosa no estrangeiro e a dizer que a Prozis não precisa de Portugal. Sobre o aborto, diz que o assunto não é sobre as mulheres: “o que eu quis dizer é que, efetivamente, os bebés que ainda não nasceram estão a ganhar direitos. Não estou a falar das mulheres”.

A sua opinião “incancelável” é cheia de razões para imposições à vida dos outros, ou melhor, das outras: "se a minha filha ou a minha mulher fosse violada, tentava falar com ela e eu cuidava da criança”; “eu não consigo sacrificar um inocente pelos crimes de um criminoso”. E acrescentou “não sei como a minha mulher reagiria, já falámos sobre isso mas não me lembro do que ela disse". Realmente, não faltam homens a dizer coisas às mulheres, nomeadamente sobre as vidas delas, que nem prestam grande atenção ao que elas dizem de volta.

Os mesmos que usam a imagem do corpo feminino para vender os seus produtos, não respeitam a autodeterminação desses mesmos corpos e podem até não querer ouvir as suas opiniões. Mas terão de ouvir. Não demorou até que algumas embaixadoras da marca comunicassem publicamente o fim das parcerias, e fizeram bem: há quem queira fazer de nós apenas consumidoras, mas acima de tudo somos cidadãs.

É importante não ceder ao mito da “cultura do cancelamento”. Apesar da sua reação vocal, e ao contrário das mulheres norte-americanas, o empresário Milhão nada tem a recear além da derrota das suas ideias. A humanidade faz bem em combater ideias perigosas para a democracia e a igualdade, em condenar  e julgar discursos de ódio e em proibir discriminações. Faz bem quem luta contra os retrocessos civilizacionais.

Pouco importa se Miguel Milhão se sente “incancelável”, o que é preciso “cancelar” é a decisão do Supremo Tribunal sobre o direito ao aborto.

 

 

O “incancelável” empresário Milhão


A ideologia patriarcal do empresário português tem no “politicamente correto” o inimigo declarado. É curioso como os ultraconservadores gostam de usar o poder do Estado para criminalizar decisões pessoais, como o aborto, por serem contrárias à sua visão do mundo. 


“Parece que os bebés que ainda não nasceram têm os seus direitos de volta nos EUA. A natureza está a curar-se”. Estas afirmações do fundador da empresa Prozis não são polémicas, são reacionárias. O comentário de Miguel Milhão sobre o retrocesso de 50 anos no direito ao aborto nos EUA tem o ingrediente secreto do ultra-conservadorismo: o disfarce ético e naturalista. A ideologia patriarcal de submissão das mulheres a um dever reprodutivo disfarça-se de ordem natural das coisas.

Milhão diz que a sua razão não é religiosa, é ética. O site da Prozis reivindica valores enraizados “na ética cristã e ocidental”. Que ética será essa? Recordo que, por exemplo, a ampla frente cívica pela legalização do aborto em Portugal em 2007 contou com muitas e muitos cristãos progressistas. Mas a empresa de Milhão tem outra visão, o cristianismo é apenas um álibi para bater no peito e passar à fanfarronice: “não nos importamos com o que é politicamente correto. Não tente mudar-nos, não terá sucesso”.

A ideologia patriarcal do empresário português tem no “politicamente correto” o inimigo declarado. É curioso como os ultraconservadores gostam de usar o poder do Estado para criminalizar decisões pessoais, como o aborto, por serem contrárias à sua visão do mundo. Mas quando se deparam com críticas às suas ideias autoritárias, aí já se sentem vítimas do "politicamente correto” e dizem que lhes estão a fazer imposições.

Esta atitude baseia-se num privilégio de classe apresentado, uma vez mais, com fanfarronice: “tenho recursos ilimitados. Sou incancelável”. Note-se que numa entrevista online, supostamente para explicar a sua posição, passou grande parte do tempo a gabar-se da sua vida luxuosa no estrangeiro e a dizer que a Prozis não precisa de Portugal. Sobre o aborto, diz que o assunto não é sobre as mulheres: “o que eu quis dizer é que, efetivamente, os bebés que ainda não nasceram estão a ganhar direitos. Não estou a falar das mulheres”.

A sua opinião “incancelável” é cheia de razões para imposições à vida dos outros, ou melhor, das outras: "se a minha filha ou a minha mulher fosse violada, tentava falar com ela e eu cuidava da criança”; “eu não consigo sacrificar um inocente pelos crimes de um criminoso”. E acrescentou “não sei como a minha mulher reagiria, já falámos sobre isso mas não me lembro do que ela disse". Realmente, não faltam homens a dizer coisas às mulheres, nomeadamente sobre as vidas delas, que nem prestam grande atenção ao que elas dizem de volta.

Os mesmos que usam a imagem do corpo feminino para vender os seus produtos, não respeitam a autodeterminação desses mesmos corpos e podem até não querer ouvir as suas opiniões. Mas terão de ouvir. Não demorou até que algumas embaixadoras da marca comunicassem publicamente o fim das parcerias, e fizeram bem: há quem queira fazer de nós apenas consumidoras, mas acima de tudo somos cidadãs.

É importante não ceder ao mito da “cultura do cancelamento”. Apesar da sua reação vocal, e ao contrário das mulheres norte-americanas, o empresário Milhão nada tem a recear além da derrota das suas ideias. A humanidade faz bem em combater ideias perigosas para a democracia e a igualdade, em condenar  e julgar discursos de ódio e em proibir discriminações. Faz bem quem luta contra os retrocessos civilizacionais.

Pouco importa se Miguel Milhão se sente “incancelável”, o que é preciso “cancelar” é a decisão do Supremo Tribunal sobre o direito ao aborto.