Há muita coisa má demais


Nas últimas semanas, a única melhoria visível é a renovação do PSD.


Nota prévia: uma grande adversidade para a Ucrânia é a banalização da guerra e dos atos criminosos dos russos. O prolongamento do conflito é já um dado adquirido e a opinião pública ocidental vai mostrando uma saturação mediática e uma progressiva indisponibilidade para aguentar os sacrifícios resultantes da degradação económica. Já do lado russo a questão não se coloca assim, porque se trata de um povo submisso, habituado à penúria, que nunca viveu em liberdade e que só se pode informar através de meios clandestinos ou das Ondas Curtas de rádio. Para além da intensificação dos ataques do invasor a alvos militares e civis, há agora um novo dado que passa pela hipótese da Bielorrússia integrar a Rússia num processo de unificação, que nem no tempo da URSS era total. Seria um trunfo importante para a dupla Putin-Lukashenko que criaria uma nova realidade agressiva face à Nato. Em contrapartida, tornaria a situação potencialmente mais complicada para os dois ditadores, porque os bielorussos (literalmente russos brancos) não têm a passividade dos russos, como o demonstraram vários movimentos que só foram esmagados com o apoio militar de Putin. 

1. Há três semanas, o título desta crónica era “Governo precisa-se”. Os desenvolvimentos mais recentes, tanto ao nível político como económico e social, apenas vieram confirmar essa objetiva necessidade. Mais do que perder tempo a analisar os desempenhos e os erros de cada um dos ministros, interessa, acima de tudo, verificar a inconsistência da liderança global de António Costa. Toda a gente lhe reconhece uma habilidade política rara, bem como a total e absoluta capacidade em interpretar supostos dados e factos como mais lhe convém, manipulando e iludindo a opinião pública e parte da publicada. O problema é que a realidade acaba sempre por emergir da forma mais dolorosa para os cidadãos, qualquer que seja o setor, da saúde aos transportes, passando pela segurança social, a segurança interna, a defesa ou a agricultura. Mais do que falhas setoriais está em causa a liderança do Governo. Costa tem andado em tournées sucessivas e não tem ninguém à altura para o substituir, desde que apeou Siza Vieira. Mariana Vieira da Silva pode ser muito inteligente, mas não tem os requisitos mínimos de número dois. Aliás, o episódio do aeroporto envolve responsabilidade direta dela, uma vez que lhe compete analisar e validar todos os despachos urgentes, coisa que obviamente não fez. Colocar o assunto aeroporto ao nível do despacho de um secretário de Estado (tipo compra de clips e agrafos) é confrangedor.

Ora, um Governo com um número “um” intermitente e um número “dois” inexistente só pode ser um antro de confusão. Quanto ao aeroporto propriamente dito, estamos hoje no mesmo ponto. O que sabemos é que gastámos 71 milhões de euros em estudos. Nos últimos dias houve grandes explicações sobre a solução para aliviar o problema da Portela. Ganhou destaque a que Paulo Portas deu na TVI, defendendo o Montijo com unhas e dentes, enquanto rejeitava a hipótese de Alcochete por ser caro (7,5 mil milhões de euros). O raciocínio dá um jeitão à Vinci. Portas não disse quanto valeriam os terrenos da Portela, uma superfície enorme no meio de Lisboa. Caso se vendessem hoje os terrenos para uso futuro e se avançasse para Alcochete em força, era, porventura, uma operação financeira viável e não inédita. 

2. O PSD saído do Congresso é, incomensuravelmente, melhor do que era. Não há comparação em termos de capacidade política, de frontalidade, de potencial de execução e de equipa. Montenegro traz com ele um início de renovação que, mais do que o partido, a sociedade portuguesa necessita. Há gente talentosa e dinâmica que foi recuperada depois de ter sido destratada por Rio como, por exemplo, o secretário-geral Hugo Soares e a jovem Margarida Balseiro Lopes, agora vice-presidente. Compete a Montenegro ir em crescendo e alargar o campo político, federando a direita moderada para criar uma alternativa a um PS que se esgota diariamente. A tarefa é difícil, mas não impossível porque não é certo que não haja uma convulsão política que interrompa o consulado de Costa. Dir-se-ia até que essa é uma possibilidade plausível, em função daquilo que está à vista e que os portugueses sofrem diariamente.

No Congresso, Montenegro desembaraçou-se da questão da regionalização, pelo menos por um par de anos, ao rejeitar a ideia de um referendo. Era um ponto controverso que contornou com inteligência. Agora há que tratar imediatamente da moção de censura que o Chega colocou ao Governo com rara oportunidade. Votar a favor seria ir a reboque de Ventura, abster-se seria visto como um apoio ao PS, votar contra a moção seria tornar-se uma espécie de parceiro retroativo da ‘‘geringonça’’. Não há posição perfeita, pelo que o mais importante para o PSD serão as intervenções de quem o representar. Mesmo não sendo ainda líder da bancada, pode ser o batismo de fogo de Miranda Sarmento. E já se sabe que não há segundas oportunidades para causar uma primeira boa impressão…

3. Uma nota muito significativa do Congresso foi, a certa altura, a presença ao lado de Montenegro de Marques Mendes e Assunção Esteves. Mendes faz isso sempre que há nova liderança, mas confirmou ali a pole position para uma eventual candidatura do PSD a Belém, o que não espanta. Assunção Esteves seria uma boa alternativa feminina em caso de “inconseguimento” da primeira opção. Outra nota é para Rui Rio, que deixa duas grandes pegadas no PSD. Uma, política, por ter enfiado o partido numa poça até ao joelho e da qual não será fácil sair. Outra, verdadeiramente ambiental, uma vez que, já depois de ter perdido as legislativas, foi de avião fazer uma inútil campanha a Londres e viajou para Moçambique e a África do Sul na companhia de um deputado e duas estreitas colaboradoras. Não contente com isso, soube-se agora que, até ao fim da sessão legislativa, pediu um carro e motorista ao partido para vir do Porto ao parlamento. Como se o Alfa Pendular, com o desconto de 50% para maiores de 65 anos, não fosse solução para um suposto poupadinho que não hesitou em cortar vencimentos a pessoas que não eram aumentadas há anos, com base num estudo encomendado fora (à Deloitte) e que não foi de borla.

4. A ida (talvez não mereça o epíteto de visita) ao Brasil do Presidente Marcelo não foi um episódio edificante. Por vários motivos. 1) porque podia ir em mera deslocação de trabalho cumprir aquele programa sem se comprometer com Bolsonaro, um Presidente que, além de ser um palerma, detesta Portugal e os portugueses, como se demonstra pelo facto de nunca cá ter vindo em quatro anos e por outras grosserias cometidas em relação a nós. Aliás, o desprezo de Bolsonaro pelos portugueses é idêntico ao da incompetente Dilma, em boa hora despachada do poder. 2) porque o Presidente português e a nossa diplomacia (parece que temos um embaixador por lá que se preocupa sobretudo com o conforto de seu cachorro quando viaja na TAP – vidé Tal&Qual –) tinham a obrigação de saber que encontrar-se com o pré-candidato Lula da Silva ia dar mau resultado e indispor o capitão Bolsonaro. 3) porque a diplomacia existe para contornar esses problemas, arranjando, por exemplo, um encontro em que Lula aparecesse tipo visita surpresa de ovo Kinder no evento cultural de São Paulo. 4) porque o que Marcelo fez foi antecipar a provável vitória de Lula, um fã de Portugal e ainda mais do Solar dos Presuntos e um grande lavador a jato. 5. porque a coisa pode correr mal e Bolsonaro ser reeleito. 6) porque se fosse aos EUA seria improvável que Marcelo se encontrasse com Trump, putativo recandidato a Presidente. 

Escreve à quarta-feira

Há muita coisa má demais


Nas últimas semanas, a única melhoria visível é a renovação do PSD.


Nota prévia: uma grande adversidade para a Ucrânia é a banalização da guerra e dos atos criminosos dos russos. O prolongamento do conflito é já um dado adquirido e a opinião pública ocidental vai mostrando uma saturação mediática e uma progressiva indisponibilidade para aguentar os sacrifícios resultantes da degradação económica. Já do lado russo a questão não se coloca assim, porque se trata de um povo submisso, habituado à penúria, que nunca viveu em liberdade e que só se pode informar através de meios clandestinos ou das Ondas Curtas de rádio. Para além da intensificação dos ataques do invasor a alvos militares e civis, há agora um novo dado que passa pela hipótese da Bielorrússia integrar a Rússia num processo de unificação, que nem no tempo da URSS era total. Seria um trunfo importante para a dupla Putin-Lukashenko que criaria uma nova realidade agressiva face à Nato. Em contrapartida, tornaria a situação potencialmente mais complicada para os dois ditadores, porque os bielorussos (literalmente russos brancos) não têm a passividade dos russos, como o demonstraram vários movimentos que só foram esmagados com o apoio militar de Putin. 

1. Há três semanas, o título desta crónica era “Governo precisa-se”. Os desenvolvimentos mais recentes, tanto ao nível político como económico e social, apenas vieram confirmar essa objetiva necessidade. Mais do que perder tempo a analisar os desempenhos e os erros de cada um dos ministros, interessa, acima de tudo, verificar a inconsistência da liderança global de António Costa. Toda a gente lhe reconhece uma habilidade política rara, bem como a total e absoluta capacidade em interpretar supostos dados e factos como mais lhe convém, manipulando e iludindo a opinião pública e parte da publicada. O problema é que a realidade acaba sempre por emergir da forma mais dolorosa para os cidadãos, qualquer que seja o setor, da saúde aos transportes, passando pela segurança social, a segurança interna, a defesa ou a agricultura. Mais do que falhas setoriais está em causa a liderança do Governo. Costa tem andado em tournées sucessivas e não tem ninguém à altura para o substituir, desde que apeou Siza Vieira. Mariana Vieira da Silva pode ser muito inteligente, mas não tem os requisitos mínimos de número dois. Aliás, o episódio do aeroporto envolve responsabilidade direta dela, uma vez que lhe compete analisar e validar todos os despachos urgentes, coisa que obviamente não fez. Colocar o assunto aeroporto ao nível do despacho de um secretário de Estado (tipo compra de clips e agrafos) é confrangedor.

Ora, um Governo com um número “um” intermitente e um número “dois” inexistente só pode ser um antro de confusão. Quanto ao aeroporto propriamente dito, estamos hoje no mesmo ponto. O que sabemos é que gastámos 71 milhões de euros em estudos. Nos últimos dias houve grandes explicações sobre a solução para aliviar o problema da Portela. Ganhou destaque a que Paulo Portas deu na TVI, defendendo o Montijo com unhas e dentes, enquanto rejeitava a hipótese de Alcochete por ser caro (7,5 mil milhões de euros). O raciocínio dá um jeitão à Vinci. Portas não disse quanto valeriam os terrenos da Portela, uma superfície enorme no meio de Lisboa. Caso se vendessem hoje os terrenos para uso futuro e se avançasse para Alcochete em força, era, porventura, uma operação financeira viável e não inédita. 

2. O PSD saído do Congresso é, incomensuravelmente, melhor do que era. Não há comparação em termos de capacidade política, de frontalidade, de potencial de execução e de equipa. Montenegro traz com ele um início de renovação que, mais do que o partido, a sociedade portuguesa necessita. Há gente talentosa e dinâmica que foi recuperada depois de ter sido destratada por Rio como, por exemplo, o secretário-geral Hugo Soares e a jovem Margarida Balseiro Lopes, agora vice-presidente. Compete a Montenegro ir em crescendo e alargar o campo político, federando a direita moderada para criar uma alternativa a um PS que se esgota diariamente. A tarefa é difícil, mas não impossível porque não é certo que não haja uma convulsão política que interrompa o consulado de Costa. Dir-se-ia até que essa é uma possibilidade plausível, em função daquilo que está à vista e que os portugueses sofrem diariamente.

No Congresso, Montenegro desembaraçou-se da questão da regionalização, pelo menos por um par de anos, ao rejeitar a ideia de um referendo. Era um ponto controverso que contornou com inteligência. Agora há que tratar imediatamente da moção de censura que o Chega colocou ao Governo com rara oportunidade. Votar a favor seria ir a reboque de Ventura, abster-se seria visto como um apoio ao PS, votar contra a moção seria tornar-se uma espécie de parceiro retroativo da ‘‘geringonça’’. Não há posição perfeita, pelo que o mais importante para o PSD serão as intervenções de quem o representar. Mesmo não sendo ainda líder da bancada, pode ser o batismo de fogo de Miranda Sarmento. E já se sabe que não há segundas oportunidades para causar uma primeira boa impressão…

3. Uma nota muito significativa do Congresso foi, a certa altura, a presença ao lado de Montenegro de Marques Mendes e Assunção Esteves. Mendes faz isso sempre que há nova liderança, mas confirmou ali a pole position para uma eventual candidatura do PSD a Belém, o que não espanta. Assunção Esteves seria uma boa alternativa feminina em caso de “inconseguimento” da primeira opção. Outra nota é para Rui Rio, que deixa duas grandes pegadas no PSD. Uma, política, por ter enfiado o partido numa poça até ao joelho e da qual não será fácil sair. Outra, verdadeiramente ambiental, uma vez que, já depois de ter perdido as legislativas, foi de avião fazer uma inútil campanha a Londres e viajou para Moçambique e a África do Sul na companhia de um deputado e duas estreitas colaboradoras. Não contente com isso, soube-se agora que, até ao fim da sessão legislativa, pediu um carro e motorista ao partido para vir do Porto ao parlamento. Como se o Alfa Pendular, com o desconto de 50% para maiores de 65 anos, não fosse solução para um suposto poupadinho que não hesitou em cortar vencimentos a pessoas que não eram aumentadas há anos, com base num estudo encomendado fora (à Deloitte) e que não foi de borla.

4. A ida (talvez não mereça o epíteto de visita) ao Brasil do Presidente Marcelo não foi um episódio edificante. Por vários motivos. 1) porque podia ir em mera deslocação de trabalho cumprir aquele programa sem se comprometer com Bolsonaro, um Presidente que, além de ser um palerma, detesta Portugal e os portugueses, como se demonstra pelo facto de nunca cá ter vindo em quatro anos e por outras grosserias cometidas em relação a nós. Aliás, o desprezo de Bolsonaro pelos portugueses é idêntico ao da incompetente Dilma, em boa hora despachada do poder. 2) porque o Presidente português e a nossa diplomacia (parece que temos um embaixador por lá que se preocupa sobretudo com o conforto de seu cachorro quando viaja na TAP – vidé Tal&Qual –) tinham a obrigação de saber que encontrar-se com o pré-candidato Lula da Silva ia dar mau resultado e indispor o capitão Bolsonaro. 3) porque a diplomacia existe para contornar esses problemas, arranjando, por exemplo, um encontro em que Lula aparecesse tipo visita surpresa de ovo Kinder no evento cultural de São Paulo. 4) porque o que Marcelo fez foi antecipar a provável vitória de Lula, um fã de Portugal e ainda mais do Solar dos Presuntos e um grande lavador a jato. 5. porque a coisa pode correr mal e Bolsonaro ser reeleito. 6) porque se fosse aos EUA seria improvável que Marcelo se encontrasse com Trump, putativo recandidato a Presidente. 

Escreve à quarta-feira