Ucrânia. Russos avançam para fechar o cerco a Severodonetsk

Ucrânia. Russos avançam para fechar o cerco a Severodonetsk


O Kremlin precisa desesperadamente de vitórias. E a queda desta cidade, mais a sua gémea, Lysychansk, da outra margem do rio Donets, permite-lhe celebrar a tomada de Lugansk. As rotas de fuga de Severodonetsk, cujo cerco é comparado a Mariupol, estão em risco.


O poderio militar russo está a ser atirado contra Severodonetsk, a maior cidade sob controlo ucraniano em Lugansk, tentando isolar os seus defensores, numa manobra que traz à memória Mariupol. A ajuda humanitária e os reforços ainda vão passando, asseguraram as autoridades locais esta terça-feira. Mas talvez não por muito tempo, estando as forças do Kremlin a tentar tudo para tomar a estrada que vai dar a Bakhmut, única via que resta para chegar a Severodonetsk.
Estima-se que até 15 mil civis ainda estejam presos nesta cidade, que costumava ter mais de cem mil habitantes. Deram por si apanhados no meio do conflito, com os russos a bombardear indiscriminadamente Severodonetsk durante 24 horas por dia, denunciou o governador de Lugansk, Serhiy Haidai, à BBC.

“Eles não conseguem tomar a cidade, portanto decidiram tentar destruí-la e fazer as nosssas tropas sair da cidade”, explicou o governador. A sua região ficará totalmente sob controlo dos russos caso conquistem Severodonetsk e a sua cidade-gémea, Lysychansk, da outra margem do rio Donets, que também está sob bombardeamento. 

A concentração do Kremlin em Lugansk – tendo sido até avistados no campo de batalha, próximo de Severodonetsk, os seus mais recentes veículos blindados, os BMP-T Terminators, feitos para proteger tanques, e de que os russos tanto gostam de se gabar, apesar de se estimarem terem sido produzidos uns meros dez – também deixa bem claro as suas intenções, apontam alguns analistas. O objetivo do Kremlin, mais que assumir dominância na Ucrânia, parece ter passado a ser poder proclamar ao público russo alguma vitória, como a conquista de Lugansk, após a surpreendente resistência em Mariupol, ao longo de três meses, ter estragado a festa. 

Como tal, há uma certa euforia no Ocidente, com líderes da NATO a sonhar ver os ucranianos empurrar as forças russas para fora do território que conquistaram, talvez até recuperar Donbass, sugere Kiev, que fala sempre de “territórios temporariamente ocupados”, quem sabe até reconquistar a Crimeia. Mas “o exército russo ainda não é uma força esgotada”, avisou Samuel Cranny-Evans, analista militar do Royal United Services Institute (RUSI), ao Financial Times. “Ainda está a lutar, ainda faz avanços e ainda causa baixas aos ucranianos”. 

Bem consciente do inferno que enfrentam os defensores de Severodonetsk, Kiev continua a enviar reforços, através de Bakhmut. As forças russas têm noção disso, daí que estejam a lançar sucessivos bombardeamentos sobre a cidade, a que ainda não conseguiram chegar devido à resistência a leste, Popasna, que tem sido duramente disputada.
“Isto ainda é o princípio, ainda está tudo para vir”, prenunciou Mitri, um ucraniano de 40 anos. Falou com um repórter da BBC à porta da sua casa destruída, em Bakhmut, enquanto viam passar umas duas dezenas de veículos de transporte de infantaria blindados, mais tanques levados em transportadoras, rumo à linha da frente.

“Ao menos havia paz dantes, eles estavam a negociar”, lamentou Mitri. “É pena as pessoas que morreram, os soldados. É uma verdadeira vergonha”. No entanto, não há grandes expectativas que tão cedo a diplomacia tenha um papel relevante no conflito, exceto a ocasional troca de prisioneiros.

O Kremlin, após o desastre das ofensivas a norte de Kiev e contra Kharkiv, precisa de algo para mostrar e parece improvável que ceda os territórios conquistados no sul e no leste da Ucrânia, onde conseguiu um dos seus grandes objetivos, um corredor entre Donbass e a Crimeia, graças à queda de Mariupol. Já Kiev prometeu que não aceitará ceder terra à Rússia a troco da paz. Nem Volodymyr Zelensky terá margem política para isso, com 82% dos ucranianos a recusarem ceder território aos russos, mostra uma sondagem do Kyiv International Institute of Sociology, citada pela Reuters.