Nota prévia: diariamente, o abraço do urso russo vai sufocando a Ucrânia, por mais que o seu povo resista e combata. Desde o início que a supremacia de Moscovo é óbvia. Não eram necessários os generais, praticamente soviéticos, que nos aparecem sobretudo na CNN-cá-do-sítio para o proclamar. Numa luta é normalmente improvável uma vitória do um sujeito de 50 quilos contra um de 100, que se mexa bem. É o caso desta guerra. À medida que ela se estende, verifica-se que Moscovo parece estar perto de atingir os seus objetivos mínimos e, por isso, dá sinais de poder negociar, mas mantém uma poderosa ofensiva de artilharia e de avanço cauteloso no terreno. Já Zelensky não dá sinais de ceder em nada, em termos territoriais, o que é um absurdo face à situação. O líder ucraniano sobe até o tom, mas está mais fragilizado. São óbvios os sinais de cansaço dos governos, dos média e das populações de certos países da união europeia, indisponíveis para sacrifícios no seu bem-estar. Outros, como a Hungria, Eslováquia e República Checa, têm ainda um excesso de dependência do petróleo russo, pelo que o sexto reforço de sanções teve exceções para eles. No caso dos húngaros dá-se ainda a circunstância de terem simpatia pela miscelânea “extrema-direita-marxista” do Kremlin. Pelo contrário, estados como a Polónia e os do Báltico pensam ser preciso resistir ao avanço russo para evitar eventuais dolorosos regressos ao passado. Em síntese, muitas coisas estão a mudar na guerra. Na melhor das hipóteses, pode-se chegar a uma paragem das hostilidades e à consolidação russa no terreno, deixando uma nesga de passagem à Ucrânia para o Mar Negro, em troca da sua transformação em zona tampão e neutral. Seria uma solução à chinesa sem ninguém perder a face. Parecida com o que existia até Putin invadir a Crimeia.
1. Quando se fala da saúde em Portugal, atiram-se para a mesa uma série de argumentos sobre médicos de família. Quem é contra o Governo lembra que António Costa prometeu há seis anos que cada português teria, ao fim de quatro, o seu médico de família. Claro que não aconteceu e há um milhão que não o têm. Face à evidência, o discurso passou a ser diferente, afirmando os defensores da situação que, se faltam médicos para um milhão, isso significa que há praticamente nove milhões que o têm. É o ovo de Colombo versão saúde! Se não fosse dramática, esta tirada de propaganda era genial. Na verdade, há percentualmente um número de médicos de família razoável, mas muito enganador. O problema não é só ter ou não ter. Está em conseguir uma consulta. Além de muito sobrecarregados, mal pagos, cheios de tarefas burocráticas e de terem de lidar com situações altamente complexas de uma população envelhecida e pouco esclarecida, há também profissionais que são turbo-médicos, estando em vários sítios em sobreposição e não respeitando os horários das consultas. Os nove milhões de portugueses que supostamente têm médico sabem bem que entre ter e não ter a diferença é pouca.
3. Como se não bastasse a maioria absoluta, o controlo e a falta de grandes debates parlamentares (agora com um Santos Silva diferente no estilo, mas tão sectário como Ferro), o Governo, o seu núcleo duro e os seus ministros cheios de assessores de imagem, os institutos e empresas do Estado com as suas agências de comunicação, os seus porta-vozes e adjuntos para falar a jornalistas, uma imprensa empobrecida e muito condicionada economicamente (excluem-se mesmo jornais menos flexíveis de certas campanhas do Estado), uma poderosa e controlada máquina estatal e privada audiovisual infestada de comentadores mainstream ou afetos ao Governo, António Costa vai nos aumentar a dose de propaganda!!! A boa nova foi plantada judiciosamente na última página do Expresso e ninguém se indignou. Nela se anunciava a triunfal contratação do ex-jornalista (aliás muito competente) João Cepeda, para dirigir e coordenar as iniciativas e a comunicação do Governo. Cepeda, que veio do universo Time Out, será o mestre pensador da propaganda (não confundir isso com obra feita). Estará para o team governativo de António Costa como Mbappé para o PSG, com poderes no balneário, no campo e nos diversos segmentos comunicacionais. Quando se trata de comunicar, nada é demais para os governos socialistas de Portugal, como se viu com Sócrates, que secava tudo à sua volta e sobretudo secou-nos a carteira a todos. Politicamente, vamos viver uma asfixia socialista a que se juntam os adornos Rui Tavares e Inês Sousa Real. Dão um jeitão como escolta submarina da armada governamental para mandar oportunos e certeiros torpedos contra as moçoilas do Bloco, enquanto o PCP se afunda sozinho, cantando um misto da Internacional e do Cara al Sol. Preparemo-nos, pois, para um verdadeiro blitz noticioso que não pode ser evitado por sirenes. Só por defesa intelectual pessoal.
4. O reforço do aparelho propagandístico e muito pessoalizado de António Costa coincide com a chegada de novo líder ao PSD, o que pode ser bom para Luís Montenegro. A primeira estratégia de uma oposição é desmontar as campanhas falaciosas dos governos, coisa que Rio foi incapaz de fazer. Montenegro tem agora espaço, tempo e muita matéria para isso e para se afirmar com propostas abrangentes que, sem demagogia e sem exclusões ideológicas, possam congregar descontentes, desfavorecidos, trabalhadores e empreendedores. Um Governo que dura há seis anos, que tanto proclamou e tão pouco concretizou, é um alvo frágil, se for combatido racionalmente. Os mais antigos hão de se recordar que foi com uma técnica de desgaste diário que Guterres minou um cavaquismo em fim de ciclo, mas com graus de obra feita largamente superiores ao costismo. Guterres aparecia diariamente com casos sucessivos, o que lhe valeu da parte Vasco Pulido Valente o genial epíteto de “Picareta Falante”. Como na política está quase tudo inventado, o primeiro passo de Montenegro é pôr o PSD em marcha, o que não é de todo impossível. A dignidade com que Moreira da Silva aceitou a derrota permite, entretanto, ao novo líder ter campo aberto para avançar e ao seu ex-adversário manter em aberto uma hipótese de voltar à liça.
5. Outro passo de Montenegro terá de ser a reestruturação interna do PSD, tornando-o mais eficaz no terreno e menos opaco. Não se podem repetir casos como a existência de um chefe de gabinete clandestino que esteve em funções anos a fio no grupo parlamentar do partido. Dada a notícia no Nascer do Sol, a influente criatura demitiu-se logo. O caso é estranho e envolve responsabilidades óbvias da área administrativa oficial do parlamento (os serviços, portanto) e tem necessariamente de ser justificado por quem tem no PSD a responsabilidade das movimentações de pessoal, ou seja, o deputado Hugo Carneiro, muito próximo de Rui Rio e de quem é secretário-geral-adjunto. No seu consulado, o ministério público abriu um inquérito, que ainda decorre, à existência de assessores fantasmas no grupo parlamentar. Trata-se de funcionários do partido que eram pagos pelo parlamento onde nunca eram vistos. Há ainda o caso em recurso de José Silvano, absolvido em tribunal de ter usado um esquema com uma colega de bancada para assinalar uma falsa presença. O ministério público recorreu. Silvano é secretário-geral do PSD, deputado e membro do conselho de administração do parlamento, mas não se demitiu, nem tenciona fazê-lo. Episódios tristes do que foi anunciado como “um banho de ética”. E, a propósito, diga-se que surgiram três versões sobre o futuro de Rui Rio desde domingo. À RTP2 deixou uma hipótese vaga de ainda voltar à política. Depois de ir votar disse que era o fim da linha. Horas antes, o Público assegurava que iria ficar no parlamento até à discussão do Orçamento de 2023. É Rio no seu melhor…