Pela primeira vez na nossa história, a democracia tem mais anos de vida do que a ditadura.
Abril derrubou o muro do autoritarismo.
Nesse dia 25, para usar as magníficas palavras de Sophia Mello Breyner, “emergimos da noite e do silêncio”.
Todavia, seria noutro dia 25, o de Novembro, que a promessa de um “dia inicial inteiro e limpo” se concretizaria em todo o seu esplendor.
Abril e Novembro são revoluções gémeas. São duas faces da moeda da liberdade.
Honrar Abril é lembrar e admirar aqueles homens e mulheres que nos livraram da servidão para nos dar a liberdade por inteiro.
Mas honrar Abril é, também, censurar os que procuraram instintivamente substituir um amo por outro – só que de sinal político contrário. Honrar Abril é lembrar o fanatismo do 11 de Março de 1975. É recordar o radicalismo do PREC. É sublinhar o perigoso desvio totalitário por onde nos queriam levar.
Não dizer isto com todas as palavras é trair o próprio espírito da liberdade.
Aos 48 anos, há muitas razões pelas quais nós, portugueses, devemos comemorar Abril.
Portugal é hoje um país mais próspero, mais civilizado e mais Europeu.
Os portugueses têm mais educação, melhor saúde, mais estado social, mais oportunidades de olharem os melhores olhos nos olhos, sem complexos. E têm, sobretudo, a prerrogativa de serem livres.
Porém, nunca foram tantas nem tão grandes as ameaças à nossa liberdade individual em todos os planos em que nos realizamos como cidadãos.
Nas nossas casas, as redes sociais entraram na nossa vida com a ilusão de empoderamento individual. Mas, na verdade, gerem a informação com que nos bombardeiam através de algoritmos que ninguém escrutina ou controla. Reforçam as nossas crenças em vez de as exporem ao contraditório e à diversidade de opinião. Cimentam o espírito nativista em vez de nos tornar mais universalistas.
A ascensão das redes sociais, sem surpresa, tem provocado uma erosão acelerada dos poderes mediadores, com os media à cabeça. Cada vez mais se estão a perder as referências de curadoria.
Vivemos numa era paradoxal onde nunca tivemos tanto conhecimento ao nosso dispor e, simultaneamente, sucumbimos de forma tão deliberada à ignorância sobre os factos, à mentira sobre a verdade.
No nosso país, há um perigoso adormecimento cívico e uma maioria absoluta que não pode, não deve, nunca, constituir-se como poder absoluto.
As forças extremistas e populistas ganham terreno aos moderados. E noto, com mágoa, uma notória falta de apego à liberdade no exercício da nossa cidadania coletiva. Para quase tudo é o Estado a resposta. Mesmo os fanáticos da mão invisível acabam, quase sempre mais cedo do que tarde, por apelar à intervenção do estatal nas empresas, na sociedade e na economia.
E na nossa Europa das Luzes, do Estado Social, a mais bela união política criada pelos homens, somos lembrados de como a liberdade e a paz precisam de ser cuidadas e estimadas por cada um de nós, todos os dias da nossa vida.
Vivemos o maior conflito no continente desde a II Guerra Mundial. Uma guerra de agressão. Que despreza o direito internacional. Que espezinha a segurança e a integridade territorial de povos antigos e soberanos.
Uma guerra de conquista, de poder, de chantagem.
A expressão do pior que pode haver nos homens e uma lembrança dura de que o mal é uma constante de todos os tempos.
Neste 25 de Abril, em Cascais celebrámos a liberdade em sintonia com aqueles que hoje lutam pelos valores de abril: o povo da Ucrânia.
De forma simbólica, comecei o dia a reunir com o presidente de Câmara de Bucha, uma cidade mártir que foi dada a conhecer ao mundo pela brutalidade e desumanidade do invasor.
Mais tarde, assisti à partida do primeiro de quatro camiões que vão levar 100 toneladas de ajuda humanitária para Bucha – mantimentos doados por cidadãos e empresas de todos os cantos do nosso país, numa extraordinária manifestação de bondade do povo português.
A terminar o dia, dei as boas-vindas a mais 150 refugiados que têm como destino Cascais e o nosso país. Pessoas em fuga da barbárie e que entre nós podem aspirar começar de novo, apoiadas pela generosidade da Fundação Laps, fundada por Lapo Elkan e presidida em Portugal por Joana Lemos.
Cada um destes momentos foi, à sua maneira, uma afirmação dos nossos valores democráticos, da nossa identidade, da nossa humanidade, quando uma nova cortina de ferro que desce sobre a Europa.
Em Cascais estamos na ponta mais ocidental do velho continente. Mas tal como na ponta Leste, na Ucrânia, estamos juntos no combate pela Liberdade e pela Dignidade contra a tirania e a agressão.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira