A incógnita francesa


Macron é favorito, mas Marine Le Pen pode surpreender, desde logo porque está menos radical e mais abrangente do que há cinco anos.


1. Quem se lembrar de surpresas eleitorais – como a vitória de Trump, o Brexit ou, por cá, a maioria absoluta de António Costa -, sabe que não há certezas quanto à segunda volta das presidenciais francesas. A teoria e as sondagens apontam o favoritismo de Macron (com 55% vs 45%), mas a amálgama ideológica do eleitorado permite duvidar. Macron tem-se mostrado um Presidente elitista, pouco amado e a mulher não colhe muitas simpatias. No seu mandato falhou as promessas quase todas, embora – lá como cá – não faltem justificações plausíveis (como a pandemia e agora a invasão da Ucrânia). Marine Le Pen é mais dura na linguagem do que Macron, mas moderou-se um pouco desde as últimas presidenciais. Tem com ela nacionalistas, extremistas de direita, ex-comunistas, atuais putinistas e provavelmente até apoiantes de Mélanchon, uma espécie de bloquista lá do sítio. Dos dois lados há xenófobos, gente farta de emigrantes, nomeadamente muçulmanos, e franceses simples que gostariam de ter de volta o seu país e as suas tradições. Sendo ainda uma referência mundial, a França é, hoje, uma realidade bem diferente da que se formou no gaullismo e que mesmo Mitterrand preservou. O país já não consegue assimilar a diáspora e as comunidades vivem separadamente e de costas voltadas, não escondendo ódios. Um dos mistérios desta eleição tem a ver com o nível de participação. Quanto maior for a abstenção mais o resultado é incerto. Numa situação tão complexa, é natural que haja muitas decisões que serão tomadas emocionalmente à boca da urna. O frente a frente de hoje será importante para os candidatos, mas pode não ser decisivo. Nas presidenciais de há cinco anos, Macron esmagou Le Pen, mas ela evoluiu muito desde então, já não sendo tão anti-União Europeia e anti-moeda única. Rejeita a saída e opta agora pelo combate de modificação da União Europeia a partir do seu interior, um pouco ao jeito dos húngaros. Marine pode, portanto, surpreender porque está menos radical e mais abrangente. Depois do Brexit, uma vitória de Le Pen seria outro abanão fortíssimo na UE que ela não está disponível para financiar como a França o tem feito até agora, embora não haja dúvida de que, no saldo global, a economia gaulesa tem beneficiado bastante do projeto europeu, do qual foi impulsionadora com outros cinco estados e que hoje conta com 27. 

2. O PSD vai para diretas. Comparecem corajosamente à partida Luís Montenegro e Jorge Moreira da Silva. Outros resguardam-se taticamente. Persiste a hipótese de a corrida ser anulada por uma falha técnica grave: Rui Rio nunca se demitiu formalmente. Se o assunto subir até ao Tribunal Constitucional, há argumentos que podem obrigar a repetir todo o processo. Seria absurdo, mas legal. Não é óbvio que existam demissões implícitas, como alegou Paulo Mota Pinto. Só há explícitas. O resto são sofismas bizantinos para deixar qualquer coisa em aberto. A consagração das diretas no PSD foi uma das muitas decisões passadas que concorreram para tirar ao partido a pluralidade e diversidade ativa, aqui referidas quando se escreveu que “tem faltado PPD ao PSD”. Ao optar por diretas, o PPD/PSD mimetizou o PS ao debater pessoas e não projetos, o que não deixa de ser uma aproximação ao populismo. Nos congressos eletivos havia disputa aberta, havia plateia ativa, havia propostas objetivas que representavam opções e setores concretos da sociedade, ao passo que agora “les jeux sont faits” a partir das diretas e da escolha do líder. Sobram questões de mercearia e lugares, tornando irrelevantes as decisões estratégicas tomadas nos congressos. E não se diga que não é assim. Basta recordar que na última reunião magna foi aprovada uma moção temática que obrigava o partido a defender o referendo sobre a eutanásia. A direção de Rio pura simplesmente não acatou e deu logo liberdade de voto, deixando passar a lei na Assembleia. Foi mais uma das muitas decisões de congresso que passam a letra morta. Há centenas delas.

3. Para não variar do que vem sendo hábito, interessa pouco o que está inscrito no Orçamento de Estado e o que, porventura, venha a ser acrescentado por sugestão de terceiros. Com Centeno, com Leão e agora com Medina é provável que o método seja igual. Vai-se manter um défice interessante para a UE ver. Muitas medidas inscritas provavelmente não chegarão aos destinatários ou não serão executadas e, muito importante, não vai deixar de haver o instrumento letal chamado cativações. Em suma, o OE de pouco serve desde logo porque é para meio ano, parte do qual a executar em férias de verão e natal, com pouco escrutínio democrático. O OE apresentado é assistencialista mais do que desenvolvimentista. Não será uma alavanca de crescimento, mas antes um fornecedor de mezinhas para aliviar pontualmente as dores. Claro que não vão faltar loas ao nosso suposto crescimento, com o argumento de que ficaremos acima da média europeia. O argumento é ridículo porque 3% no crescimento alemão é brutal em milhares de milhões, enquanto nós concorremos com economias médias que sobem 6/7%. Não faltarão na discussão orçamental negações do PS à evidência da austeridade que nos é imposta. Para compensar, lá estará o ministro Costa Silva a ambicionar não uma, nem duas (coisa que já fez) mas talvez até uma terceira Autoeuropa, em Sines, para onde não temos sequer uma linha de comboio de jeito.

4. Uma curiosidade orçamental deste ano é a questão do novo aeroporto que fica adiada. Andaram num virote, o projeto foi vetado por autarquias, o Governo queria ultrapassar o bloqueio à força e mexeu-se. Porém, perdeu fulgor e o caso está para análise mais cuidada. Lá irão mais uns milhões para estudos. O Montijo seria sempre um mau negócio para o país e um bom arranjo para a ANA, mas com custos ambientais e uma limitação temporal. O Governo diz que quer apostar no turismo, mas sem mais oferta aeronáutica é complicado. Um dia chegarão à conclusão que na Margem Sul “jamais” e que a Ota, pensada no tempo da outra senhora, talvez fosse uma opção sensata, dispensando a construção de certas infraestruturas de acesso. É curioso notar (ou talvez não) que todo o setor tutelado por Pedro Nuno Santos está permanentemente num caos. Ele é o novo aeroporto, ele é a SATA (indiretamente), ele é a TAP e ele é a eterna CP. O ultimo episódio deu-se segunda-feira quando se soube que a litigância entre empresas concorrentes deve levar a um atraso enorme na aquisição de 117 comboios. São casos a mais e soluções a menos.

A incógnita francesa


Macron é favorito, mas Marine Le Pen pode surpreender, desde logo porque está menos radical e mais abrangente do que há cinco anos.


1. Quem se lembrar de surpresas eleitorais – como a vitória de Trump, o Brexit ou, por cá, a maioria absoluta de António Costa -, sabe que não há certezas quanto à segunda volta das presidenciais francesas. A teoria e as sondagens apontam o favoritismo de Macron (com 55% vs 45%), mas a amálgama ideológica do eleitorado permite duvidar. Macron tem-se mostrado um Presidente elitista, pouco amado e a mulher não colhe muitas simpatias. No seu mandato falhou as promessas quase todas, embora – lá como cá – não faltem justificações plausíveis (como a pandemia e agora a invasão da Ucrânia). Marine Le Pen é mais dura na linguagem do que Macron, mas moderou-se um pouco desde as últimas presidenciais. Tem com ela nacionalistas, extremistas de direita, ex-comunistas, atuais putinistas e provavelmente até apoiantes de Mélanchon, uma espécie de bloquista lá do sítio. Dos dois lados há xenófobos, gente farta de emigrantes, nomeadamente muçulmanos, e franceses simples que gostariam de ter de volta o seu país e as suas tradições. Sendo ainda uma referência mundial, a França é, hoje, uma realidade bem diferente da que se formou no gaullismo e que mesmo Mitterrand preservou. O país já não consegue assimilar a diáspora e as comunidades vivem separadamente e de costas voltadas, não escondendo ódios. Um dos mistérios desta eleição tem a ver com o nível de participação. Quanto maior for a abstenção mais o resultado é incerto. Numa situação tão complexa, é natural que haja muitas decisões que serão tomadas emocionalmente à boca da urna. O frente a frente de hoje será importante para os candidatos, mas pode não ser decisivo. Nas presidenciais de há cinco anos, Macron esmagou Le Pen, mas ela evoluiu muito desde então, já não sendo tão anti-União Europeia e anti-moeda única. Rejeita a saída e opta agora pelo combate de modificação da União Europeia a partir do seu interior, um pouco ao jeito dos húngaros. Marine pode, portanto, surpreender porque está menos radical e mais abrangente. Depois do Brexit, uma vitória de Le Pen seria outro abanão fortíssimo na UE que ela não está disponível para financiar como a França o tem feito até agora, embora não haja dúvida de que, no saldo global, a economia gaulesa tem beneficiado bastante do projeto europeu, do qual foi impulsionadora com outros cinco estados e que hoje conta com 27. 

2. O PSD vai para diretas. Comparecem corajosamente à partida Luís Montenegro e Jorge Moreira da Silva. Outros resguardam-se taticamente. Persiste a hipótese de a corrida ser anulada por uma falha técnica grave: Rui Rio nunca se demitiu formalmente. Se o assunto subir até ao Tribunal Constitucional, há argumentos que podem obrigar a repetir todo o processo. Seria absurdo, mas legal. Não é óbvio que existam demissões implícitas, como alegou Paulo Mota Pinto. Só há explícitas. O resto são sofismas bizantinos para deixar qualquer coisa em aberto. A consagração das diretas no PSD foi uma das muitas decisões passadas que concorreram para tirar ao partido a pluralidade e diversidade ativa, aqui referidas quando se escreveu que “tem faltado PPD ao PSD”. Ao optar por diretas, o PPD/PSD mimetizou o PS ao debater pessoas e não projetos, o que não deixa de ser uma aproximação ao populismo. Nos congressos eletivos havia disputa aberta, havia plateia ativa, havia propostas objetivas que representavam opções e setores concretos da sociedade, ao passo que agora “les jeux sont faits” a partir das diretas e da escolha do líder. Sobram questões de mercearia e lugares, tornando irrelevantes as decisões estratégicas tomadas nos congressos. E não se diga que não é assim. Basta recordar que na última reunião magna foi aprovada uma moção temática que obrigava o partido a defender o referendo sobre a eutanásia. A direção de Rio pura simplesmente não acatou e deu logo liberdade de voto, deixando passar a lei na Assembleia. Foi mais uma das muitas decisões de congresso que passam a letra morta. Há centenas delas.

3. Para não variar do que vem sendo hábito, interessa pouco o que está inscrito no Orçamento de Estado e o que, porventura, venha a ser acrescentado por sugestão de terceiros. Com Centeno, com Leão e agora com Medina é provável que o método seja igual. Vai-se manter um défice interessante para a UE ver. Muitas medidas inscritas provavelmente não chegarão aos destinatários ou não serão executadas e, muito importante, não vai deixar de haver o instrumento letal chamado cativações. Em suma, o OE de pouco serve desde logo porque é para meio ano, parte do qual a executar em férias de verão e natal, com pouco escrutínio democrático. O OE apresentado é assistencialista mais do que desenvolvimentista. Não será uma alavanca de crescimento, mas antes um fornecedor de mezinhas para aliviar pontualmente as dores. Claro que não vão faltar loas ao nosso suposto crescimento, com o argumento de que ficaremos acima da média europeia. O argumento é ridículo porque 3% no crescimento alemão é brutal em milhares de milhões, enquanto nós concorremos com economias médias que sobem 6/7%. Não faltarão na discussão orçamental negações do PS à evidência da austeridade que nos é imposta. Para compensar, lá estará o ministro Costa Silva a ambicionar não uma, nem duas (coisa que já fez) mas talvez até uma terceira Autoeuropa, em Sines, para onde não temos sequer uma linha de comboio de jeito.

4. Uma curiosidade orçamental deste ano é a questão do novo aeroporto que fica adiada. Andaram num virote, o projeto foi vetado por autarquias, o Governo queria ultrapassar o bloqueio à força e mexeu-se. Porém, perdeu fulgor e o caso está para análise mais cuidada. Lá irão mais uns milhões para estudos. O Montijo seria sempre um mau negócio para o país e um bom arranjo para a ANA, mas com custos ambientais e uma limitação temporal. O Governo diz que quer apostar no turismo, mas sem mais oferta aeronáutica é complicado. Um dia chegarão à conclusão que na Margem Sul “jamais” e que a Ota, pensada no tempo da outra senhora, talvez fosse uma opção sensata, dispensando a construção de certas infraestruturas de acesso. É curioso notar (ou talvez não) que todo o setor tutelado por Pedro Nuno Santos está permanentemente num caos. Ele é o novo aeroporto, ele é a SATA (indiretamente), ele é a TAP e ele é a eterna CP. O ultimo episódio deu-se segunda-feira quando se soube que a litigância entre empresas concorrentes deve levar a um atraso enorme na aquisição de 117 comboios. São casos a mais e soluções a menos.