Justiça. Históricos do MP vão-se embora

Justiça. Históricos do MP vão-se embora


Orlando Romano já saiu e segue-se o diretor do DCIAP, Albano Morais Pinto.


O Ministério Público está a braços com uma grave falta de magistrados em todo o país e, como se não bastasse, também alguns dos seus quadros com maior experiência e que ocupam cargos de direção estão a optar pela jubilação (aposentação) assim que reúnem condições para tal. “Estão exaustos e a insatisfação é muito grande. O atual quadro legislativo em que temos de trabalhar é cada vez mais complexo e com alterações que só complicam o andamento dos processos, já para não falar da crónica falta de meios”, afirma uma fonte do MP ao Inevitável.

Um dos históricos que já saíram é Orlando Romano (66 anos), ao fim de 45 anos de serviço. Segundo o Nascer do Sol apurou, no início do verão será a vez de Albano Morais Pinto, diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), o órgão do MP que coordena os inquéritos mais complexos e graves, e um dos mais experientes quadros desta

Orlando Romano dirigiu a Procuradoria Regional de Lisboa nos últimos dois anos e saiu em 28 de fevereiro, tendo sido substituído por Helena Gonçalves. Tornou-se conhecido pelo seu trabalho à frente da Direção Central de Combate ao Banditismo (DCCB) da Polícia Judiciária, tendo sido também diretor da PSP (2005 a 2008). Nos 15 anos em que esteve na DCCB, conduziu investigações como as operações que desmantelaram as FP-25 e o ‘grupo dos Cavacos’, nos anos 80, e o gangue do Multibanco, na década de 90. Mas também casos como o rapto e sequestro do filho do empresário Sousa Cintra e o das máfias do Leste, na mesma altura.

Da sua geração de magistrados, a maioria já saiu. As aposentações/jubilações estão a atingir sobretudo os quadros dos tribunais superiores (Relação e Supremo Tribunal de Justiça). “Estamos na penúria, em termos de recursos humanos. O que há a fazer é meter mais gente ou simplificar as coisas. Mas o que está a acontecer é precisamente o oposto”, salienta a mesma fonte ao Inevitável, numa referência ao recente pacote legislativo na área da corrupção, que alargou os impedimentos dos juízes nas fases de inquérito e de instrução, além de ter introduzido alterações no funcionamento dos coletivos nos tribunais da Relação, através de normas que não são claras e que estão a suscitar decisões de sentido contrário.

 Além disso, “os recursos são infindáveis”, acrescenta a mesma fonte: “Há processos que se tornam impossíveis de investigar por causa dos recursos, cujas possibilidades ainda foram mais alargadas. As partes podem ir até ao Supremo e ao tribunal Constitucional com questões que, em bom rigor, não deviam poder ir. Assim, quem tem dinheiro para pagar as custas judiciais leva as coisas até à exaustão. Tem de haver um equilíbrio entre os interesses do Estado e das Justiça e os direitos dos cidadãos”.

“Estamos numa fase de excessos. Depois não há gente. O poder político acha que as pessoas podem sair e quem fica consegue aguentar com a carga de trabalho, mas não consegue. Há centenas de pessoas a acumular trabalho no MP e a trabalharem em condições desumanas”, conclui.

 

Pressa legislativa ou outras intenções?

Os magistrados têm um regime especial – a jubilação – que lhes permite pedir a aposentação mais cedo do que a idade legal de reforma fixada para os outros trabalhadores em geral. Auferem o mesmo salário e subsídios, ficam à disposição dos conselhos superiores para projetos especiais, se necessário, e continuam sujeitos ao estatuto disciplinar. Mas também podem ficar em funções até à idade-limite de 70 anos, algo que era comum acontecer até há relativamente pouco tempo no caso de magistrados em cargos de direção ou nos tribunais superiores. 

O presidente do SMMP concorda que as alterações legislativas que se têm verificado e a crónica falta de meios estão a contribuir para a decisão de muitos se irem embora assim que podem: “Os magistrados mais antigos estão desanimados com esta situação. Portanto, tendo as condições para se jubilarem, vão-se embora”.

Globalmente, segundo divulgou recentemente a Procuradoria-Geral da República, faltam 195 magistrados no quadro do MP.

“O problema atual tem que ver, por um lado, com o facto de haver um grande número de magistrados em idade de aposentação/jubilação, consequência de muitos anos de falta de investimento na formação de novos procuradores”, explica Adão Silva, presidente do Sindicato dos Magistrados do MP (SMMP). Como tal, “os magistrados chegam ao topo da carreira ou à categoria superior (procurador-geral adjunto) já em idade de aposentação/jubilação, ou a um ou dois anos de a atingirem. Por isso, as entradas não cobrem o número das saídas”.

Por outro lado, aponta o líder sindical, a especialização que é atualmente necessária para responder a fenómenos criminais complexos ou que exigem um tratamento especializado – como é o caso dos crimes de violência doméstica – implicam maiores recursos humanos, “o que fez agravar mais a situação já de si dramática”.

Ainda segundo Adão carvalho, no último Governo, houve um aumento de vagas para o MP, mas não o suficiente para equilibrar o quadro: “Tal só será possível com a admissão, no prazo máximo de dois anos, de pelo menos 250 magistrados”. Por isso, o SMMP vem reivindicando junto do Ministério da Justiça a abertura extraordinária de vagas, designadamente criando, mesmo a título excecional, dois polos do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), um no Porto e outro em Lisboa, para tornar isso possível –, mas a resposta tem sido sempre a de que esta instituição, responsável pela formação de magistrados, não tem estrutura que o permita.

Entre as recentes normas que estão a lançar o caos na investigação criminal e nos tribunais está “o pacote legislativo que, a coberto de uma legislação anticorrupção, permitiu que se introduzissem alterações que apenas vêm entorpecer o funcionamento da Justiça” – como o art.º 40 do Código de Processo Penal, que alargou os casos de impedimentos dos juízes, os recursos para os tribunais da Relação e as novas regras processuais penais para representação das pessoas coletivas e das sociedades.

Os obstáculos são, na prática, cada vez maiores, e os objetivos das alterações às leis pouco claros: “Temos dúvidas se terá sido só por pressa legislativa…. ou qual a intenção de algumas alterações”.

Esta alteração legislativa, o excesso de garantismo que irá barricar ainda mais as investigações, terá sido, segundo fontes do MP, a gota de água para Orlando Romano ter batido com a porta tão cedo.