Anatomia de um fracasso


Agora que o ciclo interno vai mudar, pondo fim a este calvário, o PSD terá certamente um líder para quem a vida política seja um prazer e não um enfado; que fale a mesma língua do cidadão e não discursos arranhados em alemão.


Não há maneira de dizer isto de outra maneira.

Rui Rio foi o pior, o mais nocivo e mais incompetente presidente que o PSD algum dia teve na sua longa história democrática.

“Estão a tentar ser uma comissão liquidatária”, alertei em de julho de 2019 nas páginas deste jornal. Estávamos no aquecimento para as legislativas de 2019 e para mim já era evidente que “com esta liderança, o PSD não existe para fazer oposição, não existe para ser alternativa, não existe na vida dos portugueses, não existe para mobilizar os militantes. Não existe.” Não existia na altura e nunca chegou a existir.

Eleito em fevereiro de 2018 para presidente do partido, ao fim de quatro malditos anos Rio deixa ao PSD e ao País um legado de fracasso, de degradação democrática do sistema político português por sistemático e deliberado dano autoinfligido ao Partido Social Democrata.

Rio, um extremista na busca da pureza Social Democrata, foi um anti-PSD. Queimou tudo à sua passagem. E o PSD, outrora a grande casa plural onde cabiam sociais-democratas, liberais, democratas-cristãos, conservadores e até gente da esquerda moderada, não passa hoje do grupo dos irredutíveis homens e mulheres de mão da liderança.

 A história destes quatro anos já começou a fazer-se.

A liderança de Rio sempre foi uma catástrofe anunciada.

A falta de apreço pela democracia – veja-se o fim dos debates quinzenais na AR votados favoravelmente pelo maior partido da oposição – e o desprezo pelo pluralismo interno sempre foram sinais preocupantes.

À primeira oportunidade que teve para unir o PSD, nas listas para as legislativas em 2019, Rio repetiu (sem surpresa, diga-se) a fórmula Ferreira Leite em 2009: excomungou todo e qualquer militante que pudesse remotamente trazer uma perspetiva diferente da iluminada cúpula dirigente. Certamente satisfeito com o resultado, um dos piores na história do partido, volta a fazer o mesmo nas últimas legislativas purgando as listas de todos os apoiantes de Paulo Rangel. Quase que se cumpriu o desígnio de Ferreira Leite, de quem noutros tempos tinha sido o principal vice-presidente e estratega, de preferir um PSD pequeno a um partido com o rótulo de centro-direita. De facto, o PSD de Rio é pequeno mas não há rotulo que lhe sirva. É uma inconsistência.

O que me leva à questão do posicionamento político. Com esta gente, o PSD quis ser à força um Partido “ao Centro.” Todavia, também podia ser uma muleta do PS para acabar com a geringonça; ou, se a lua mudasse, um partido capaz coligar-se com o Chega quando não estava de acordo com Catarina Martins e a extrema-esquerda. O PSD foi uma amiba.

Com a sua demanda purificadora, e com a obsessão pelo centro, Rio não só entregou de mão beijada uma maioria absoluta história ao PS como abriu espaço para o surgimento, à sua direita, de dois novos partidos que hoje lideram a iniciativa política primária da oposição aos socialistas.

E se o posicionamento foi uma catástrofe, a estratégia não lhe quis ficar atrás. O guião dos “estrategas” era simples, feito a dois tempos: o tempo do consenso, no qual o PSD seria um partido de suporte ao PS (para mostrar responsabilidade e seriedade, refletindo a personalidade do líder); o tempo da oposição, quando a meia dúzia de semanas das eleições, o PSD, subitamente, sob o efeito de esteroides, começaria a desancar no Governo. Foi assim em 2019. E foi assim em 2022. Em comum os dois piores scores do PSD em legislativas desde 1983. Rio deve fazer parte daquela minoria de predestinados que acredita que insistindo na mesma fórmula terá resultados diferentes.

Para além de não ser carne nem peixe, a falta de tração eleitoral não é alheia ao facto do PSD nunca ter tido ideias mobilizadoras para a sociedade. Pelo contrário, muitas delas foram divisivas e preconceituosas – mais uma vez refletindo as obsessões e pequenos ódios de Rio. Um exemplo claro é o da proposta de reforma dos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público. Uma ideia destemperada, que introduzia discricionariedade e comando político e económico no órgão fiscalizador dos juízes.

A uma terrível conceção do espaço político, somaram-se uma estratégia pífia e um programa medíocre. Mas o PSD não teria, ainda assim, batido tão fundo se não fosse a inaptidão política do seu líder.

Recordo que quando as sondagens para as europeias davam um resultado próximo entre o PSD e o PS, Rio decide alinhar com a extrema-esquerda para aprovar a contagem do tempo integral do tempo de serviço dos professores. António Costa, que sempre viu mais a dormir do que Rio acordado, ameaçou com a demissão do governo e o fim da história é o que se sabe: o PSD reduzido a 21%.

Lembro ainda que quando o país ardia, Rui Rio gozava as suas merecidas férias e não via sequer razões para as interromper. Um dos concelhos mais fustigados por esses fogos, Mação, é liderado por um social-democrata. Nunca teve direito, sequer, a uma chamada solidária do homem que se dizia líder do seu partido.

Rio sempre mostrou um assinalável desprezo pela vida política. Ele nunca quis ser político, nunca quis ser candidato a primeiro-ministro, nunca quis ser líder do partido. Nunca quis que o metessem nestas andanças. Estava por “missão”, como estão normalmente os homens providenciais empurrados por “vagas de fundo” de seguidores em êxtase perante a salvação prometida pelo estadista de pechisbeque.

A sua reclusão no Porto, de onde só a custo saía para vestir o fato de dirigente nacional, reflete o estádio de partido eremita para onde fez regredir o PSD.

Não deixa de ser motivo de reflexão que Rio tenha ganho todas as eleições internas mesmo perdendo (e copiosamente) todas os escrutínios em que se apresentou aos portugueses. Se isso é sinal de um crescente afastamento entre o PSD e o País ou, se por outro lado, é revelador de que o homem anti aparelho era no fundo o seu criador, é motivo para outra reflexão.

O que importa agora vincar é que em todas as sondagens de avaliação de competências, não havia português que lhe apontasse brilhantismo, génio, capacidade de diálogo ou projeto político. Elogiavam-lhe a “franqueza” e a “seriedade”, valores que são importantes, mas basilares – isto é, comuns à normal convivência entre homens de bem – e que por si só não qualificam ninguém para ser líder de um partido, muito menos de um país.

A tarefa para o próximo presidente do PSD é mastodôntica. A nível nacional o PSD é um partido estilhaçado, purgado, sem energia nem ideias. À nossa direita dois novos partidos e à nossa esquerda um Governo absoluto – com grande capacidade política, quadros promissores e muito dinheiro europeu para gastar.

Agora que o ciclo interno vai mudar, pondo fim a este calvário, o PSD terá certamente um líder para quem a vida política seja um prazer e não um enfado; que fale a mesma língua do cidadão e não discursos arranhados em alemão; que saiba ouvir e unir em vez de se fechar e dividir.

Porque o PSD é e será sempre muito mais do que estes últimos tristes quatro anos.

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira

Anatomia de um fracasso


Agora que o ciclo interno vai mudar, pondo fim a este calvário, o PSD terá certamente um líder para quem a vida política seja um prazer e não um enfado; que fale a mesma língua do cidadão e não discursos arranhados em alemão.


Não há maneira de dizer isto de outra maneira.

Rui Rio foi o pior, o mais nocivo e mais incompetente presidente que o PSD algum dia teve na sua longa história democrática.

“Estão a tentar ser uma comissão liquidatária”, alertei em de julho de 2019 nas páginas deste jornal. Estávamos no aquecimento para as legislativas de 2019 e para mim já era evidente que “com esta liderança, o PSD não existe para fazer oposição, não existe para ser alternativa, não existe na vida dos portugueses, não existe para mobilizar os militantes. Não existe.” Não existia na altura e nunca chegou a existir.

Eleito em fevereiro de 2018 para presidente do partido, ao fim de quatro malditos anos Rio deixa ao PSD e ao País um legado de fracasso, de degradação democrática do sistema político português por sistemático e deliberado dano autoinfligido ao Partido Social Democrata.

Rio, um extremista na busca da pureza Social Democrata, foi um anti-PSD. Queimou tudo à sua passagem. E o PSD, outrora a grande casa plural onde cabiam sociais-democratas, liberais, democratas-cristãos, conservadores e até gente da esquerda moderada, não passa hoje do grupo dos irredutíveis homens e mulheres de mão da liderança.

 A história destes quatro anos já começou a fazer-se.

A liderança de Rio sempre foi uma catástrofe anunciada.

A falta de apreço pela democracia – veja-se o fim dos debates quinzenais na AR votados favoravelmente pelo maior partido da oposição – e o desprezo pelo pluralismo interno sempre foram sinais preocupantes.

À primeira oportunidade que teve para unir o PSD, nas listas para as legislativas em 2019, Rio repetiu (sem surpresa, diga-se) a fórmula Ferreira Leite em 2009: excomungou todo e qualquer militante que pudesse remotamente trazer uma perspetiva diferente da iluminada cúpula dirigente. Certamente satisfeito com o resultado, um dos piores na história do partido, volta a fazer o mesmo nas últimas legislativas purgando as listas de todos os apoiantes de Paulo Rangel. Quase que se cumpriu o desígnio de Ferreira Leite, de quem noutros tempos tinha sido o principal vice-presidente e estratega, de preferir um PSD pequeno a um partido com o rótulo de centro-direita. De facto, o PSD de Rio é pequeno mas não há rotulo que lhe sirva. É uma inconsistência.

O que me leva à questão do posicionamento político. Com esta gente, o PSD quis ser à força um Partido “ao Centro.” Todavia, também podia ser uma muleta do PS para acabar com a geringonça; ou, se a lua mudasse, um partido capaz coligar-se com o Chega quando não estava de acordo com Catarina Martins e a extrema-esquerda. O PSD foi uma amiba.

Com a sua demanda purificadora, e com a obsessão pelo centro, Rio não só entregou de mão beijada uma maioria absoluta história ao PS como abriu espaço para o surgimento, à sua direita, de dois novos partidos que hoje lideram a iniciativa política primária da oposição aos socialistas.

E se o posicionamento foi uma catástrofe, a estratégia não lhe quis ficar atrás. O guião dos “estrategas” era simples, feito a dois tempos: o tempo do consenso, no qual o PSD seria um partido de suporte ao PS (para mostrar responsabilidade e seriedade, refletindo a personalidade do líder); o tempo da oposição, quando a meia dúzia de semanas das eleições, o PSD, subitamente, sob o efeito de esteroides, começaria a desancar no Governo. Foi assim em 2019. E foi assim em 2022. Em comum os dois piores scores do PSD em legislativas desde 1983. Rio deve fazer parte daquela minoria de predestinados que acredita que insistindo na mesma fórmula terá resultados diferentes.

Para além de não ser carne nem peixe, a falta de tração eleitoral não é alheia ao facto do PSD nunca ter tido ideias mobilizadoras para a sociedade. Pelo contrário, muitas delas foram divisivas e preconceituosas – mais uma vez refletindo as obsessões e pequenos ódios de Rio. Um exemplo claro é o da proposta de reforma dos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público. Uma ideia destemperada, que introduzia discricionariedade e comando político e económico no órgão fiscalizador dos juízes.

A uma terrível conceção do espaço político, somaram-se uma estratégia pífia e um programa medíocre. Mas o PSD não teria, ainda assim, batido tão fundo se não fosse a inaptidão política do seu líder.

Recordo que quando as sondagens para as europeias davam um resultado próximo entre o PSD e o PS, Rio decide alinhar com a extrema-esquerda para aprovar a contagem do tempo integral do tempo de serviço dos professores. António Costa, que sempre viu mais a dormir do que Rio acordado, ameaçou com a demissão do governo e o fim da história é o que se sabe: o PSD reduzido a 21%.

Lembro ainda que quando o país ardia, Rui Rio gozava as suas merecidas férias e não via sequer razões para as interromper. Um dos concelhos mais fustigados por esses fogos, Mação, é liderado por um social-democrata. Nunca teve direito, sequer, a uma chamada solidária do homem que se dizia líder do seu partido.

Rio sempre mostrou um assinalável desprezo pela vida política. Ele nunca quis ser político, nunca quis ser candidato a primeiro-ministro, nunca quis ser líder do partido. Nunca quis que o metessem nestas andanças. Estava por “missão”, como estão normalmente os homens providenciais empurrados por “vagas de fundo” de seguidores em êxtase perante a salvação prometida pelo estadista de pechisbeque.

A sua reclusão no Porto, de onde só a custo saía para vestir o fato de dirigente nacional, reflete o estádio de partido eremita para onde fez regredir o PSD.

Não deixa de ser motivo de reflexão que Rio tenha ganho todas as eleições internas mesmo perdendo (e copiosamente) todas os escrutínios em que se apresentou aos portugueses. Se isso é sinal de um crescente afastamento entre o PSD e o País ou, se por outro lado, é revelador de que o homem anti aparelho era no fundo o seu criador, é motivo para outra reflexão.

O que importa agora vincar é que em todas as sondagens de avaliação de competências, não havia português que lhe apontasse brilhantismo, génio, capacidade de diálogo ou projeto político. Elogiavam-lhe a “franqueza” e a “seriedade”, valores que são importantes, mas basilares – isto é, comuns à normal convivência entre homens de bem – e que por si só não qualificam ninguém para ser líder de um partido, muito menos de um país.

A tarefa para o próximo presidente do PSD é mastodôntica. A nível nacional o PSD é um partido estilhaçado, purgado, sem energia nem ideias. À nossa direita dois novos partidos e à nossa esquerda um Governo absoluto – com grande capacidade política, quadros promissores e muito dinheiro europeu para gastar.

Agora que o ciclo interno vai mudar, pondo fim a este calvário, o PSD terá certamente um líder para quem a vida política seja um prazer e não um enfado; que fale a mesma língua do cidadão e não discursos arranhados em alemão; que saiba ouvir e unir em vez de se fechar e dividir.

Porque o PSD é e será sempre muito mais do que estes últimos tristes quatro anos.

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira