12 de Abril de 1926. Todos queriam apertar os ossos ao Almirante!

12 de Abril de 1926. Todos queriam apertar os ossos ao Almirante!


Gago Coutinho era recebido em Espanha com honras régias e Afonso XIII teimava em tê-lo sempre a seu lado. Pelas ruas, o povo saudava o sábio e simpático português como se de um espanhol se tratasse.


Talvez nem toda a gente escrevesse ao Almirante, como diria Gabo, mas certamente que toda a gente queria apertar os ossos ao Almirante, como diz o povo. Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho, ou só Gago Coutinho, que dá mais jeito. O homem que, com Sacadura Cabral, efectuou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, em 1922. Já lá iam quatro anos, mas nada lhe abalava o prestígio. Nesse mês de Abril de 1926, estava em Espanha, como enviado especial do governo português. Em Huelva e em Sevilha foi recebido com a pompa e a circunstância de um verdadeiro herói. Por cá, como sempre, a imprensa lambia o próprio pêlo de orgulho, como um cachorrinho bem comportado: ter um compatriota a ser ovacionado pelas ruas das cidades espanholas era do quilé. “O sábio e simpático Gago Coutinho tornou-se, em Espanha, uma figura popular. As manifestações de que foi alvo tiveram a chancela oficial muito acima da habitual frieza protocolar, como o caracter sincero e atraente das multidões!” Assim, sim, portuguesinho valente a ser aplaudido pelos vizinhos do lado sempre dispostos a dedicar-nos o menoscabo.

Contava-se o episódio desvanecedor: um alemão, acabado de aterrar em Sevilha, ficou boquiaberto com tanta gente na rua, em romaria. E perguntou, inocente: “Mas quem é este homem, alvo de singulares ovações em toda a parte, na rua e nas salas?” Não sabia o ignorante teutónico que não se tratava de um espanhol, como ele julgava, mas sim de um português de peito enfunado como vela de galeão, como o Raposão do divino Eça na Terra Santa em busca de relíquias para a horrenda Titi.

 

Momento alto

Recebido a bordo do couraçado Catalunha pelo próprio monarca espanhol, Afonso XIII, Gago Coutinho, no seu estilo tímido, não quis tomar a frente da fileira quando por este passou, apitando, o Buenos Aires. Na coberta de um e de outro navio, altos dignitários, tilintando de medalhas, saudavam-se galhardamente uns aos outros. Notando a delicadeza do Almirante, o Rei foi pessoalmente à sua procura pelo meio de todos os oficiais que o rodeavam e solicitou-lhe que permanecesse sempre a seu lado, de forma a que todos pudessem homenageá-lo como merecia, e certamente merecia bem mais do que a maioria dos bem-fardados que quase abafavam a sua figura de especto frágil. Gago Coutinho ficou particularmente tocado por esta real amabilidade e viria a expressá-lo no regresso a Lisboa.

Os jornalistas nacionais que acompanhavam a viagem deliraram: “Cá em baixo, os embaixadores, os ministros, sabiam que os dois homens tinham, nesse momento, as honras do navio – o rei espanhol e o navegador português. Esta gentileza tradicional do monarca foi correspondida sempre pela multidão. Gago Coutinho chegou a ser alvo de manifestações que fariam supor a um estrangeiro (e provavelmente ao tal alemão, digo eu), fora das realidades, que ele também fizera, ao lado de Francisco Franco, acabado de ser promovido a general, a travessia do Atlântico com os bravos aviadores espanhóis que, nesse dia, regressaram a casa. E não podia haver nisto tudo preparação ou simples deferência”.

Era de sublinhar que Portugal e Espanha viviam momento de fraterna e correspondida amizade. O dr. Melo Barreto, embaixador em Madrid, era o primeiro a confirmá-lo, acrescentando que não se tratava apenas de mero entendimento diplomático e político. Ia bem para além disso. Tratava-se de uma forte união popular que a visita do Almirante servira para afirmar nas ruas por onde passou e foi festejado como se de um espanhol se tratasse. Chamaram-lhe “O abraço de Sevilha”. Aquele que Afonso XIII, que abdicaria cinco anos mais tarde, ofereceu de coração cheio ao Almirante que andava na boca do povo.