Merceeiros furibundos na pacata Lisboa do início dos anos-30? Eis algo de que ninguém estava à espera, isso é certo. A verdade é que as acusações começavam a ser dolorosas e tocavam no ponto sensível da sua seriedade. Pelos vistos tinham, na sua maioria, aumentado significativamente o preço dos produtos alimentícios, para se se defenderem, à custa dos consumidores, do novo imposto que se destinava a auxiliar os desempregados. Vai daí, e perante as queixas que se acumulavam na opinião pública, responderam à bruta. Um jornalista, atento ao que se passava, não os deixou sem retribuição: “A tendência que esta gente tem em atribuir ao todo as virtudes e os defeitos de uma parte, generalizando o que não pode nem deve ser generalizado, só para fazer o gosto ao dedo na distribuição de bordoada a eito!”, ofendia-se.
Pelos visto, tendo-se concluído pelas malfeitorias de meia-dúzia de profissionais de venda menos honestos, o povo tratara de tratar todos pela mesma medida. Os merceeiros são ladrões e ponto final! Não era de admirar que a reacção em cadeia se desse em forma de protestos e até de insultos. A coisa ficara feia. E, decididamente, nada de bom para o negócio. O mesmo escriba, não deixava de querer meter água na fervura: “Aqui é sempre assim! Um padre não o soube ser? Acabe-se com os padres todos! Um militar claudicou? Acabe-se com os militares! Um magistrado não cumpriu o seu dever? Acabe-se com a magistratura! Um médico praticou um crime?_Acabe-se com a medicina! Um jornalista foi injusto? Acabe-se com a imprensa!”.
Não serei eu a afirmar que o negócio das mercearias era mais vital do que o negócio da imprensa ou mais importante do que o cumprimento da justiça. Cada coisa em seu lugar. Até se atirava para a praça pública, como exemplo de honradez, um tal de sr. Justino Pedro, dono de uma drogaria no Largo do_Intendente, homem que não merecia, de forma alguma, estar a ser vítima desta acusação colectiva.
Mas, que fazer? O português, seja ele merceeiro, guarda nacional republicano, canalizador ou sapador bombeiro, é por natureza susceptível, tanto individualmente como em grupo. E o grupo dos merceeiros andava profundamente desagradado com o decorrer dos acontecimentos. Enfim, batatas! Não havia grande coisa a fazer se não esperar por momentos mais calmos. E contar com que a fiscalização posta em prática pelo governo nos mostrasse, finalmente, quais eram as maçãs podres.