O aforista indiano


Sentimo-nos como se pudéssemos ouvir, no eco da sua voz, o galope dos Cavaleiros do Apocalipse. Henry Michaux, um supino poeta e escritor belga, que se apaixonou pela Ásia ainda antes da II Grande Guerra, avisou a seu tempo: “Na Índia não há nada para ver; é tudo para interpretar”.


O rakesh é uma figura! Mas que figura! Foi um dos pioneiros da comunidade indiana no Bairro Alto, ajudou muitos dos que vieram depois dele a instalarem-se e a arranjarem trabalho, era dono de uma mercearia das antigas, daquelas que tanto vendiam cigarros avulso como botijas de gás. Volta e meia, a horas tardias, entra pelo Calcutá, na Rua do Norte, dentro e exclama como numa premonição: “É o fim!”

Sentimo-nos como se pudéssemos ouvir, no eco da sua voz, o galope dos Cavaleiros do Apocalipse. Henry Michaux, um supino poeta e escritor belga, que se apaixonou pela Ásia ainda antes da II Grande Guerra, avisou a seu tempo: “Na Índia não há nada para ver; é tudo para interpretar”. No Rakesh há muito para interpretar. Talvez pudesse ser uma personagem de um texto que Michaux publicou em 1922 e se chamava Cas de Folie Circulaire. Há muito de cerca loucura circular quando remata: “Queda livre!”

E tal como Henry, é um aforista, tal qual lhe chama o Nuno Miguel Guedes. No fundo do discurso por vezes desconexo, há a sabedoria dos que se habituaram ao abandono e à morte. Vindo um dia lá do Diu, réstias portuguesas num Gujarate que conserva um pouco de catolicismo para abrir fronteiras de províncias ao alcohol free, foi-se deixando doer por aqueles bem mais novos do que ele que desapareceram entretanto, gente da nossa profunda amizade, como o Guirish, o Raju e, ainda há bocadinho, o Binda, na flor-do-craveiro da idade ainda pura dos seus 24 anos.

Flor-do-craveiro, laranja-fulminate, a que chamamos também flor-da-Índia. Encontro-o, de repente, numa das ruas do bairro, definhado numa cara sem o sorriso de sempre. Não me grita, “Nunca na Vida!”, como é seu hábito. A vida foi-se. Ou vai-se, todos os dias, deixando um rasto infame de irmãos mortos. Abana a cabeça e diz apenas: “Não valemos nada…” E não encontro uma palavra sequer para lhe dar de volta. Nem trago uma flor no bolso da saudade.

O aforista indiano


Sentimo-nos como se pudéssemos ouvir, no eco da sua voz, o galope dos Cavaleiros do Apocalipse. Henry Michaux, um supino poeta e escritor belga, que se apaixonou pela Ásia ainda antes da II Grande Guerra, avisou a seu tempo: “Na Índia não há nada para ver; é tudo para interpretar”.


O rakesh é uma figura! Mas que figura! Foi um dos pioneiros da comunidade indiana no Bairro Alto, ajudou muitos dos que vieram depois dele a instalarem-se e a arranjarem trabalho, era dono de uma mercearia das antigas, daquelas que tanto vendiam cigarros avulso como botijas de gás. Volta e meia, a horas tardias, entra pelo Calcutá, na Rua do Norte, dentro e exclama como numa premonição: “É o fim!”

Sentimo-nos como se pudéssemos ouvir, no eco da sua voz, o galope dos Cavaleiros do Apocalipse. Henry Michaux, um supino poeta e escritor belga, que se apaixonou pela Ásia ainda antes da II Grande Guerra, avisou a seu tempo: “Na Índia não há nada para ver; é tudo para interpretar”. No Rakesh há muito para interpretar. Talvez pudesse ser uma personagem de um texto que Michaux publicou em 1922 e se chamava Cas de Folie Circulaire. Há muito de cerca loucura circular quando remata: “Queda livre!”

E tal como Henry, é um aforista, tal qual lhe chama o Nuno Miguel Guedes. No fundo do discurso por vezes desconexo, há a sabedoria dos que se habituaram ao abandono e à morte. Vindo um dia lá do Diu, réstias portuguesas num Gujarate que conserva um pouco de catolicismo para abrir fronteiras de províncias ao alcohol free, foi-se deixando doer por aqueles bem mais novos do que ele que desapareceram entretanto, gente da nossa profunda amizade, como o Guirish, o Raju e, ainda há bocadinho, o Binda, na flor-do-craveiro da idade ainda pura dos seus 24 anos.

Flor-do-craveiro, laranja-fulminate, a que chamamos também flor-da-Índia. Encontro-o, de repente, numa das ruas do bairro, definhado numa cara sem o sorriso de sempre. Não me grita, “Nunca na Vida!”, como é seu hábito. A vida foi-se. Ou vai-se, todos os dias, deixando um rasto infame de irmãos mortos. Abana a cabeça e diz apenas: “Não valemos nada…” E não encontro uma palavra sequer para lhe dar de volta. Nem trago uma flor no bolso da saudade.