A procura às urgências está a provocar tempos de espera excessivos em vários hospitais do país para doentes urgentes devido também à elevada afluência de quem tem sintomas ligeiros, o que está a continuar a motivar alertas por parte de médicos para que haja melhor organização, numa altura em que os casos de infetados com covid-19 estão em níveis recordes.
Ontem ao final do dia havia mais de três horas de espera para doentes urgentes (pulseira amarela) no Hospital de Santa Maria em Lisboa, hospital de fim de linha para onde são encaminhados doentes de toda a região. O cenário de tempo de espera muito acima do recomendado para doentes graves repetia-se no Amadora-Sintra, com mais de duas horas de espera para doentes urgentes quando devem ser vistos no máximo numa hora, mas também no Norte, no São João, em que havia mais de uma hora de espera para doentes urgentes ao final da tarde.
Nas redes sociais, Nelson Pereira, diretor da Unidade Autónoma de Gestão (UAG) de Urgência e Medicina Intensiva do Centro Hospitalar Universitário de São João, repetiu um apelo que já tinha feito há duas semanas, inclusive a este jornal, sobre a necessidade de uma maior organização no encaminhamento para as urgências.
“É muito importante que os algoritmos do SNS24 estejam atualizados para refletir as normas em vigor… E que os operadores do call center tenham formação suficiente para os interpretar… Para que não sejam encaminhados para o SU doentes com sintomatologia ligeira, para que não sejam encaminhados para o SU doentes para confirmação de teste já realizado… E que sejam respeitadas as áreas de influência dos hospitais em função do centro de saúde de cada doente”, escreveu o médico, considerando que só assim se pode garantir equilíbrio na pressão que se coloca nos vários hospitais. “Essa é uma responsabilidade dos organismos centrais…não pode ser à vontade do freguês”.
Internamentos sobem Além da procura elevada às urgências, este domingo os hospitais registaram a maior subida no número de doentes internados com covid-19 dos últimos 11 meses, que ultrapassam agora o cenário de impacto mais ligeiro previsto pelo Instituto Ricardo Jorge para a pressão nos hospitais no pico de internamentos esperado em janeiro.
O INSA tinha previsto que, num cenário mais ligeiro, poderiam estar internados no final do mês cerca de 1300 doentes com covid-19 e este domingo chegaram a 1588, um aumento de 36% no espaço de uma semana – a 3 de janeiro, havia 1167 doentes internados nos hospitais.
A este ritmo de subida de internamentos de pessoas com covid-19, que tende a acelerar com o aumento da população infetada, dentro de uma semana poderá haver mais de 2100 doentes internados nos hospitais com covid-19. No pior cenário, de menor proteção conferida pelas vacinas, o INSA estimou que no pico de internamentos entre o final de janeiro e início de fevereiro poderia haver 3700 doentes com covid-19 internados nos hospitais.
Começa ainda assim a surgir uma outra preocupação: o elevado número de doentes que, estando a infeção disseminada na comunidade, testa positivo e é admitido nos hospitais mesmo por outros motivos e se pode tornar-se problemático a médio prazo manter os circuitos separados para doentes covid e não covid.
No final da semana passada, a agência de saúde pública da Escócia revelou pela primeira vez que 40% das pessoas positivas para a covid-19 admitidas nos hospitais nos dias anteriores tinham sido internadas por outros motivos. Em Portugal, não há dados públicos mas, segundo o i apurou, estão a ocorrer os dois fenómenos em simultâneo: parte do aumento de internamentos resulta de mais pessoas a adoecer com covid-19 e outra parte da admissão por outros motivos de doentes que testam positivo, mais do que em outros momentos da pandemia.
A necessidade de começar a pensar uma mudança de estratégia para lidar com a doença começa a ser suscitada lá fora. Um dos alertas foi feito no fim de semana pelo epidemiologista italiano Pier Luigi Lopalco, professor de Higiene e Medicina Preventiva na Universidade de Pisa. Também nas redes sociais, o especialista lembrou que no verão já tinha alertado para a necessidade de preparar enfermarias não covid em que pudessem ser hospitalizados doentes portadores do vírus. O que na altura foi visto na sua região como uma ideia “herege”, escreveu.
“Com a disseminação progressiva do vírus, os portadores serão cada vez mais numerosos e excederão em muito os doentes”, escreve. “Com o advento do Omicron essa situação tornou-se dramática e o sistema hospitalar não sabe mais onde colocar quem está internado por outro motivo e que ao entrar no hospital descobre que é portador do vírus”, apontou, considerando que será preciso uma estratégia para lidar com esta situação.
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