Os votos de 2022


O que choca neste tempo eleitoral é a incapacidade para colocar em cima da mesa propostas concretas para os problemas de sempre, para as consequências da pandemia e para os novos desafios.


Em menos de um mês vamos a votos, depois de uma crise política gerada pelos suportes da solução governativa liderada pelo PS. Funcionou em 2015 para não deixar formar governo quem ganhou as eleições, deixou de carburar em 2021 com uma coligação negativa abrangente para chumbar o orçamento de Estado para 2022, quando vivemos fustigados pela pandemia e procuramos relançar dinâmicas interrompidas.

De pouco valerá tentarem reescrever o passado ou arremessar culpas, o exercício é simples: desde 2015 houve uma maioria para governar, agora deixou de haver e o povo vai pronunciar-se, os que quiserem e o que puderem, não estando confinados. O que choca neste tempo eleitoral, após o chumbo do dito, é a incapacidade para colocar em cima da mesa propostas concretas para os problemas de sempre, para as consequências da pandemia e para os novos desafios.

Entretêm-se a atacar e contra-atacar em função do passado e sobre o futuro quase nada, só a circunstância de uns estarem no poder, outros terem estado a suportar o exercício e os restantes estarem na oposição, disputando nesta categoria o prémio de quem gritou mais alto ou foi mais incisivo, da órbita do morder nos calcanhares. Sobre o futuro nada, ou melhor, só a imposição de linhas vermelhas e de processos de intenção, como se os portugueses não tivessem uma palavrinha a dizer sobre a configuração do exercício político superveniente. Mas têm. Este é o tempo de dizerem o que querem fazer, se tiverem a confiança eleitoral suficiente, não para jogos florais sem relevância para a clarificação que se impõe.

Dentro de dois anos, Portugal comemora o cinquentenário da Revolução dos Cravos, parece que até temos um Comissário principescamente pago, em acumulação com as remunerações do comentariado político-partidário e desportivo, com a maior das opacidades sobre o labor da empreitada, e seria bom que a par da governação à vista, se procurassem soluções sustentáveis para os problemas que em cinco décadas não foram resolvidos.

Não vale a pena embandeiramos em arco com arremessos de modernismo e de grande visão de futuro se não respondermos à pobreza, à desertificação de boa parte do país, à desigualdade social, à burocracia, à ineficiência da justiça, à irrespirável carga fiscal e à falta de capacidade para organizar melhor o Estado, o trabalho e a sociedade. Não podemos continuar a arremessar soluções de turno, que aprofundam divisões na sociedade, quando não podemos prescindir de ninguém, nem dos do público, nem dos do privado.

Não temos receitas, orçamento ou escala para essas expressões de circunstância de nichos ou visões parcelares da realidade. Não podemos implodir uma PPP na Saúde como a de Vila Franca de Xira, sem assegurar que a gestão pública melhora as respostas e os serviços à população. Não é afirmação ideológica, é burrice. Primeiro criam-se melhores condições no público, dá um prazo de transição a quem supriu as incapacidades do Estado e depois inverte-se a prestação de serviços.

Portugal está a acolher sinais de extremismos, populismos e radicalismos catalisados pelas opções do exercício político, pela insuficiência das funções vitais do Estado e pela incapacidade dos Democratas de ajustarem o funcionamento do sistema ao novo tempo. Há uma irritação latente e estados de alma que, sendo expressão de pluralismo, não correspondem ao sentido de equilíbrio que deve estar presente na condução dos interesses públicos de uma nação europeia com as especificidades da nossa. Essa irritação já teve expressão nas autárquicas e pode voltar a manifestar-se, sobretudo por reiterada indiferença perante os sinais.

Em 2022, fazemos votos para que exista mais atenção em relação a alguns pilares importantes da gestão da coisa pública e da configuração do funcionamento da sociedade.

Explicação e critério. Há muitas opções políticas que não apresentam nenhum racional visível. Não é descortinável o critério ou sentido das mesmas. A essa realidade soma-se a ausência de explicação de quem as toma, como se não estivessem obrigados a um escrutínio e explicação pública. Acham mesmo, que no quadro de tantas dificuldades, ninguém deve explicar o sentido concreto da injeção de mais 853 milhões na TAP e no Novo Banco, num tempo em que não há parlamento. É que são milhões que resolveriam boa parte dos problemas estruturais do Interior do país ou da vida nas cidades.

Previsibilidade. No que conta para a vida das pessoas e para a organização da sociedade, onde se inclui a economia e o funcionamento do mercado, precisamos de previsibilidade, não de alterações em função de quem está no poder, que são revertidas pelos seguintes, num vai e vêm sem capacidade de gerar soluções para os problemas de sempre e para os novos desafios.

Justiça e equidade. Não se trata só de pôr ordem num sistema judicial disfuncional e, demasiadas vezes, arbitrário, dependente dos estados de alma dos operadores, dos compromissos com os media e de territórios que aparentam estar arredados da autoridade do Estado de Direito Democrático – terras sem lei –, mas de impor a necessidade de tratamento igualitário das situações iguais e de respeito pelos cidadãos, nos direitos e nos deveres, sejam ou estejam onde estiverem.

Coesão. Não é possível a persistência da perceção e da realidade de que há recursos que são sempre afetos aos mesmos, de que há quem fique para trás, porque sim. Ou melhor, porque não conta para quem decide, por ausência de peso, de escala demográfica ou de proximidade demográfica. Portugal precisa de ser um todo e sê-lo de forma sustentada, sem ziguezagues em banda larga, sempre que mudam as maiorias políticas. Além dos slogans, era bom que a campanha eleitoral proporcionasse um debate sobre o balanço entre o combate efetivo à pobreza e exclusão social e a valorização do potencial produtivo do país, entre o apoiar para dar asas e o estimular quem já as tem e por vezes só precisa que a burocracia não estrague.

São muitos os votos possíveis para 2022, alguns passam por 30 de janeiro, outros são coisas para construir em cada dia do ano, com saúde e sentido de futuro, até porque o passado já não dá para reescrever, a menos que exista por aí algum Estaline encartado.

Notais finais

Votado ao abandono, mas paga. As portagens voltaram a aumentar. Algumas das vias portajadas apresentam uma manutenção deplorável, que prejudica a segurança rodoviária, vide alguns troços da A2 e a A8.

Votado ao atraso, mas concessiona. O serviço postal é deplorável. Dizem que o Estado se prepara para renovar a concessão, com que garantias de melhoria do serviço prestado, especialmente relevante nos territórios do Interior do país?

Votados ao afastamento, mas com novas comissões. Tirar com uma mão e com a outra parece ser a nova orientação dos banqueiros. Dos contribuintes receberam injeções de dinheiro, aos contribuintes continuam a cobrar mais comissões, enquanto encerram mais balcões de proximidade. Se o Ministro das Finanças não pagar a ninguém tem uma execução orçamental sublime.

Os votos de 2022


O que choca neste tempo eleitoral é a incapacidade para colocar em cima da mesa propostas concretas para os problemas de sempre, para as consequências da pandemia e para os novos desafios.


Em menos de um mês vamos a votos, depois de uma crise política gerada pelos suportes da solução governativa liderada pelo PS. Funcionou em 2015 para não deixar formar governo quem ganhou as eleições, deixou de carburar em 2021 com uma coligação negativa abrangente para chumbar o orçamento de Estado para 2022, quando vivemos fustigados pela pandemia e procuramos relançar dinâmicas interrompidas.

De pouco valerá tentarem reescrever o passado ou arremessar culpas, o exercício é simples: desde 2015 houve uma maioria para governar, agora deixou de haver e o povo vai pronunciar-se, os que quiserem e o que puderem, não estando confinados. O que choca neste tempo eleitoral, após o chumbo do dito, é a incapacidade para colocar em cima da mesa propostas concretas para os problemas de sempre, para as consequências da pandemia e para os novos desafios.

Entretêm-se a atacar e contra-atacar em função do passado e sobre o futuro quase nada, só a circunstância de uns estarem no poder, outros terem estado a suportar o exercício e os restantes estarem na oposição, disputando nesta categoria o prémio de quem gritou mais alto ou foi mais incisivo, da órbita do morder nos calcanhares. Sobre o futuro nada, ou melhor, só a imposição de linhas vermelhas e de processos de intenção, como se os portugueses não tivessem uma palavrinha a dizer sobre a configuração do exercício político superveniente. Mas têm. Este é o tempo de dizerem o que querem fazer, se tiverem a confiança eleitoral suficiente, não para jogos florais sem relevância para a clarificação que se impõe.

Dentro de dois anos, Portugal comemora o cinquentenário da Revolução dos Cravos, parece que até temos um Comissário principescamente pago, em acumulação com as remunerações do comentariado político-partidário e desportivo, com a maior das opacidades sobre o labor da empreitada, e seria bom que a par da governação à vista, se procurassem soluções sustentáveis para os problemas que em cinco décadas não foram resolvidos.

Não vale a pena embandeiramos em arco com arremessos de modernismo e de grande visão de futuro se não respondermos à pobreza, à desertificação de boa parte do país, à desigualdade social, à burocracia, à ineficiência da justiça, à irrespirável carga fiscal e à falta de capacidade para organizar melhor o Estado, o trabalho e a sociedade. Não podemos continuar a arremessar soluções de turno, que aprofundam divisões na sociedade, quando não podemos prescindir de ninguém, nem dos do público, nem dos do privado.

Não temos receitas, orçamento ou escala para essas expressões de circunstância de nichos ou visões parcelares da realidade. Não podemos implodir uma PPP na Saúde como a de Vila Franca de Xira, sem assegurar que a gestão pública melhora as respostas e os serviços à população. Não é afirmação ideológica, é burrice. Primeiro criam-se melhores condições no público, dá um prazo de transição a quem supriu as incapacidades do Estado e depois inverte-se a prestação de serviços.

Portugal está a acolher sinais de extremismos, populismos e radicalismos catalisados pelas opções do exercício político, pela insuficiência das funções vitais do Estado e pela incapacidade dos Democratas de ajustarem o funcionamento do sistema ao novo tempo. Há uma irritação latente e estados de alma que, sendo expressão de pluralismo, não correspondem ao sentido de equilíbrio que deve estar presente na condução dos interesses públicos de uma nação europeia com as especificidades da nossa. Essa irritação já teve expressão nas autárquicas e pode voltar a manifestar-se, sobretudo por reiterada indiferença perante os sinais.

Em 2022, fazemos votos para que exista mais atenção em relação a alguns pilares importantes da gestão da coisa pública e da configuração do funcionamento da sociedade.

Explicação e critério. Há muitas opções políticas que não apresentam nenhum racional visível. Não é descortinável o critério ou sentido das mesmas. A essa realidade soma-se a ausência de explicação de quem as toma, como se não estivessem obrigados a um escrutínio e explicação pública. Acham mesmo, que no quadro de tantas dificuldades, ninguém deve explicar o sentido concreto da injeção de mais 853 milhões na TAP e no Novo Banco, num tempo em que não há parlamento. É que são milhões que resolveriam boa parte dos problemas estruturais do Interior do país ou da vida nas cidades.

Previsibilidade. No que conta para a vida das pessoas e para a organização da sociedade, onde se inclui a economia e o funcionamento do mercado, precisamos de previsibilidade, não de alterações em função de quem está no poder, que são revertidas pelos seguintes, num vai e vêm sem capacidade de gerar soluções para os problemas de sempre e para os novos desafios.

Justiça e equidade. Não se trata só de pôr ordem num sistema judicial disfuncional e, demasiadas vezes, arbitrário, dependente dos estados de alma dos operadores, dos compromissos com os media e de territórios que aparentam estar arredados da autoridade do Estado de Direito Democrático – terras sem lei –, mas de impor a necessidade de tratamento igualitário das situações iguais e de respeito pelos cidadãos, nos direitos e nos deveres, sejam ou estejam onde estiverem.

Coesão. Não é possível a persistência da perceção e da realidade de que há recursos que são sempre afetos aos mesmos, de que há quem fique para trás, porque sim. Ou melhor, porque não conta para quem decide, por ausência de peso, de escala demográfica ou de proximidade demográfica. Portugal precisa de ser um todo e sê-lo de forma sustentada, sem ziguezagues em banda larga, sempre que mudam as maiorias políticas. Além dos slogans, era bom que a campanha eleitoral proporcionasse um debate sobre o balanço entre o combate efetivo à pobreza e exclusão social e a valorização do potencial produtivo do país, entre o apoiar para dar asas e o estimular quem já as tem e por vezes só precisa que a burocracia não estrague.

São muitos os votos possíveis para 2022, alguns passam por 30 de janeiro, outros são coisas para construir em cada dia do ano, com saúde e sentido de futuro, até porque o passado já não dá para reescrever, a menos que exista por aí algum Estaline encartado.

Notais finais

Votado ao abandono, mas paga. As portagens voltaram a aumentar. Algumas das vias portajadas apresentam uma manutenção deplorável, que prejudica a segurança rodoviária, vide alguns troços da A2 e a A8.

Votado ao atraso, mas concessiona. O serviço postal é deplorável. Dizem que o Estado se prepara para renovar a concessão, com que garantias de melhoria do serviço prestado, especialmente relevante nos territórios do Interior do país?

Votados ao afastamento, mas com novas comissões. Tirar com uma mão e com a outra parece ser a nova orientação dos banqueiros. Dos contribuintes receberam injeções de dinheiro, aos contribuintes continuam a cobrar mais comissões, enquanto encerram mais balcões de proximidade. Se o Ministro das Finanças não pagar a ninguém tem uma execução orçamental sublime.