A quinta vaga


Ou nos preparamos agora ou vamos sofrer mais à frente as consequências da nossa inação – não deveria ser preciso lembrar sequer que, a pretexto de se “salvar o Natal” de 2020, foram perdidas semanas na implementação de medidas.


Não é uma questão de “como”. Muito menos uma questão de “se”. É tudo uma questão de “quando”. Quando irá Portugal enfrentar a quinta vaga pandémica em crescimento aceleradíssimo por toda a Europa?

O velho continente é, de novo, o epicentro da pandemia. A Reuters estima as infeções estejam a aumentar em ritmo acelerado em 55 de 240 países do mundo. Quase todos na Europa, onde se registam 1 milhão de novos casos a cada quatro dias.

Há sete semanas que morrem, em média, 3600 pessoas por dia no espaço geográfico em que o nosso país se inclui.

A Alemanha está com a maior incidência de casos desde o início da crise de saúde pública, há quase dois anos. Atingiu a marca de 201,1 casos por 100.000 habitantes esta segunda-feira e um número recorde de 37.120 novas infeções em 24 horas na sexta-feira passada.

Ao lado, em França, a situação não é tão grave mas está a ser acompanhada com muita preocupação pelo governo de Paris. À hora em que escrevo estas linhas, o presidente Emmanuel Macron tinha prevista uma comunicação ao país para apresentar uma revisão do seu plano de combate à covid-19, com os media a anteciparem a reintrodução da obrigatoriedade de máscaras nas escolas e outras medidas restritivas.

A Leste e no Báltico, há comunidades em confinamento e várias medidas duras implementadas.

Perante este quadro, a Organização Mundial de Saúde deixou recentemente um alerta que deve ser ouvido com muita atenção: seguindo a atual trajetória de contágio, a Europa poderá vir a lamentar mais meio milhão de mortos até fevereiro.

Há quatro fatores a servirem de acelerador da pandemia.

Primeiro fator, a chegada em força do inverno. Uma das coisas que já aprendemos com a pandemia é que esta é a altura do ano em que o vírus tem mais condições para se propagar, somando-se também ao coronavírus as doenças respiratórias sazonais.

Segundo fator, a variante Delta. A mais perigosa das variantes é, pela primeira vez este inverno, a estirpe dominante nas nossas comunidades. Contam-se pelo menos 250 milhões de infetados pela covid-19 em todo o mundo. Com as variantes iniciais, só se chegou à marca dos 50 milhões de infetados ao final de doze meses. Mas com a variante Delta, há 50 milhões de infetados a cada três meses.

Terceiro fator, a assimetria vacinal nas sociedades ocidentais. Por razões políticas, identitárias ou de organização logística interna, os países europeus apresentam níveis de vacinação muito díspares. Portugal, por exemplo, reporta 88.6% da população com duas doses administradas. Em Espanha, logo aqui ao lado, a percentagem desce para os 81.4%, em França cai para os 75.7% e na Alemanha vai ainda mais baixo para os 68.8%.

Quarto fator, o alívio das restrições. As sociedades liberais não podem viver permanentemente amputadas das suas liberdades e direitos; a economia não pode continuar parada; a crise social não pode agravar-se sob pena de se morrer da cura e não da doença.

Acredito que, para muitos cidadãos, o alarme cause perplexidade. Muitos perguntam-se se a vacina afinal já não resolve o problema. Que não haja nenhum espaço para dúvida: a vacina é essencial, crítica, para que cada um se defenda a si e aos outros contra este maldito vírus. Basta olhar para quebra no número de internamentos nos hospitais e para o achatamento do número de óbitos em função do número de casos. Acontece, porém, que nenhuma das vacinas é 100% eficaz.

Razão pela qual é essencial que as pessoas e os governos mantenham a guarda e atuem em conformidade.

Manter a guarda como?

As pessoas, individualmente, usando máscara e evitando espaços fechados com grandes aglomerações de pessoas. Recuperando as regras da etiqueta respiratória. Vacinando-se e convencendo os seus familiares e amigos de mais idade a tomarem a terceira dose de reforço contra a covid-19.

Os governos, fazendo o que é preciso fazer sem olhar a sondagens ou votos.

Portugal tem uma curtíssima janela temporal para fazer o que é preciso ser feito antes que a quinta vaga nos atinja em toda a sua força. Basta olhar para o que estão a viver os nossos concidadãos europeus e antecipar as medidas de contingência.

Há países a alargar muito rapidamente a toma da dose de reforço a todas as pessoas com mais de 50 anos. Outros a reintroduzir o uso obrigatório de máscara. Outros ainda a aconselhar o teletrabalho e o distanciamento em restaurantes e espaços públicos fechados.

E nós? Quais são os planos das nossas autoridades?

Portugal não é uma ilha. Ou nos preparamos agora ou vamos sofrer mais à frente as consequências da nossa inação – não deveria ser preciso lembrar sequer que, a pretexto de se “salvar o Natal” de 2020, foram perdidas semanas na implementação de medidas. Esse erro por omissão viria a revelar-se fatídico para milhares de famílias portuguesas.

Seria imperdoável cometer erros da mesma natureza.

O ambiente pré-eleitoral não pode condicionar a tomada de decisões por parte das autoridades.

Os portugueses perceberão muito bem que quem for condicionado por cálculos político-partidários, na ação ou na omissão, na oposição ou no governo, não será um líder à altura das exigências dos nossos tempos.

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira com vista para o atlântico