Evergrande. Gigante com pés de barro pode arrastar economia global para o fundo?

Evergrande. Gigante com pés de barro pode arrastar economia global para o fundo?


Implosão da empresa mais endividada do planeta pode ser a primeira peça do dominó da próxima grande crise económica. Mercados acompanham a situação com ansiedade.


Os mercados internacionais acordaram bem conscientes de que a próxima grande crise económica pode nascer na China. Mais concretamente, com a implosão da Evergrande, um gigante do imobiliário chinês, uma das empresa mais endividada do planeta, com cerca de 300 mil milhões de dólares (mais de 250 mil milhões de euros, ou seja, bem mais que o PIB português) em dívidas. À medida que se aproxima o prazo para a Evergrande pagar quase cem milhões de dólares em juros, na quinta-feira, segundo a Bloomberg, os investidores pelo mundo fora aguardam com ansiedade para ver qual a real liquidez desta empresa. E para saber se Pequim está disposto a abrir os cordões à bolsa para a salvar.

Caso a Evergrande caia, “as repercussões teriam um longo alcance”, avisou Mattie Bekink, analista da Economist Intelligence Unit, à BBC. “A Evergrande declaradamente deve dinheiro a 171 bancos domésticos e a 121 outras firmas financeiras”.

O risco é de contágio, de que se entre naquilo a que se chama credit crunch, ou seja, quando empresas têm dificuldade em pedir dinheiro emprestado a juros acessíveis, impedindo-as de investir mais e logo de crescer, num ciclo vicioso, que poderia devastar a economia chinesa, a segunda maior do planeta, e até além-fronteiras. Aliás, esta segunda-feira, mesmo estando ainda na expectativa, o índice de Dow Jones caiu 615 pontos, ou 1,8%, batendo no nível mais baixo dos últimos dois meses.

Se lê esta notícia e tem uma sensação de deja vù, talvez seja por recordar o banco de investimento Lehman Brothers, que ao declarar falência desencadeou a brutal crise financeira de 2007-2008. À semelhança do que então ocorreu, alguns analistas estão preocupados que a Evergrande possa ser “a primeira peça do dominó a cair, desencadeando um risco sistémico semelhante ao Lehman Brothers”, notou Ryan Detrick, analista da LPL Financial, citado pela Forbes.

Outros garantem que o risco de algo assim é baixo. Porque, por um lado, o endividamento da Evergrande é diferente do sucedido no Lehman Brothers, que apostou em produtos financeiros à base de hipotecas, levando a uma crise de confiança nos investidores que alastrou, enquanto o gigante chinês se endividou com empréstimos a bancos, algo mais alicerçado, notou a Fortune. Além disso, Pequim mantém uma mão firme sobre o seu setor financeiro, ao contrário do que fazia Washington. “Simplesmente não existem as condições para mesmo uma grande falência ser o momento Lehman da China”, escreveram estrategas do Barclays, citados pelo jornal.

 

Império com pés de barro

Sediada na cidade de Shenzhen, no sul da China, a Evergrande foi fundada pelo bilionário Xu Jiayin, que possui uma fortuna pessoal avaliada pela Forbes no equivalente a mais de nove mil milhões de euros, e que em tempos chegou a ser o homem mais rico da China.

Este conglomerado cresceu à boleia do boom da construção chinês. Pelo meio, tornou-se proprietária de mais de 1300 projetos de grande escala em mais de 280 cidades. Além disso, aproveitou o surgimento de uma enorme classe média chinesa, com crescente capacidade de consumo, para investir em estádios desportivos, parques aquáticos, veículos elétricos ou produtos alimentares de todo o tipo.

Aliás, a empresa até comprou o Guangzhou FC, que rebatizou de Guangzhou Evergrande, que sonhava rivalizar com clubes europeus, e foi inundado com dinheiro, comprando jogadores como Jackson Martinez ao Atlético de Madrid, por 42 milhões de euros, em fevereiro de 2016. Até anunciaram a construção do estádio “Flor de Lótus”, um projeto assombroso, literalmente com a forma dessa flor, com custo avaliado no equivalente a quase 160 milhões de euros, capacidade para 100 mil espectadores, um símbolo das ambições do clube mas também da prosperidade da Evergrande.

Contudo, esse império começou a ruir quando Pequim impôs regras para impedir a especulação imobiliária e o endividamento excessivo. No que toca à Evergrande, a saúde financeira já não estava grande coisa: dependia de empréstimos e chegou a pressionar funcionários a investir na empresa, notou o Guardian. E este mês deixou de pagar os juros desse esquema. No último ano perdeu 84% do seu valor em bolsa.

O resultado foi que a Evergrande teve de vender imóveis à pressa, a preço de saldo, para mostrar liquidez e pagar dívidas. Mostrando que afinal a Evergrande era um gigante com pés de barro, mas que se tornara demasiada grande para se deixar cair, sustentando indiretamente mais de 3,8 milhões de empregos. Ainda que Pequim possa muito bem decidir deixá-la cair na mesma, como sinal aos restantes especuladores de imobiliário, notou o diretor do Global Times, Hu Xijin, próximo do regime.