Mais uma vez, o país virou estaleiro de obras. Para a generalidade dos leitores nem é preciso fazer grandes viagens para tal constatar. Basta colocar um pé fora da porta de casa e, zás, cai na realidade pré-eleitoral.
Quando se percorre o país de Sul a Norte, por estradas nacionais, parando aqui e ali, as obras são uma constante. Em muitos casos não se percebe a respetiva racionalidade, sobretudo da escolha do período para a sua execução. O que leva, por exemplo, uma autarquia a programar para os meses de Verão o fecho, para arranjo urbanístico, da avenida marginal que dá acesso às praias e às áreas de restauração? Não se compreende tal escolha, de todo, de modo particular em ano em que o setor da restauração procura recuperar das perdas originadas pela pandemia. A única razão que se consegue perceber é de natureza oportunista, motivada pela proximidade de eleições, em que os interesses do autarca se sobrepõem aos da comunidade que o elegeu e ele jurou servir.
O autarca é um gestor profissional, pago para gerir os recursos de uma autarquia. Como tal, os incentivos pessoais que o motivam não se distinguem, sobremodo, dos defrontados pelo gestor que é contratado e pago para gerir uma qualquer empresa. Este sabe que a única forma de manter o lugar que ocupa e ver a sua remuneração subir é apresentar bons resultados aos acionistas. Lucros substanciais que permitam distribuição de confortáveis dividendos e que sosseguem a banca quanto ao recebimento dos empréstimos concedidos. Quando isso não acontece, para além de poder perder parte da sua remuneração, ou até ser despedido, é também a sua reputação no mercado de trabalho dos gestores que estará em risco. Por isso, ele defronta-se com um incentivo que o leva a usar de todos os meios ao seu dispor para evitar tal situação. Meios que, em situações mais extremas, podem passar pela manipulação dos dados contabilísticos para que o balanço de fim de período possa mostrar resultados que não desiludam os interessados – acionistas e banca – quanto ao desempenho da empresa. Atitude oportunista, obviamente, em que os interesses do gestor se sobrepõem aos da empresa, em que a ilusão criada nesses interessados é feita a expensas desta, seja em termos de pagamento de impostos que na realidade não seriam devidos, seja no esconder das dificuldades daquela e no correspondente protelamento da adoção de soluções para as resolver.
Volte-se ao autarca. Ao programar as obras públicas para a véspera das eleições, ele procura criar também uma ilusão nos munícipes, de que é dinâmico, de que concretiza, de que mostra obra feita. No seu caso, a manipulação dos dados contabilísticos, no sentido de eventualmente mostrar uma maior superavit da gerência, não funciona, pela maior rigidez das regras contabilísticas do setor público e, sobretudo, porque os seus munícipes não estão treinados para avaliarem o seu desempenho a partir dos resultados contabilísticos. Ao fazer obra em cima das eleições, procura apagar das memórias a lembrança das faltas de pequenas obras que teriam melhorado a qualidade de vida dos munícipes, mas que, durante quase quatro anos, não houve vontade de concretizar. Em substituição dessas lembranças amargas procura inscrever uma imagem positiva do seu desempenho. Poder-se-á pensar que este é um jogo de “soma nula”, em que no fim não há prejudicados. Não corresponde à realidade. Para além dos transtornos e impactos negativos para os munícipes, como os que se referiram no início da crónica, há custos económicos concretos: o preço mais elevado de adjudicação das obras, resultante da acrescida procura dos serviços das empresas de construção e obras públicas em véspera de eleições; a menor qualidade da concretização das obras, por via da maior pressão para serem terminadas em tempo e, eventualmente, de uma fiscalização camarária menos atuante no acompanhamento das empreitadas em curso. Ou seja, a atitude pré-eleitoral do autarca, a procura de criação de uma imagem pessoal mais favorável junto dos seus munícipes, é feita a expensas dos recursos financeiros da autarquia, ou seja, a expensas daqueles.
Portanto, quer no caso do gestor da empresa, quer no do autarca, as respetivas intervenções manipuladoras têm custos efetivos para a entidade – empresa ou comunidade – que os contratou (elegeu). Há uma diferença, no entanto: no primeiro caso, é difícil aos utilizadores da informação financeira perceberem que o resultado contabilístico reportado está manipulado e, portanto, que o gestor os está a defraudar; no segundo, o do autarca, a evidência está à vista, a obra (em curso) fala por si. Só é enganado quem quer.