Voltamos novamente à época dos incêndios, nada muda de ano para ano, parece que os episódios se repetem constantemente…
Repetem-se ao longo dos anos e poderão continuar a repetir-se pelos anos fora e até com pior incidência e com maior gravidade, atendendo a que em termos de planeamento e ordenamento do mosaico florestal, da lotação de espécies, nada muda.
Deve-se alterar profundamente a paisagem florestal, no sentido de fazer infraestruturas de linhas de corta-fogo, de levar a cabo uma definição estratégica de compartimentação da floresta e de uma revisão profunda e de implementação no terreno – em termos de legislação nada falta – para orientar num sentido completamente diferente o território florestal português.
E isto, deve ser feito a partir de três perspetivas: ambiental, de segurança das pessoas e criação de riqueza, porque a floresta é uma fonte de criação de riqueza e Portugal não a sabe aproveitar. De tal forma que, Portugal, sendo um país florestal e tendo indústrias transformadoras, tem necessidade de importar madeira para ser transformada e Portugal não retira disso as mais-valias.
Retira o mau que vem dos incêndios florestais, mas não retira o rendimento que a floresta pode dar e, ainda por cima, temos de enfrentar todos os anos incêndios florestais ou rurais e isso é uma mise-en-scène que podem atingir a qualquer momento situações de catástrofe tais como aconteceu em Pedrógão Grande que pode não vir a ser caso único. Alias, é algo que poderá vir a acontecer no futuro, com maior frequência porque cada vez mais a nossa floresta está pior. E aí responsabilizo os políticos do setor: o ministro da Agricultura, secretários de Estado das Florestas, o ICNF, aqueles que após o 25 de Abril não foram capazes de modernizar a nossa floresta e encontrar antídotos que pudessem resolver o êxodo das populações do interior para o litoral, o envelhecimento das populações, a falta da necessidade de utilização das madeiras, dos matos, ou seja, de todo um conjunto de situações de produção agrícola.
Ao mesmo tempo que a floresta tem crescido selvaticamente, tem vindo a aumentar em quantidade de hectares a floresta mais mal tratada com o abandono da agricultura. Isso acontece devido ao envelhecimento das populações, ao êxodo das populações. Mas vamos à questão do envelhecimento: já não têm capacidade física para potenciar e desenvolver os trabalhos da floresta e, ainda por cima, não têm capacidade financeira nem rendimento suficiente para tratar esse espaço. E o rendimento que têm é para a sua alimentação, para os medicamentos e para um conjunto mínimo de qualidade de vida.
Conclusão: perdemos produção agrícola de boa qualidade e transformamos a floresta num espaço completamente desordenado. Além disso, todos sabemos que 96 ou 97% da floresta portuguesa é propriedade privada. Mas se compararmos essa propriedade privada com os 3 ou 4% do Estado, a do Estado está tão mal tratada ou pior do que a propriedade privada.
Se há legislação nessa matéria, o que é que falta? Vontade, verba?
Há verba que é anunciada para as infraestruturas florestais e tantas vezes é repetida que de milhares passa a milhões. Mas essa conversa é muita parra e pouca uva. Em Portugal não faltam técnicos com competências para fazer uma floresta do melhor que há na Europa.
Nos meus tempos de deputado e de presidente de Câmara – e foram muitos anos com responsabilidade neste setor da proteção civil onde as florestas estavam incluídas – estive em vários países da Europa com deputados, com presidentes de Câmara, com experts na matéria e havia discussões em que os portugueses davam autênticas lições de como é que se faz um ordenamento e um planeamento florestal.
Mas depois os resultados estão à vista…
Mas isso obriga a que os políticos tomem decisões. Não é andar a fazer o livro rosa, o livro branco, o livro laranja, o livro vermelho para depois porem nas prateleiras da Assembleia da República. Isso não tem interesse nenhum e muita da legislação que está por lá não se aplicou. Pedrógão Grande devia ser um exemplo do mal que aconteceu. Claro que há muitas coisas para falar sobre Pedrógão Grande.
Da própria falta de preparação das populações, que em alguns aspetos se suicidaram, saíram das suas casas onde estavam em segurança e foram para o meio do fogo onde morreram. Como em outras zonas ficaram em casa e morreram na mesma, parece que é preso por ter cão e preso por não ter. Mas isto é a demonstração inequívoca da incapacidade de planeamento das estruturas portuguesas mesmo quando o incêndio está a eclodir. Os bombeiros são operacionais para apagar, agora já há outros também a GNR, os sapadores florestais e há entidades que têm responsabilidades específicas. As funções de deteção e de vigilância é da GNR e das polícias.
Também no que toca à evacuação das populações, o papel principal cabe à GNR. Aos bombeiros cabe um papel mais complicado e que têm vindo a ser capazes porque têm tido mais formação, maior capacidade de intervenção e porque tem melhorado um pouco o seu parque automóvel apesar de ainda estarem carros antigos com 10, 15 e 20 anos a circular. Mas há esse exército dos soldados da paz e da vida, que estão sempre disponíveis.
A maioria esmagadora dos bombeiros são voluntários e são eles que ainda conseguem evitar males maiores. Mas o problema está a montante e diz respeito ao planeamento e ordenamento da floresta e às estratégias de intervenção florestal, que não se fazem. Isto é problema cultural de fundo da sociedade portuguesa. Os próprios baldios das associações são um verdadeiro falhanço, há algumas que funcionam – chamo associações de compadres – mas foi um erro tremendo.
A maior parte das freguesias a quem as associações não foram capazes de levar por diante o projeto entregaram às freguesias e agora estas estão a entregá-las às celuloses, que visam o lucro. Com certeza que a propriedade florestal gerida pelas celuloses está mais segura, mas assistimos a uma autêntica massificação do eucalipto.
Não sou contra o eucalipto, há eucalipto que se planta onde se pode plantar, mas há eucalipto onde não se pode plantar e tem de se plantar outras espécies, tem de se fazer um mosaico florestal com espécies autóctones resistentes ao fogo a acompanhar as tais infraestruturas de linhas corta-fogo, de aceiros, de valsas de água, de um conjunto de pontos estratégicos para melhor implementação da estrutura de combate.
Não podemos esquecer – e é bom que se diga isto – que só 4 ou 5% dos incêndios florestais são causadores por 96% da área ardida. Portanto, os outros 96% são incêndios apagados logo à nascença, duram uma hora, uma hora e meia, duas horas. Ainda assim, este dispositivo para 2021 está muito melhor, há um bom relacionamento hoje que não havia há meses atrás com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, discutem-se as coisas, fala-se do plano, aprova-se o plano de intervenção, o plano operacional.
Depois há um outro plano que é a diretiva financeira, nessa há divergências, mas também conseguimos equilibrar mas fica muito aquém das despesas que os próprios bombeiros fazem em relação a toda a sustentação do sistema e temos de ver que é uma guerra com duas frentes de batalha: é o fogo propriamente dito e é também a covid-19, uma vez que há muitas movimentações de bombeiros, e tudo isto entra na estrutura dos bombeiros.
É quase como por uma raposa dentro da capoeira…
É. E está bem demonstrado com o que se passou no ano passado, em que os bombeiros foram capazes de superar as batalhas, ganhar a guerra. Ao contrário do que muita gente pensa, os bombeiros são o enteado, são o filho bastardo de todo o sistema de apoios económicos e financeiros. Há associações que estão e sempre estiveram em debilidade financeira e, muitas delas, estão a um passo da insolvência.
Maioritariamente os bombeiros pagam para socorrer. Os incêndios florestais só representam 7% da nossa atividade. Fazemos 95% da atividade do INEM a custos 70% abaixo dos custos do INEM com os mesmos conhecimentos, com as mesmas capacidades, com o mesmo profissionalismo. Em nada, os tripulantes das viaturas do INEM são superiores aos dos bombeiros. Somos responsáveis por 98% do socorro em Portugal. Os transportes de doentes não urgentes são todos feitos pelos bombeiros.
E o que as pessoas pensam é que há um pagamento de x por quilómetro, mas com o aumento do salário mínimo nacional, com o aumento do preço dos combustíveis e dos custos da reparação das viaturas, 10 cêntimos não chegam para equilibrar, nem sequer é para dar lucro.
Os bombeiros portugueses não querem ganhar dinheiro à custa de serviços que prestam, querem é ser úteis à sociedade que os viu crescer e que os criou. Os bombeiros portugueses são, na sua maioria esmagadora, uma emanação direta das populações. Nascem delas, convivem com elas e morrem por elas. Os Governos e o Estado em si, ao longo do tempo, têm gozado, desrespeitado e ofendido este grande exército de mulheres e homens, em que a grande maioria continua a fazer o voluntariado.
Mas a verba podia vir de onde? Dos cofres do Estado?
Das próprias companhias de seguros, de onde vinha mas que foi desviado, agora é para o INEM. Vinha do totobola e do totoloto, do euromilhões não vem nada para os bombeiros. O Estado tem a obrigação de salvaguardar as vidas das suas populações, tem de criar condições de qualidade de vida aos cidadãos, na saúde, na justiça, na educação, também na economia e também na proteção civil. Os bombeiros são a grande força da proteção civil.
E há uma coisa: Portugal sem os bombeiros era uma miragem. Podem criar superstruturas mas estas só estão instaladas nas grandes cidades e nas grandes vilas, por isso é que só há 25 corpos de bombeiros sapadores e só cobrem as zonas que são mais populacionais.
Quem é que cobre o espaço territorial português de ponta a ponta? O espaço mais recôndito e mais abandonado, onde o centro de saúde, os médicos, as farmácias, os bancos estão a quilómetros de distância? Há um êxodo muito grande para o litoral, depois com os problemas gravíssimos que isso cria ao litoral, em termos de habitação, de qualidade de vida, de prostituição, de roubo, enquanto se vai deixando envelhecer as populações dessas terras e sem nada fazer por elas.
Essas populações estão abandonadas e as terras só têm movimentação quando lá vão os bombeiros acudir às pessoas que estão sem ninguém. Se não for o bombeiro, anjo-da-guarda, não vai lá ninguém. Fizeram-se superstruturas da GNR que são responsáveis pela deteção, mas a vigilância e a deteção tem de ser ao milionésimo de segundo.
Os portugueses e a comunicação social, principalmente as televisões, só mostram os grandes incêndios mas não são capazes de dizer que, naquele momento em que há aqueles grandes incêndios e estão lá 500 bombeiros, 600 ou mil a trabalhar, há 50, 70, 80 incêndios a lavrar por esse país que os bombeiros estão a apagar ao momento. Há insuficiências mas não é dos operacionais no terreno.
Há efetivamente falhas de organização que têm de ter uma inversão de 180 graus, mas agora não é altura para se falar sobre isso, é uma altura em que é preciso serenidade e confiança nos operacionais e esta pode existir porque somos os melhores bombeiros da Europa e do mundo.
Mas se não tiverem condições…
O problema é que há falta de organização estrutural no combate e isto não quer dizer que não haja um bom relacionamento com a autoridade. Mas há que reformular muitas mentalidades, há que acabar com muitas vaidades e tratar as coisas como devem ser tratadas. É preciso fazer bem aquilo que já se sabe, mas deve-se fazer melhor. E todas as forças que estiverem escaladas para o teatro de operações têm de estar sempre empenhadas a trabalhar, não têm de estar à espera que lhes deem ordens. Muitas vezes não atuam porque estão à espera que lhes deem ordens, isso não pode existir.
Às vezes um segundo ou dois de hesitação…
Cada responsável pelo seu setor tem de ir para o terreno e fazer aquilo que deve fazer, na frente de batalha, não é estar a espera do incêndio aqui, ali ou acolá e perguntar se o incêndio está ali porque é que não se vai ali. Todos aqueles que vão a caminho para um teatro de operações já devem ter as indicações para o caminho onde devem estar em estrada e não têm de estar à espera, como muitas vezes acontece. “Ah, eu não avanço porque estou à espera de ordens”. Há falhas numa estrutura que tem de ser muito mais afinada, trabalhada para que determinadas situações que o próprio povo levanta e que gostaria que não tivessem razão, mas que em alguns aspetos têm razão.
Também se fala muito dos atrasos…
Estas pequenas que podem ser grandes questões têm de ser reavaliadas, auditadas e corrigidas. Nunca se pense que o que aconteceu em Pedrógão foi por falta de capacidade, falta de intervenção ou falta de conhecimento. Não foi. Foi por aquilo que disse e continuo a dizer: a nossa floresta é um espaço contínuo de combustível.
É uma bomba-relógio?
O Estado fez ouvidos moucos, durante muitos anos, face aos que os cientistas diziam sobre o aquecimento global do planeta, às baixas taxas de humidade, aos ventos atípicos, à nossa localização na influência do Mediterrâneo que nos tornou num país de crescimento muito rápido em termos de floresta. Como disse, 97% da floresta é privada e o individual não se pode sobrepor ao coletivo.
E, para isso, tem de se criar legislação: não é expropriação dos terrenos, não é retirar os terrenos às pessoas, é uma lei expropriante de utilização do espaço florestal em que o cidadão tem de deixar que o seu espaço florestal seja incluído num projeto porque não se pode fazer planeamento e ordenamento em pequenos projetos. Tem de ser em grande e receberá uma percentagem igual do rendimento como todos os outros.
Mas há multas para quem não faz as limpezas. Foi insuficiente?
Isso é uma mise-en-scène, é um paliativo. Claro que há outra sensibilidade depois do incêndio de Pedrógão, mas se formos hoje à região vemos tudo como estava ou ainda pior. A nossa floresta nunca esteve tão mal como está hoje. Há quantos anos o atual presidente da Liga e atual presidente dos Bombeiros e da Câmara e da Associação de Municípios dizia que tinha de se fazer uma floresta diferente e que se devia rapidamente fazer o cadastro? Porque não se fazendo o cadastro para se ver quem é a floresta, não se pode fazer legislação. Não se consegue descobrir os proprietários.
Era essa a primeira coisa a fazer no cadastro da floresta portuguesa. Ainda hoje, uma grande parte da floresta portuguesa não está cadastrada. Essa é uma demonstração inequívoca do falhanço do Estado. É incompetente e não foi capaz. E, portanto, tem de assumir essa responsabilidade. Posso lá aceitar que há cerca de quinze dias, o ministro do Ambiente venha dizer que ia pôr os viveiros do Estado a produzir espécies para fazer plantações de árvores, espécies autóctones, mas o que é isto?
Entregar isso aos viveiros do Estado é fazer como o caracol: devagar, devagarinho, parar, fazer marcha atrás… Tem é de criar com os produtores florestais, com os viveiristas do nosso país, para que produzam em quantidades industriais árvores e sensibilizar as populações, criar grandes brigadas, mas com manchas definidas e planeamento. Não é fazer o show off para a fotografia e para as televisões, onde aparece o ministro, o senhor primeiro-ministro, o Presidente da República a plantarem uma árvorezinha. Isso não é nada. Isso é enganar os portugueses.
E é isso que tem acontecido ao longo de todos estes anos. Há 30 anos um ministro virou-se para mim e disse: “Ó senhor presidente, já perdemos 30 ou 40 anos na prevenção estrutural daquilo que não fizemos” e eu disse: “Está enganado, não foi 30 ou 40, foi 60 ou 80. Porque em 30 ou 40 não fizemos nada e tivemos mais 30 ou 40 para fazer alguma coisa”. Uma reforma da floresta devidamente organizado pode ter uma grande influência das freguesias e dos municípios em termos de definição de zonas específicas desta e daquela espécie… Isso tem de ser feito e bem orientado.
São os planos de reordenamento do território, mas têm de ser devidamente integrados nos Planos Diretores Municipais e tratar a floresta, em termos da sua organização, como fazemos com os planos de organização para as zonas urbanas. Temos de tratar a floresta da mesma forma como se trata o espaço urbano e fazer exigências que até podem acabar em coimas se as pessoas não cumprirem.
Diz-se assim: “Limpar à volta das casas”, mas estamos a falar do espaço rural e das povoações. É o Estado, através das freguesias e dos municípios, que faz isso porque muitas pessoas, como há pouco já referi, não têm capacidade física, nem financeira, nem idade que lhes permite nem fazer isso. E fazer a limpeza 50 metros à volta das populações…
E o resto?
150 metros de perímetros industriais é dizer: “Com isto, a população está segura, põe uns megafones e uns depósitos de água”. Isso ajuda numa primeira emergência. Mas, quando vem um incêndio por essas serranias acima, direito às populações, porque estão sempre plantadas em zonas estratégicas, expostas ao sol, porque os antigos não tinham frigoríficos, nem ar condicionado e no inverno tinham de fazer as casas em pedra para o frio não ser tão forte e o calor não entrar tão forte, mas tinham de ser expostas ao sol para que no inverno a vida fosse melhor.
Todas aquelas povoações, se for ver, estão encravadas nas serras, até nos planaltos. O fogo lavra por aquelas chaminés acima. Não se pode tirar de lá as pessoas idosas, mas devia-se criar empresas, nessas zonas, onde se fazia pastorícia, criava-se rebanhos de cabras, aumentava-se a produção de leite e da carne, da rentabilização da floresta, criava-se espaços de trabalhar a própria madeira, fazia-se fábricas, zonas de estilhagem de madeira próximas das zonas de maior risco. Agora vamos a sítios de pinheiro bravo em que estão a cinco centímetros um do outro.
E assim propaga-se mais rapidamente o incêndio…
O Estado devia intervir nisso. Apesar de terem bombeiros, meios aéreos, muitas coisas para ajudar, há uma excessiva massificação da plantação e isso é mau. É expurgar até ao tutano os próprios terrenos. Retirar-lhe tudo e mais alguma coisa. As árvores têm de se alimentar de alguma coisa.
É rentabilizar ao máximo?
O lucro é que orienta a sua postura. Não é mais nada. E o lucro, quanto mais fácil for, melhor. Apesar de os bombeiros estarem mais bem preparados há coisas que têm de ser alteradas, vistas, retificadas e implementadas, mas isso vamos sempre aprendendo com os erros. É preciso assumir e corrigir os erros.
Do lado do Governo acha que é possível?
Por isso é que falo do Estado, não falo deste Governo nem de outro. São todos a mesma coisa. Estiveram ministros e secretários de Estado da Agricultura e das Florestas e foram todos uma aberração autêntica e não fizeram nada. Durante quase 40 anos, fui presidente de uma Câmara e tive grandes guerras com indivíduos que compravam terrenos e só não plantavam eucaliptos nas estradas.
Quantas vezes, não cumprindo a lei, porque não tinha competência para o fazer, punha funcionários da Câmara a arrancar aqueles eucaliptos todos numa faixa de dois ou três metros. Mas estou a falar de há 40 anos, não de há 15 dias. Há casos em que arranquei os eucaliptos, puseram-me em tribunal e a Câmara foi penalizada.
Mostra que não aprendemos com os erros…
Não aprendemos nada e depois arranjam-se bodes expiatórios e há situações, como acontece em Pedrógão Grande, em que querem culpabilizar pessoas que não têm culpa nenhuma. A floresta estava assim e o comandante dos bombeiros fez o que tinha que fazer. Pôs a carne toda no assador. E não tem culpa o indivíduo da EDP pelo crescimento das árvores, nem do impacto do calor no arco voltaico. Ele tem alguma culpa? Não tem.
O presidente da Câmara foi constituído arguido…
Muitas vezes, os presidentes das câmaras nem têm dinheiro para pôr as manilhas para as pessoas passarem na estrada. Nem tinham dinheiro para eletrificar melhor a terra, nem para pôr melhores condutas de água e têm dinheiro para limpar a floresta que nem é da Câmara Municipal? Mas andamos a enganar quem? Queremos bodes expiatórios.
E os vários Governos são hábeis em transferir competências para os municípios, mas a mochila financeira, quem é que a tem? Há muitos presidentes de Câmara que estão a ir no engodo na área da saúde, na área da educação, na área da proteção civil e de um dia ficam com as responsabilidades todas em cima e não têm dinheiro para pagar nada disso.
Não é só a responsabilidade, exige uma despesa…
Este programa que foi apresentado à Comunidade Europeia é uma vergonha. Por exemplo, o dinheiro para a formação dos bombeiros são 600 mil euros para três anos. São coisas mínimas. Quando Portugal ficar sem os seus bombeiros, fica completamente desguarnecido.
Mas é uma profissão cada vez menos atrativa?
Nem é uma profissão porque a maioria são voluntários. Ainda não perderam esse espírito. Se for por esse país fora, há equipas de infantes e cadetes, já são mais de 3 mil. E os pais vão lá com os filhos. É uma escola de virtudes. É um tesouro, uma riqueza. Em país nenhum da Europa e do mundo um quartel de bombeiros tem um conjunto de missões, nas várias atividades de socorro, como tem em Portugal.
Mesmo nas terriolas abandonadas, um quarto de hora ou meia hora depois tem lá uma ambulância. Se for a Espanha, espera cinco e seis horas. E é uma empresa. E para os fogos é uma grande estrutura que tem cinco unidades militares de emergência. Mas para desencarceramentos é outra. Para tirar um gato da chaminé é outra. Se for para tirar um enxame de abelhas é outra. Aqui, isso concentra-se tudo num quartel de bombeiros e cobrimos o país todo.
E como vê notícias como se viu agora de um antigo bombeiro, com 28 anos, ter sido acusado de provocar uma série de incêndios?
No melhor pano cai a nódoa. Há políticos que não deitam fogo, mas são corruptos. Há juízes que se não deitam fogo, mas de honestidade têm muito pouco. Há professores, médicos, enfermeiros, comerciantes, industriais… Também acontece num bombeiro.
Mas não fica desiludido?
Fico triste, amargurado, com o coração e a alma a chorarem. Mas, felizmente, se formos a ver, ao longo de todos estes anos, é uma percentagem de 0,00… qualquer coisa. Há outros que não são acusados de deitar fogo, mas são piores incendiários do que o bombeiro que foi deitar fogo, que é um criminoso e tem de ser condenado por isso. Mas como os outros também já deviam ter sido condenados por o Estado não ter feito aquilo que tem de fazer para evitar estas situações. Quem é que tem de se condenar? É a floresta em si que tem culpa? Não. É quem não faz o planeamento.
Então, se planeamos as cidades, as vilas, as aldeias, porque é que não inserimos nos Planos Diretores exatamente também o plano do espaço florestal de cada terra? Nos planos regionais de ordenamento e, depois, setorial.
Além desta falta de ordenamento, também a esmagadora maioria dos incêndios é por fogo posto. Uma pequena percentagem é por negligência…
E o fogo posto é crime e tem variadas origens: económicas, guerras entre vizinhos, querer ver o fogo, ver passar os aviões, os carros de bombeiros… Há gostos para tudo. As nossas polícias estão a fazer um grande trabalho, é de saudar. É claro que as provas do fogo são destruídas pelo próprio fogo, portanto, isso é terrível. A negligência também é crime, mas é preciso ver que tipo de negligência é que é. Um indivíduo vai, caiu-lhe uma coisa com lume quando ia andar, o carro incendiou-se à beira da estrada, isso não é negligência. É um acidente. Pode ser entendido como uma negligência…
Estar no sítio errado à hora errada…
Mas há outro tipo de negligência que é crime. Dentro daquela questão que dizem que 25% dos fogos, mas isso é conversa fiada, a maioria dos incêndios florestais em Portugal, incluindo a tal negligência criminosa, são de origem humana. Não me venham cá dizer que é o cu da garrafa de vidro que incendeia ou a beata. E são na ordem de 85 ou 90% e já dou 10% para a tal negligência. O resto é tudo intencional.
Isso poderia ser evitado se houvesse uma moldura penal mais pesada?
O Código Penal tem penalizações que chegam, é preciso é aplicá-las. Quem de Direito, que saiba as leis, tem de as aplicar. Se não as aplica, é porque a lei não conseguiu as provas, os factos que provassem uma maioria. Mas a penalização chega e sobra.
Há pouco disse que a maior parte dos tais engenhos que são usados são consumidos pelo fogo e não é fácil detetá-los. Mas em Pedrógão foram apanhados alguns desses engenhos…
Pedrógão tem uma história muito complicada. Os polícias já andavam em Pedrógão – e quando falo em polícias refiro-me à GNR e à Polícia Judiciária – há mais de um mês porque sabiam que havia determinada pessoa que tinha feito um conjunto de incêndios naquela zona, salvo erro eram 17. E até estavam para implementar um sistema de câmaras, mas depois o incêndio aconteceu por outras razões.
Acredito que tenha sido o tal arco voltaico porque combati muitos incêndios, onde o incêndio foi motivado por descargas elétricas dos postos de alta e média tensão com o chão praticamente limpo, mas a força do disparo e o local depois formou grandes incêndios. Ali pode perfeitamente o arco voltaico com aquele calor ter feito uma explosão que fizesse isso. Recordo que houve uma série de argumentações que desmontei porque disseram que aquilo estava relacionado com descargas elétricas de trovoada seca.
Mentira, a trovoada que existiu naquela altura estava a 100 kms de distância, estava sobre Castelo Branco e não sobre Pedrógão. Por isso, tanto pode ter sido aquela pessoa que estavam há mais de 30 dias para apanhar, como pode ter sido o disparo do tal arco voltaico porque se o chão tivesse um bocadinho de fagulhas ardia.
Mas como é que acontecem incêndios às duas, quatro ou cinco da manhã? E como é que acontece um incêndio aqui, noutro e noutro local adiante? Isso está tudo programado. É crime. E qual o motivo? Vingança, interesse económico, pirómano que gosta de ver os aviões e que gosta de ver os bombeiros. Porque é que um indivíduo mata a mulher e os filhos? Porque é que indivíduos roubam e matam? Para a mentalidade doente das pessoas, a floresta é um crime menor porque não mata diretamente.
Mas tudo isto tem a ver com a prevenção estrutural, com a prevenção da floresta portuguesa. Sabemos que há a necessidade da pastorícia para alimentar o gado, sabemos que isso se pode resolver fazendo queimadas controladas. Muitas vezes, as pessoas nem sequer querem queimar com intenção e só querem ter comida para o gado, mas depois não conseguem segurar o fogo e vai por ali acima.
Ainda esta semana estive num programa de televisão, onde estiveram pessoas que sabiam o que diziam – outros também falam sem saber o que se trata – mas uma professora geógrafa falou bem e disse que há fogo sem vento e de repente há conexões atmosféricas – mas isso ando a dizer há 50 anos e não sou cientista – e que sopra a 10 km passa a soprar 40/50/70 fruto da consumição da saturação do oxigénio na atmosfera e depois forma aquelas conexões.
A professora falou muito bem, mas respondi: ‘Gostei muito da intervenção, mas se sabe isso tudo, se o diagnóstico está feito, se diz que os perigos aumentam todos os dias devido ao aquecimento global então o que está a ser feito para o evitar?’ Se temos cientistas tão bons, se temos observatórios, laboratórios, comissões disto e daquilo então porque é isto continua a acontecer?
Sempre fui um crítico, mas tentei ser sempre um crítico construtivo e de falar só sobre aquilo que sabia, mas às vezes, fico pasmado com estes cientistas e com estes pseudo-cientistas que nunca viram o fogo a arder, mas que dizem coisas que são de bradar aos céus. E isso revolta-me. E depois também há os interesses económicos no meio disto tudo porque querem vender o produto mesmo que seja a banha da cobra. Isto é verdade, custe o que custar e doa a quem doer. Hoje em 2021 temos a floresta a passar o seu pior momento.
Todos os anos é pior do que o anterior…
Exatamente porque não se pode fazer a prevenção em velocidade cruzeiro. Tem de se fazer um tratamento de choque. Tem de haver um investimento porque a floresta pode-se pagar a ela própria como se costuma dizer ‘pagar com o pelo do mesmo cão’, fazer com que o rendimento da floresta seja por si próprio suficiente, mesmo que não dê lucro, ainda assim, o lucro reflete-se no ambiente, no evitar do aquecimento global do planeta, na produção do CO2.
Porque é que o D. Dinis fez o pinhal de Leiria? Fez para arranjar madeira de fazer barcos. Rentabilizou ou não? E o que é que fizeram depois? Deixaram tudo abandonado para arder tudo. Há pequenos espaços que existem na floresta do nosso país que são de aproveitar.
Andamos agora com esta ideia de limpar ao pé das autoestradas, das estradas e dos caminhos, mas há municípios neste país que Deus nos acuda, está tudo na mesma. Há IPS e ICS que não têm nada limpo, é uma desgraça. A grande desgraça de Pedrógão Grande foi aquela estrada da morte não estar limpa e aquela estrada que parece uma avenida funciona como uma autêntica chaminé.
E em relação aos drones?
Atirei-me ao ar logo que gastaram cinco milhões de euros porque essa verba podia ir para os bombeiros. Dava tanto jeito, não há um tostão para comprar viaturas para os bombeiros mas vão gastar cinco milhões em drones? Para serem úteis tinham de ser muito testados, não é virem para cá para fazermos experiências. Agora o resultado está à vista. E só estão a andar para calar os portugueses, ou seja, para tapar o sol com a peneira.
Não estou a acusar os técnicos da Força Aérea, que não têm culpa nenhuma, o problema é o equipamento que não tem a segurança que têm de ter. Não estão testados à dimensão do esforço que têm de fazer. O mesmo aconteceu com os Kamov que foi a maior vergonha que está na história do combate aos incêndios em Portugal. Onde estão os Kamov? Quantos milhões se gastaram? Até admito que um tenha que ir para a sucata e seja aproveitado para tirar peças, mas os outros são recuperáveis.
Julgo, se a memória não me atraiçoa, que foram comprados por troca de sapatos, mas aqueles helicópteros nunca andaram no combate aos incêndios florestais. Eles andavam na Sibéria a transportar madeira de um lado para o outro. Fazer carregamentos é uma coisa que se faz devagar, ali é um esforço tremendo e são maquinas pesadonas. E a manutenção daquilo?
Quando compramos os Kamov devíamos ter “comprado” os mecânicos. Mas já sabemos que os russos dão um chouriço a quem der um porco. Havia helicópteros cujas peças estavam atadas com arames. Estou nisto há 50 anos e estive, pelo menos, 20 anos como comandante operacional e quem ouvia sempre e puxava para o pé de mim eram os guardas florestais porque eram os homens que conheciam pinheiro por pinheiro, eucalipto por eucalipto e diziam-me as velocidades dos ventos.
Não ia para grandes incêndios, como Arganil, Pampilhosa da Serra, Lousã, Góis – todas essas zonas piores do país – em que era o comandante operacional que não levasse para o pé de mim um guarda florestal. Era o meu ajudante de campo porque era ele que sabia tudo.
Agora não há quase guardas florestais….
Agora há uma invenção qualquer, mas os guardas florestais não tinham horário de trabalho. Isto entrou num regabofe, em roda livre no que refere ao tratamento da floresta portuguesa. Não há nada a fazer.
Já anunciou que não se vai recandidatar à Liga…
Não vou.
Mas não vai fazer falta a sua experiência?
Mas vou andar por aí. E se calhar com a língua mais solta porque quando temos determinado tipo de responsabilidades temos de ser mais comedidos, equilibrados em algumas questões. Não quero criar bombas, neste momento, há um bom relacionamento com a Autoridade Nacional da Proteção Civil, quero dizer aos portugueses que confiem nos seus bombeiros que estão preparados ao nível dos melhores do mundo e que os bombeiros continuam a ser, na sua maioria esmagadora, gente com boa vontade mas que não se confunda voluntariado com amadorismo ou incapacidade ou incompetência. Voluntariados nos bombeiros em Portugal é sinónimo de profissionalismo e de competência.
Mas os acidentes, os feridos e as mortes continuam…
Ficam feridos porque estão lá. Não estava no local e um bombeiro meu via telefone descreveu tudo o que se estava a passar quando morreram aqueles cinco bombeiros dos sapadores de Coimbra, porque dois dos meus bombeiros que estavam no terreno e era para irem para aquela zona não foram sem primeiro irem a pé para ver se podiam passar a pé ou não.
E quando iam a pé passou ao pé deles o carro dos sapadores de bombeiros de Coimbra e quando chegaram 300 metros à frente já o carro estava a arder e ainda trouxeram um ou dos bombeiros às costas e foram os únicos que se safaram. E são profissionais, mas a questão é esta: andam no terreno 90% de voluntários e infelizmente acontecem acidentes, mas isso não quer dizer que sejam suicidas.
Mas, por vezes, as altas velocidades não ajudam…
Porque é a rapidez de querer chegar ao fogo. Disse há pouco que os fogos antes de serem grandes são todos pequenos e que é importante é haver uma boa deteção e uma comunicação rápida para se cair rapidamente em cima do incêndio. 96% dos incêndios em Portugal são apagados à nascença e 4% são responsáveis por 96% da área ardida.
Enquanto a Europa ardia, Portugal esteve umas semanas descansado. Era de prever que era de sol de pouca dura?
Era um descanso falso, já estava à espera, infelizmente. E não sei é há fenómeno nisto ou não, mas em ano de eleições estas coisas acontecem com mais frequência. Pode não ter nada a ver uma coisa com a outra, mas em muitos anos de eleições, há muitas coincidências. Mas de certeza que as nossas polícias que estão a fazer um belíssimo trabalho e com outras forças descobrem o que se passa.
E os bombeiros, se os deixarem, podem fazer muito melhor e quero um dia ver no meu país. Também temo que em termos de organização dos próprios bombeiros porque para Portugal ir buscar verbas à Comunidade Europeia como não tem regiões criou as comunidades intermunicipais que vêm dividir toda a estrutura dos bombeiros portugueses -– tanto em termos administrativos, como em termos operacionais – em termos administrativos extinguiram os governos civis, o que foi um erro.
Em termos operacionais ainda é mais grave ainda. As estruturas dos bombeiros vão ser integradas nas comunidades intermunicipais e depois há umas maiores e com maior capacidade e se até aqui havia 18 distritos, 18 comandantes distritais. Agora vão passar a haver 22 ou 23. Isso é uma catástrofe autêntica. Isso vai desmantelar toda a estrutura operacional dos bombeiros e vai criar instabilidade global na área operacional. Não sei se isto é dividir para reinar. Todos os governos querem ter poder e só mandam embora quem lhes dá chatice. Mandar todos eles querem mandar.
O Estado é assim concentracionista. Concentracionista e incompetente, que é o que o Estado é quando não se tem uma visão de modernidade. Mas isto também é uma falha das democracias. Ninguém destrói as democracias, elas é que se destroem a si próprias. E é cíclico, porque uma grande parte das pessoas não sabe viver em democracia, porque só têm os direitos como a sua realidade de vida, os deveres não existem.
E estas atitudes de exigência são demonstrativas de que não há uma cultura de vivência democrática de muita gente. Só quer direitos e só tem direitos, os deveres são para os outros. Ora, isso corrompe e corrói e, por isso, é que está a acontecer na Europa e no mundo a força dos partidos de extrema, da extrema esquerda e da extrema direita. Isso são as falhas da democracia.
E isso viu-se agora na gestão da crise pandémica, só com regras…
São as falhas da democracia. É a falta da cultura democrática e isso leva efetivamente a que possamos ter problemas que gostaria que não tivéssemos. Mas os outros, sejam de âmbito político ou político-partidário, não quero saber disso para nada, estou em licença sabática desde há muitos anos em relação à política partidária. Agora, em relação à preocupação operacional político administrativa dos bombeiros, estou muito preocupado.
O que pensa fazer depois de sair da Liga dos Bombeiros? As eleições são agora em outubro…
Tenho muita coisa para fazer. O mandato termina na primeira semana de janeiro de 2022. Eu com certeza — perdoar-me-á a vaidade, se calhar o auto elogio, não tenho intenção disso — tenho alguns conhecimentos que posso ir transmitindo, conversando com as pessoas e estando disponível para as pessoas.
Posso desenvolver muitas atividades dentro dos bombeiros e também tenho um pequeno espaço de terreno, onde tenho quase um jardim zoológico. Tenho ovelhas, perus, galinhas, patos, um burro. Tenho quatro cães maravilhosos, dois labradores e dois serras da estrela, do mais belo que há. Tenho essa minha quintinha. E a minha mãe graças a Deus ainda é viva, com 97 anos. Já tenho bisnetos.
Tem muito com que se entreter….
Tenho uma casa museu que é muito agradável e que me dá muito que fazer. Gosto de fazer as coisas, gosto da agricultura e tenho quem me vá ajudando. Eu vou vivendo com alegria e quero viver com alegria. Mas vou estar por aí, vou andar por aí.
Mas vai apoiar alguma lista?
Não apoio nenhuma lista. Não ando até a gostar da forma como se estão a pautar em termos de campanha, mas não apoio nenhuma lista. Os bombeiros que escolham como muito bem entenderem. Nem apoio nem desapoio.
Vai ser neutro?
Completamente neutro.
E que balanço é que faz dos anos que esteve à frente da Liga?
Não posso ser juiz em causa própria. Mas digo-lhe sinceramente: apanhámos dez anos muito complicados, mas diria que os que me antecederam vão todos chamar-me uma série de nomes. Mas se calhar fizemos o que nunca foi feito, fizemos mais nestes dez anos em termos dos bombeiros portugueses, em tempos extremamente complicados e difíceis. Desde o arrumarmos a casa fizemos muitas reformas.
São dez anos de ouro da Liga dos Bombeiros Portugueses. Quem quiser que me desminta, que me chame o que quiser. Efetivamente podíamos ir muito mais longe se todos entendêssemos que unidos temos muita força. Mas há uma movimentação de muitos interesses, que efetivamente me desgostam.
E só o amor que tenho à Maria e ao Zé, a esses milhares de bombeiros é que efetivamente me deu ânimo e tónico para enfrentar sem medo um conjunto de situações. Todos os que me antecederam foram pessoas de bem, pessoas sérias, fizeram o que puderam. Mas posso considerar que estes dez anos foram dez anos de ouro da governação da Liga dos Bombeiros Portugueses.
Que memórias é que guarda? Tem algum arrependimento?
Fui muitas vezes excessivamente duro sobre muitas coisas, porque encontrei muitas traições. E não nos bombeiros. Esses são do melhor que Portugal tem. A Maria e o Zé, bombeiros que fardam soldados da paz e da vida, são do melhor que Portugal tem.
São das melhores mulheres e dos melhores homens que Portugal tem. Nem imagina o que sofrem, nem nunca ninguém, nem nenhum Estado deu por si a fazer análises do desgaste físico de um bombeiro ao fim de 45 anos, ou psíquico, psicológico, com os traumas que têm. Alguma vez deram a propor a alguma estrutura analisar isto? Eu saio com uma mágoa muito grande por estas razões que lhe estou a dizer e por uma outra, de uma reforma que eu queria que fosse feita, mas que a incompetência do Estado…
E eu refiro-me ao Estado, mas toda a gente sabe a quem me refiro. O Estado é governado por partidos políticos e a Assembleia da República é autista em relação aos bombeiros. Nem quero falar na Assembleia da República, porque tenho muito respeito, fui deputado. Mas em relação às questões dos bombeiros, tem sido autista. Nem sei se sabem que existem bombeiros.
E há três questões: uma é o Estatuto Social do Bombeiro que devia ser modernizado, que tem a ver com o Fundo de Proteção Social do Bombeiro, que recebemos uma percentagem de 3% para o governar e que já no último trimestre tivemos um prejuízo de 85 mil euros, mas que precisa de passar para 6% da percentagem que nos é transferida. Porque é de uma dimensão social fantástica e sem ter muita burocracia, tem rigor, mas foi a questão de não se conseguir que a função de bombeiro voluntário fosse considerada de alto risco para salvaguardar situações de um bombeiro voluntário que, mesmo em casa ao pé dos filhos a dormir, está de serviço.
Se tocar a sirene, ele vai a correr. Portanto, isso era para salvaguardar tantas pessoas, tantas famílias em que morreram os bombeiros e não tiveram nada. Há bombeiros que não estavam de serviço, mas um bombeiro voluntário está sempre de serviço. Há uma escola em que uma criancinha caiu nas escadas e ele estava a socorrer e ele de repente cai morto. E as famílias ficam depois sem apoio, desprotegidas. E outra coisa. Havia uma bonificação da contagem de tempo de serviço que era 25% ao ano, ou seja, em quatro anos dava um ano.
E pagava-se uma taxa pequena, o que quer dizer que ao fim de 4 anos um bombeiro tinha uma bonificação de um ano. Mas acabaram com isso em 2009, depois passaram para 15%, mas para pagar uma taxa de 29%. Sempre combatemos isso. Depois passou para 15%, o que quer dizer que o bombeiro tem de ter 23 anos para ter direito, mas não é na bonificação da contagem de tempo de serviço.
É uma bonificação salarial, uma compensação do salário. Desconta 12,45% e nós pagamos do Fundo de Proteção Social. Mas nós não queremos isso, até podia ser os 15% e pagar, mas é bonificar o tempo de serviço. Ou seja, o bombeiro aos 33 anos de serviço podia reformar-se aos 62. A reforma é aos 67 anos, se tivessem a contagem da bonificação de tempo de serviço aos 62 anos reformava-se. Será que não era justo? Um homem que dá 33 anos da sua vida, a passar momentos dramáticos.
Pode mas é com penalizações….
Mas ninguém quer, porque isso assim não vai adiantar de nada. Alguém faz ideia do que é que é combater um incêndio florestal? O sofrimento? O desgaste físico? A fome e o frio? E as pessoas dizem “frio num fogo?”. Depois daquilo acabar passa-se frio, estão molhados.
Os espanhóis vêm cá e vão para os hotéis, entram às 9h e saem às 12h para almoçar. Nem quero falar nisso. Andam ainda a gozar férias. Portugal tem a sorte de ter os bombeiros voluntários, se não era um caos. Já viu como é o transporte de doentes, ou ir buscar as pessoas nos acidentes rodoviários, estropiadas, de braços partidos. Uma pessoa passar por isso tudo.
O transporte de pacientes não urgentes, ir a uma casa de família, as pessoas a chorar, as pessoas a morrer, o sofrimento nos hospitais. E os bombeiros a assistir a isto tudo. Isto não causa traumas?
Agora uma pergunta provocatória sobre o Sporting. Na última entrevista tinha dito que queria ver o Sporting campeão. Ora, o Sporting foi campeão.
Felizmente, foi campeão. A massa associativa, os adeptos são os melhores adeptos do mundo. Felizmente ganhamos e a equipa está no bom caminho e pode renovar o título. Isso veio trazer alguma acalmia. Não que a nova classe dirigente do Sporting, tirando raras exceções, valha o nome do Sporting.
Felizmente fomos campeões e podemos voltar a ser campeões. Os seus associados são os melhores que há no mundo. Há alguns dirigentes que são efetivamente exceções, há outros que não merecem representar o Sporting. Mas enquanto for ganhando, essas coisas vão sendo esquecidas. Mas um dia, isto é como a água no azeite, o azeite vem sempre ao de cima. E ao Sporting também há de vir ao de cima muitas coisas que efetivamente o Sporting não merece.