Dia D no Infarmed. “A forma como encararmos o verão vai afetar o outono”

Dia D no Infarmed. “A forma como encararmos o verão vai afetar o outono”


Especialistas confiantes de que há condições para aliviar restrições, de forma gradual, mantendo medidas de proteção individual e certificados covid. Raquel Duarte alerta para a necessidade de garantir ventilação adequada em espaços fechados.


Dois meses certos depois da última reunião do Infarmed, os especialistas voltam a ser ouvidos esta terça-feira por Governo, Presidente da República e partidos. Em cima da mesa, o levantamento das restrições da covid-19 ao longo dos próximos meses e como avaliar a epidemia daqui para a frente. Raquel Duarte, pneumologista e uma das autoras das propostas de desconfinamento que têm servido de base ao Governo, adianta ao que i que, neste momento, com a vacinação, existe maior confiança para equacionar menos restrições, mas defende que os próximos passos devem manter prudência. “Sabemos que a vacina diminui o risco de formas mais graves de covid-19 mas não tem 100% de eficácia, mesmo tendo uma eficácia muito elevada. Quanto mais infeção, maior risco de haver mais quadros graves. Até termos imunidade de grupo, a vacina não chega e nesse sentido teremos de manter cautela e medidas de proteção individual”.

Sem antecipar a proposta para esta nova etapa da equipa ligada à resposta à pandemia no Norte, que irá ser apresentada na reunião, a médica do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho avança que medidas como o uso de máscara em espaços fechados – na Alemanha já recomendadas pelo organismo equivalente ao Instituto Robert Koch até à próxima primavera – e o distanciamento são princípios que não devem ser descartados para já e considera que os certificados da covid-19 como passe para aceder a eventos e espaços com maior risco deve igualmente manter-se. Ao i, Raquel Duarte explica que o sentido das recomendações é que a forma como a sociedade adotar comportamentos de menor risco e se organizar nos próximos meses vai condicionar como se chega ao outono, quando com o início das aulas e chegada do tempo frio há mais tendência a frequentar espaços fechados, que podem favorecer a transmissão, não havendo uma vacina que previna infeções a 100% nem perspetivas de eliminar o vírus. A médica admite que o aumento da circulação nacional e internacional durante agosto pode levar a uma maior transmissão e essa é outra preocupação nesta fase: “Neste momento o verão, com grande mobilidade, mais contactos, a chegada de emigrantes que vão estar com as famílias, é ainda uma ameaça e há o risco de termos uma sementeira para os próximos meses. A forma como encararmos as férias de verão vai afetar a forma como vamos chegar ao outono”, diz.

 

Ventilar, o verbo em falta

Além da testagem e monitorização contínua, uma das recomendações nesta fase, elenca Raquel Duarte, prende-se com a ventilação de espaços fechados, para a qual já tinha chamado a atenção na apresentação da proposta da segunda fase de desconfinamento no fim de maio. Há necessidade de investir nessa área e preparar o outono, diz, referindo como exemplo experiências que passam pelo uso de sensores de CO2 para aferir a ventilação dentro de salas.

No Canadá, na Alemanha ou em Inglaterra, o uso de sensores tem estado a ser analisado. No Canadá, o Centro Nacional de Investigação para a Saúde Ambiental publicou em maio um relatório com revisão da evidência em que conclui que estes aparelhos, habitualmente usados para analisar eficiência energética, podem ajudar, desde que os seus utilizadores os saibam usar, instalar e ler. Colocam-se alguns problemas, como não haver uma associação direta entre determinadas concentrações de CO2 e o risco de contrair a infeção, mas podem ser usados como uma indicação de risco e sistemas de alerta.

Na Alemanha, foram recomendados sensores portáteis nas escolas que funcionem como “semáforos” para alunos e professores arejarem as salas – definiu-se como ‘luz verde’ uma concentração de CO2 abaixo de 1000 ppm (partes por milhão). Este tipo de uso já teve também estudos-piloto no Canadá e, apesar de pouco discutido por cá, também já foi recomendado pela Federação Europeia de Aquecimento e Ventilação, recomendando como limiar as 800 ppm (valor também recomendado pelo Centro de Prevenção de Doenças dos EUA).

 

Nova matriz e fim das restrições horárias

Marques Mendes anunciou no seu espaço de comentário na SIC que serão levantadas as restrições horárias e o recolher obrigatório às 23h nos concelhos de risco elevado, decisões que estarão na mão do Governo. Na última proposta de desconfinamento apresentada pela equipa de Raquel Duarte e Óscar Felgueiras, não se previam restrições de horários, assentando o desconfinamento na análise da situação por concelho e avançado no sentido de aumentar a lotação permitida nos espaços – as medidas agora em vigor em 116 concelhos viriam a ser adotadas pelo Governo quando os casos começaram a aumentar, replicando a estratégia seguida no fim de 2020.

Ainda nessa proposta apresentada em maio, a equipa admitia que bares pudessem ser enquadrados no mesmo tipo de regras da restauração, desde que com lugares sentados e mantendo o uso de máscara quando não se está a consumir, portanto sem pistas de dança interior, o que descartava discotecas – o que na altura não foi adotado pelo Governo.

Agora, há a expectativa de vir a ser fixada uma data para todos os setores fechados reabrirem, mas os especialistas não têm apontado datas nas propostas, o que também não deverá acontecer desta vez. Quanto aos patamares de risco, que até aqui determinam que concelhos avançam ou recuam nas medidas, o grupo de trabalho que estuda as linhas vermelhas deverá, como o Nascer do SOL noticiou, propor que sejam daqui para a frente mais elevadas, atendendo ao menor rácio de casos graves por infetados, mas mantendo-se a avaliação regular. A apresentação sobre a “avaliação de risco na era da vacinação” estará a cargo de Andreia Leite, da Escola Nacional de Saúde Pública.

No ano passado, definia-se como risco muito elevado concelhos com mais de 480 casos por 100 mil habitantes num período de 14 dias e não os 240 casos por 100 mil habitantes que têm vigorado. Acima de 960, um concelho era considerado em risco extremamente elevado. Entretanto a Ordem dos Médicos propôs um indicador diferente, que combina mais variáveis. Segundo o programa ontem dvulgado, não será apresentado na reunião do Infarmed mas já foi apresentado ao Presidente da República, que em maio se mostrou favorável a uma revisão da matriz.

Nesta edição, Henrique Oliveira, um dos autores, defende o modelo que reflete a evolução à semana e não a 14 dias: “As medidas a nível concelhio fazem sentido se forem aplicadas cedo, seriam assim corretivas, mas aplicar medidas com grande atraso deixa de se corretivo e passa a ser punitivo” (ver pág. 21).

O Governo tem reiterado que decisões só após a reunião, mas já deixou antever que, o que for, será gradual: António Costa apontou a “libertação total da sociedade” para o final do verão, quando é esperado que mais de 85% da população esteja vacinada. Uma meta que a esta altura depende do ritmo de vacinação, que vai estar mais lento em agosto, e da adesão. Como i noticiou, para se chegar aos 85% de população vacinada, além de vacinas, terá de haver adesão total dos adultos (os maiores de 18 anos representam 85,5% da população do país) ou começarem a ser vacinados os adolescentes, o que o Governo diz estar preparado para fazer a partir de 14 de agosto mas ainda aguarda o parecer da DGS.