Tenho para mim, aliás cada vez mais, que as coisas podem, e quase sempre devem, ser tomadas de vários pontos de vista. A simplificação costuma ser perigosa, sobretudo quanto se quer tudo a preto ou a branco. Como bem mostra Tanizaki, em Elogio da Sombra, o que pode ser visto como patine, como reflexo profundo, um pouco velado, nobre e sedutor da passagem do tempo é também, afinal, o lustro da mão, o efeito do gorduroso e repetido manuseamento, numa palavra, a sujidade. E os dois pontos de vista são importantes, e válidos, e necessários; e poderiam até ser três ou quatro, mesmo mais. Mas, que Diabo, há coisas onde muitos pontos de vista são sempre em demasia, e onde alguma simplificação fazia falta. A pandemia é um exemplo, embora eu não saiba – mas deseje – se tal seria possível, ou se há outra solução; mas que é uma confusão danada e aflitiva, isso é. A rixa é outro exemplo. Na verdade, numa situação de rixa não se sabe bem quem ataca e quem defende, sendo que há uma pancadaria generalizada entre todos os participantes, não sendo possível determinar com precisão quem é o agredido e quem é o agressor. Todos molham a sopa. Por isso se criou o crime de participação em rixa, que foi a solução; é o crime da confusão, pois, como não se sabe quem fez o quê, e ninguém se chega à frente, a punição é para todos, e vão com Deus.
Na pandemia – e não critico, só constato, só desabafo – é também uma confusão danada, uma rinha, uma vozearia, uma azoada. Num dia está tudo bem, tudo salvo, vamos de vento em popa, no outro já está tudo mal, vem aí o armagedão. Num momento 1000 casos é ótimo, noutro já é péssimo. Numa altura, o que conta são os internamentos, noutro já contam mais os casos, no seguinte outra coisa qualquer. Nuns dias impera a matemática, noutros a medicina, noutros a política. Aqui ou hoje, as vacinas são boas e tudo anda bem, ali ou amanhã nem por isso, ou nada disso, ou talvez isso, mas também o seu contrário, ou assim assim. Cada dia há um rol de especialistas, entendidos, responsáveis, et cetera, cada qual seu gosto e seu feitio. Não sei como isto se resolve, nem se se resolve, se calhar é mesmo assim. Que sei eu? Mas, digamos, na “ótica do utilizador”, ótica essa que é a minha e a de muitos outros milhões que não sabem onde fica o norte e o sul destas coisas, das duas uma: ou damos de ombros, não ligamos, e vamos levando a vida, sem inconsciência mas também sem dramatismo, seguindo um mínimo denominador comum de senso, ou, então, damos toda a atenção, e em pouco tempo enlouquecemos, porque, realmente, estamos mesmo no centro da rixa de opiniões, teses, previsões, recomendações, esperanças e alarmes, como se a desorientada cabeça de cada um apanhasse de todos os lados, e sem saber de onde lhe chovem as pancadas. Assim não dá, se não morremos da covid, ainda morremos de outra coisa qualquer, por exemplo do abalado coração, dos cansados tímpanos ou da oscilante cervical.
Escreve quinzenalmente à sexta-feira