Chamar burros aos portugueses na cara


É extraordinário anunciar ao país que se concretiza o seu programa de Governo quando a medida foi pelos próprios combatida da forma mais feroz.


No decurso do processo de discussão na especialidade do Orçamento de Estado 2021, em novembro, o PSD apresentou uma proposta de alteração com vista a reduzir as portagens nas ex-SCUT em 50 %. A proposta em causa veio a ser aprovada com votos contra do PS. De pronto, levantou-se um clamor público, por parte do Governo e do PS: que a proposta era irresponsável; que comportava custos incomportáveis; que era inconstitucional; que era o resultado de uma perigosa e ilegítima coligação negativa. A todos os argumentos, a todos os expedientes, o Governo se socorreu para impedir a entrada em vigor, a 1 de Julho, da proposta que pela mão do Parlamento se tornou lei.

Contudo, para que a lei fosse executada, era necessário que o Governo produzisse uma portaria que definisse as condições concretas da sua aplicação, de acordo com as disposições emanadas pela Assembleia da República. O Governo assim fez, cumpriu a lei, produziu o ato que o Parlamento lhe tinha imposto. Sucede, porém, que o Governo entreviu neste processo uma oportunidade que não poderia esbanjar, ainda que o seu aproveitamento fosse irreconciliável com qualquer resquício de ética no exercício de cargos públicos e respeito pelos cidadãos. Assim, num exercício de absoluto despudor revelador de ausência de verticalidade política, fez redigir no comunicado oficial do Conselho de Ministros que a portaria em causa – que estava obrigado a publicar – era a feliz concretização do seu programa de Governo! É extraordinário anunciar ao país que se concretiza o seu programa de Governo quando a medida que produz esse resultado foi pelos próprios combatida da forma mais feroz possível. O PS seguiu o exemplo do Governo. Tornou público que a redução das portagens, que mereceu o seu voto contra e total repúdio, traduzia o seu inabalável compromisso com a paulatina redução das taxas de portagens nas ex-SCUT.

Se não fosse trágico para a idoneidade destas pessoas e das instituições, seria tomado por comédia. Infelizmente, insulta os cidadãos e trata-os ou como ignorantes ou como intelectualmente indigentes, prevendo que essa massa de gente julgue que a decisão era da sua autoria ou, pelo menos, merecia a sua concordância . É matéria de extrema gravidade, pois revela completa ausência de princípios, um desprezo arrepiante pela verdade que faz refletir sobre até onde são capazes de ir para se perpetuarem no poder. É hora dos portugueses mostrarem que estão vigilantes.

Deputado