Esteve recentemente no Algarve onde fez alguns alertas sobre a restauração. Que dificuldades enfrenta esta região que tanto depende do turismo?
O local escolhido foi simbólico para dar conta que a zona que vive essencialmente do turismo está numa situação de grande sofrimento. Ainda não começou a alavancar e sabemos que é um local que precisa, neste período, de um funcionamento forte para que crie uma resistência para suportar o inverno. Estamos a falar de um mercado ainda muito sazonal que depende essencialmente do turismo. A questão dos turistas do Reino Unido que compõem a grande maioria do turismo do Algarve representa uma dificuldade bastante grande e o mercado nacional não será suficiente para colmatar esta falha. O que quisemos transmitir foi que, a partir do Algarve, todas as zonas turísticas do país estão ainda em grande dificuldade e não estão a arrancar. Existe uma restauração e um turismo a duas velocidades: há muitos que estão a recuperar e a crescer bastante bem e eventualmente a situação irá ficar razoável para essas empresas e outros que ainda levarão alguns anos a recuperar da situação de sobre-endividamento em que estão. Naturalmente que há zonas – e estamos a falar de zonas de restauração da Baixa – que são empresas que fortalecem essencialmente neste período, criam uma robustez ao nível financeiro e isso não vai acontecer. Uma outra situação que identificamos e que ainda é mais grave é que as zonas turísticas são os centros comerciais que estão numa situação extremamente grave. O inquérito que fizemos indica que dois em cada três espaços da restauração em centros comerciais estão em situação de insolvência ou falência e a zona turística, também pelo nosso inquérito, diz que uma em cada três empresas estão também nessa circunstância..
A decisão britânica foi mais uma machadada…
Sim, esse adiamento por mais um mês criou um arrefecimento. O mês de junho e o início de julho eram meses importantes porque não é bem o destino dos portugueses e já era um mercado bastante preenchido por esses turistas. O mesmo se vai passar em setembro, mas isso não sabemos o que vai acontecer. No imediato é claramente uma grande machadada porque o Algarve, daquilo que pudemos observar, está numa situação muito lenta. Aquilo que se observava noutros tempos – e ainda por cima com fim de semana prolongado – é que o Algarve estaria completamente lotado e não foi bem isso que aconteceu. A situação é realmente grave e a perspetiva é muito preocupante. Os empresários estão muito preocupados e além da questão da ausência de turismo há uma preocupação com a ausência de trabalhadores porque, entretanto, quando voltaram a ter que reempregar pessoas não têm oferta de mão-de-obra. Isto é uma outra dificuldade acrescida porque o mercado está completamente desestruturado. Em anos anteriores, as empresas tinham capacidade de empregar com mais tempo. Hoje não o podem fazer por força desta baixa de faturação. Há estabelecimentos no Algarve que não estão a abrir porque não têm mão-de-obra disponível.
Há muita falta de mão-de-obra?
Sim, há mesmo escassez de mão-de-obra. O Governo deve rever urgentemente as políticas relacionadas com o incentivo ao emprego, do ponto de vista da procura e da oferta. Uma situação que assume hoje uma enorme importância e agora com o alargamento dos horários e com o período de maior procura, obriga a um reforço das equipas de trabalho. Esta situação é de tal ordem grave que está a prejudicar a faturação das empresas e outras nem conseguem abrir. Um grave prejuízo para o setor e para a economia no seu todo. A questão até parece contraditória, mas perante a realidade de um setor a duas velocidades, um precisa urgentemente de mão-de-obra para poder responder à procura e outro tem a obrigação de os manter, mesmo sem precisar, por força dos compromissos assumidos para que fossem elegíveis nos apoios. É preciso implementar novas regras de incentivo ao emprego. O setor precisa de contratar mais e é necessário rever as políticas relacionadas com o incentivo ao emprego.
Tem ideia de quantas empresas já fecharam e quantas pessoas terão ido para o desemprego?
No ano passado foram mais de 5000 desempregados no setor e entre 10% a 15% de empresas estiveram encerradas. Mas é uma questão que ainda causa muitas dúvidas porque existem muitos estabelecimentos encerrados a aguardar a retoma. Outros estão abertos mas existe alguma falsidade porque os espaços estão muito alavancados pelas moratórias, os próprios fornecedores aguardam o pagamento das dívidas e os senhorios também não estão a receber. Estes números estão um pouco mascarados. O que entendemos é que quando acabarem as moratórias e os senhorios começarem a cobrar as rendas, as empresas vão naturalmente fechar porque não têm condições de continuar com os níveis de faturação. O mercado está, neste momento, numa situação estranha porque se assiste a uma manutenção de um número de empresas que não corresponde a uma economia a funcionar normalmente. São situações que estão a ser suportadas por moratórias e por empréstimos e muitas vezes, estas próprias empresas, se formos analisar cada uma delas, grande parte estará em situação difícil. É um cenário que convém ter alguma reserva até porque há outra questão que é importante referir: este setor tem uma capacidade de readaptação grande e se a economia recuperar bem e se o Governo der os apoios que o setor tem vindo a pedir, iremos conseguir salvar a maioria das empresas. Isto vai depender de algumas questões que ainda estamos a aguardar. Também a questão do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] poderá permitir alguma forma de reestruturação das próprias empresas, das dívidas, através de fundos não reembolsáveis. Mas ainda existem muitas dúvidas no ar. O cenário poderá ser completamente diferente se o Governo não apoiar as empresas e se, por exemplo, o turismo entretanto não recuperar.
Pediu que as rendas das empresas com quebras de 40% continuem a ser apoiadas até dezembro. E pediu também que com o final dos apoios do layoff o Governo garanta a sobrevivência do tecido empresarial. Que recetividade vê do Governo?
Existe, neste momento, um completo silêncio da parte do Governo apesar da nossa insistência e de termos falado sobre essas questões. Há sempre uma boa disponibilidade para nos ouvirem, mas depois há um perfeito silêncio. Aquele anúncio que foi avançado há dias por Pedro Siza Vieira, ministro da Economia, com a promessa de muitos milhões não nos dá nenhuma garantia. Aquilo é muito inócuo. Não há nenhuma indicação de quando, como e de que forma. Existem muitos pontos de interrogação em relação a essa comunicação. Naturalmente que o Governo tem de encontrar – e não tem outra forma porque, no fundo, este setor contribuiu também para o equilíbrio da situação pandémica, foi um dos setores fundamentais neste exercício. O setor não pode ser abandonado. Tem de ser defendido e o Governo tem de dizer ‘presente’. Nesta altura, em que terminam os apoios do layoff, o Governo tem de apoiar as empresas, especialmente aquelas que perdem mais de 40%.
Mas outras não…
Estamos a falar numa restauração a duas velocidades. Aquela que não conseguiu ainda alavancar e essa tem que ser convenientemente ajudada porque, além de ser uma das mais fustigadas, é um dos subsetores mais importantes para a recuperação económica do país. Estamos a falar de um setor muito ligado ao turismo e que vai ser muito essencial para o período pós pandemia. Por essa razão, pedimos que o Governo apoie essas empresas porque uma empresa que perde mais de 40% não tem qualquer viabilidade e, naturalmente, irá morrer. Todas as empresas que se encontram nessa situação são empresas que, no passado, também já o estavam e estarão agora em situação gravíssima, não tendo qualquer possibilidade de sobreviver se não houver um apoio forte e robusto. Uma das sugestões é a questão do apoio às rendas que deveria ser prolongado até ao final do ano e a outra é a continuação do Apoiar.pt e do Apoiar Restauração. Uma grande parte já estará a recuperar mas estimamos que 25% das empresas precisam de ser ajudadas. Além de um quarto dessas empresas não estarem a receber os apoios por serem empresas que foram criadas recentemente, outras, porque abriram estabelecimentos com o mesmo contribuinte, acabaram por mascarar um pouco as contas e não tiveram direito a apoios. Existem uma série de questões que não foram ainda vistas à lupa pelo Governo e achamos que é grave e o Governo terá a obrigação de não deixar morrer estas empresas. Isto tanto é válido para o passado como para o presente e para o futuro. A forma como o Governo organizou os apoios acabou por criar muitas injustiças e gerou grande confusão no setor, criando até concorrência desleal.
Falou nos problemas com o NIF…
Há casos de empresários que optaram por atribuir por cada estabelecimento um NIF e só porque têm mais do que um vão buscar um valor muito superior em apoios, enquanto que outros optaram por concentrar as empresas num NIF apenas e, viram esses apoios serem drasticamente reduzidos. É frequente encontrarmos estabelecimentos em iguais circunstâncias – no que se refere ao número de funcionários e despesas – e por questões de opção fiscal ficaram claramente em desvantagem. É dos exemplos de clara injustiça e interferência na sã concorrência. O que seria mais justo seria o Governo reforçar os tetos desses apoios, de modo a enquadrar empresas que ficaram de fora ou receberam pouco. Em relação ao presente e ao futuro, será necessário prolongar o Apoiar.pt e Apoiar Rendas, pelo menos, até ao final do ano, para todos os estabelecimentos, que se encontram a perder muito (acima dos 40%). Os centros comerciais e zonas turísticas são o grosso das empresas que se encontram nesta situação. Acabados alguns apoios, como o layoff, a maioria das empresas que se encontram muito endividadas irão acabar por fechar, colocando em risco milhares de postos de trabalho e destruindo uma capacidade instalada que foi importante para recuperar no pós-toika e que será fundamental para alavancar o país no pós pandemia. Com empresas sãs e robustas poderemos contar com uma rápida recuperação da economia e devolver rapidamente através do valor acrescentado gerado todos os euros que receberam como apoio. É uma questão de justiça e reciprocidade, pois este setor foi o principal eleito para ajudar o país no combate à pandemia.
Disse que o país avança a várias velocidades. Temos vários concelhos que não avançaram no desconfinamento. Que queixas têm recebido?
Tem de haver um outro olhar para esta problemática. Não compreendemos como é que a medida foi comunicada de um dia para o outro e colocou a restauração em sobressalto. E deixou quatro localidades fora do desconfinamento. A opção do Governo de desconfinar foi bem recebida, mas vemos com maus olhos aquilo que aconteceu no fim de semana. No Algarve e no Porto assistimos, em zonas públicas, a bares, restaurantes e snack bares ou em zonas onde tradicionalmente os jovens se costumam juntar, vários aglomerados, muitos deles sem máscara, a beber bebidas alcoólicas na rua, sem qualquer tipo de controlo. E isto aconteceu aos olhos de todos. Depois, em contraponto, faz-se esta contenção nestas cidades. É dois pesos e duas medidas, é ir do oito ao oitenta, são questões que não percebemos muito bem, o que sugerimos ao Governo é que se encontrasse uma forma equilibrada de resolver isto. Sabemos e temos consciência que nos espaços de restauração, desde que se cumpram as regras, a garantia de segurança é grande. Ao encerrar estes quatro concelhos, os residentes vão mudar de localidade e vão criar pressão noutras. Não faz muito sentido que se criem regras diferentes para essas localidades. Pedimos também uma maior vigilância e controlo da via pública para reduzir este tipo de comportamentos erráticos. Pedimos que haja uma equidade no tratamento entre concelhos.
Lisboa enfrenta um forte aumento de casos. Mas já veio dizer que um retrocesso podia trazer ainda mais uma agonia ao setor…
Lisboa já no ano passado estava sobre uma alta pressão, perdendo praticamente o verão. Agora estamos a observar que Lisboa vai voltar a perder o verão. Um recuo nesta matéria seria dramático e não sei o que poderá acontecer a milhares de empresas e a milhares de empregos que estão em risco por essa razão.
Mas para quem pode, o avanço neste horário até à 1h é uma lufada de ar fresco…
É uma lufada de ar fresco mas não deixamos de colocar uma norma importante para que cumpram as regras porque se não o fizerem – e a preocupação na zona do Algarve e do Porto como assistimos neste fim de semana em que as pessoas andaram à vontade sem grande pressão – o que pode acontecer é que esta lufada de ar fresco seja um deja vu do já vimos no passado. Estamos muito preocupados. Não queremos aproveitar este desconfinamento para passar à libertinagem. No fundo, pede-se o cumprimento das regras nos estabelecimentos, que as pessoas façam o seu consumo sentadas e, fora disso, que haja um controlo muito eficaz e que se proíba claramente o consumo na praça pública. Não queremos voltar a assistir àquilo que já assistimos no passado e que estas cidades estão a passar e que é dramático.
O Governo voltou a apertar as restrições…
Estas novas restrições são muito penalizadoras para o setor da restauração e aquilo que observamos é um setor a cumprir as regras e apesar disto, ser sempre penalizado. Defendemos há dias o alargamento de horário a todas as regiões do território continental. É importante que se proteja a pandemia, sem decapitar economia e a viabilidade das empresas. Solicitámos a revisão dos critérios que definem as medidas para mitigar a propagação do vírus e revistas algumas das regras que afetam a restauração, com novas adaptações de horários entre outras restrições, ajustando-se à nova realidade pandémica. Chamámos à atenção para a deslocação dos territórios com restrições para outros limítrofes, que poderiam causar uma maior pressão nesses locais, ao invés de se optar pela adequação dos horários mas a opção foi afinal proibir as deslocações de fora para dentro e vice versa, em Lisboa e restringir ainda mais os horários noutras regiões. Registamos e respeitamos a decisão, mas não compreendemos como se possa estar a repetir os mesmos erros, pois existe um rigor absoluto e bem, para com os estabelecimentos de restauração e em simultâneo, continua-se a assistir, nos locais públicos, à concentração de grande número de pessoas, onde a maioria se encontram sem máscara e a consumir bebidas alcoólicas e muitas vezes em zonas contíguas a estabelecimentos da restauração. Com mais este revés, vamos afundar ainda mais um setor que carrega o peso e a missão de ser parte na equação, no controlo da pandemia.
O dia de amanhã é sempre uma incógnita nesta altura mas como é que se perspetiva este verão? O mais recente inquérito da CIP diz que o setor da restauração – em conjunto com o do alojamento – é o que tem piores perspetivas para estes meses…
Está em linha com os nossos inquéritos e com o que está a acontecer. O verão está praticamente agora a iniciar e aquilo que vemos é zonas confsinadas, outras a retroceder e outras em alerta para esse ponto. O que prevemos é que brevemente as mais importantes cidades do país estejam encerradas. E estamos a falar das zonas turísticas… a perspetiva é claramente muito negativa e aquilo que vamos assistir é que será mais um verão perdido. É lamentável que não tenhamos aprendido com o passado.
Quando vemos estes avanços e retrocessos, acha que a culpa é do Governo, dos espaços, dos cidadãos ou de todos?
Estamos sempre a evoluir e a aprender. Penso que, neste momento, a responsabilidade será tripartida. Diria que muitos dos consumidores não aprenderam com a lição. Sabemos e compreendemos que muitos destes comportamentos têm a ver com uma certa saturação acumulada de muitos meses em que os portugueses até foram – e são – muito cumpridores mas depois basta uma pequena distração… basta haver um pequeno alívio por parte das forças policiais, alguma musculação, acaba por haver um grande relaxamento. Por outro lado, existe também a questão política. Tem a ver com a necessidade de as autarquias, neste momento, estarem sujeitas a eleições autárquicas em breve. Como se aproximam as eleições autárquicas estão aqui sobre uma pressão e, por um lado, temem o confinar. Mas por outro lado cedem muitas vezes à pressão das populações. As últimas atividades desportivas foram por nós criticadas nos moldes como aconteceram. Obviamente, não compreendemos e o setor ficou revoltado com o que aconteceu. Foram sujeitos durante largos meses a grandes pressões e grandes regras e rigor que acabaram por cumprir com prejuízos próprios, avultados e depois assistiram a um relaxamento quando se tratou de questões desportivas. Esta questão foi bastante criticada por nós. Por força, muitas vezes, desta pressão que acabam por ter pelo aproximar das eleições cometem estes erros por não terem tido se calhar alguma maior dureza nessa altura e maior rigor na implementação das regras. Aquilo que pedimos e temos vindo a pedir ao Governo é que essas decisões – e por ter havido esta influência e por ter havido esta pressão – sejam feitas pela tutela e depois as autarquias cumpram aquilo que vem de cima. Deixar muitas vezes esta responsabilidade do lado das autarquias cria esta dificuldade. Não queria estar a apontar o dedo, mas aquilo que temos de fazer é aprender com isso e tentarmos fazer um esforço para nos focarmos naquilo que é essencial. Se o mal está feito que se aprenda com esse erro e se faça melhor para o futuro. Acaba por haver alguma negação por parte dos políticos e até de outros atores que têm poderes de decisão. O melhor para o país recuperar e para passar esta fase é encontrar soluções. O Governo deve aproveitar e deve transpor e, no fundo, o que pedimos é um aumento desse rigor no controlo na via pública, através da presença física das forças de autoridade com atitudes de proatividade, de consciencialização, de pedir às pessoas para terem comportamentos adequados e os consumos de bebidas alcoólicas serem absolutamente proibidas e que só sejam permitidas nos espaços de restauração que, estando mesmo em zonas de risco com horários mais alargados, o façam em segurança. É este rigor que se o Governo fizer não será responsabilizado no futuro e, por isso, é que temos vindo a referir que é importante que se aprenda com os erros e se melhore. Além disso, também estamos a evoluir. A pandemia hoje é diferente de há um ano. Hoje existem naturalmente menos riscos e, por isso, é que pedimos alterações dos critérios por parte da DGS e aproveite a nossa proposta, mantendo as regras de segurança que existem, mas aumentando a possibilidade da economia funcionar. Manter as regras, mas aumentar a fiscalização e aí é mais uma matéria do Governo e, por sua vez, deixar que a economia funcione.
Sugere então mais força policial no terreno?
Ao invés de assistirmos a aglomerados de pessoas nas ruas e praças públicas, muitas vezes juntos aos estabelecimentos de restauração, a consumirem bebidas alcoólicas e que se juntam sem qualquer regra e sem máscara, seria bem mais eficaz e eficiente, para o controlo da pandemia e naturalmente à economia, a abertura de bares e discotecas, que deverão reabrir, com regras e ao exemplo do que está a ser feito para os eventos familiares relacionados com cerimónias, casamentos e outros, ser implementada a prática de testagem nesses espaços. Os bares e discotecas são importantes para o turismo. O controlo da pandemia também se faz responsabilizando os agentes económicos, no funcionamento com regras, evitando o seu contrário, como se tem verificado, na ausência destes estabelecimentos, as festas acabam por acontecer, com maiores riscos, na via pública e nas residências.
Nem sempre o Governo tem vindo a aceitar as vossas sugestões…
O que temos vindo a observar é que o Governo tem vindo a aceitar as nossas sugestões, mas com um delay diferente daquele que gostaríamos. E naturalmente, por essa razão, somos bastante escutados pelo Governo porque temos apresentado soluções que depois se vem a verificar que temos razão. E o termos razão tem a ver com a nossa atuação muito de terreno, de acompanharmos o dia-a-dia da realidade e não estamos à distância. Por isso é que eles ouvem as associações para terem esse feedback muito próximo, só que depois existem outras razões, outras pressões e outras lógicas que acabam por atrasar estas decisões, mas que acabam por ser implementadas fora do tempo.
Depois pecam por ser tardias?
Exactamente. Não vamos desistir de termos esta ação mais interventiva, crítica e construtiva, mas o que mais nos importa é que as empresas de restauração sobrevivam a esta dificuldade e possam recuperar rapidamente. A nossa grande luta é a dos restaurantes e dos estabelecimentos e que voltem à normalidade, que recuperem e que ultrapassem esta fase com o máximo possível de apoios e dentro daquilo que nos deixem fazer.
Em relação a apoios, muitos foram dados ou estarão por dar. A Pro.Var continua a defender a aplicação de um IVA diferenciado. Há recetividade?
Não. Estranhamente até porque esta medida foi implementada em 2016, em julho, em que uma parte do IVA reduziu-se. Foi a primeira vez que entrou o IVA diferenciado, uma proposta nossa desde longa data. O Governo iniciou este processo através de Mário Centeno que achou a nossa proposta inteligente porque tinha muitas valências e uma delas era a proteção do posto de trabalho porque ao baixarmos o IVA estamos a dar um incentivo à transformação. Quanto mais o restaurante se transformar, mais mão-de-obra emprega, melhor qualidade gastronómica apresenta. E também ajudamos o Governo na diminuição da evasão fiscal, porque observamos que na descida de 23% para 13% houve uma recuperação, também pela força da economia, e que a receita do IVA cresceu. Isto provou que houve uma dinamização na economia bastante forte e a evasão fiscal foi descendo e é cada vez menor. O que pedimos agora é que o Governo mantenha a sua coerência e que baixe de 13% para 6%, mantendo o IVA a 23% nas bebidas. Pedimos que desça apenas o IVA na comida e que com este mix de 6 e de 23% acabe por se reduzir o IVA médio e que está agora nos 16% passe para os 11% e, aí sim, também passamos a ter uma aproximação com os nossos principais concorrentes. É o caso da Grécia ou da Espanha que tem um IVA de 10%. Mas essencialmente a medida visa, numa primeira fase e no imediato, dar uma ajuda muito grande às empresas que de certa maneira ao baixar para 6% estamos a criar uma forma de aumentar a liquidez das empresas e de forma democrática e universal todas as empresas acabam por ser beneficiadas, mesmo aquelas que ficaram de fora dos apoios. Ou seja, isto é uma medida justíssima. E seria uma medida que outros países que até nem dependem tanto do turismo já o fizeram e em Portugal, incompreensivelmente, acabou por não fazer e lançou um programa.
O IVAucher…
O IVaucher era a grande promessa do Governo para alavancar a economia e que já estamos a verificar, até pela forma como foi criada, não vai dar grande resultado. Fazendo aqui uma analogia: ‘a montanha pariu um rato’. O que dizemos é que o IVaucher será uma medida para beneficiar o consumidor, este vai manter o hábito de consumo, não vai alterar praticamente em nada, mas vai beneficiar de um desconto importante. Vai ser importante para o controlo fiscal porque vai controlar a evasão fiscal e reconhecemos que num país que se pretende evoluído isso vai ser uma ferramenta que importa. Mas no somatório, o empresário da restauração praticamente não vê benefício. Estamos a acenar com 200 ou 400 milhões, ou o quer que seja relativamente a isso, e que isso vai ser uma ajuda importante para o setor? Respondo que não. E digo não em letras grandes, porque da forma que está criada – aliás tivemos oportunidade e eu disse de viva voz ao secretário de Estado Mendonça Mendes na reunião preparatória em que se estava a preparar esta ferramenta: se esta medida não tiver uma restrição no seu consumo e demos o exemplo de ser feito de segunda a quinta-feira, não estávamos a criar nenhuma vantagem para o restaurante. Até pelo contrário, os restaurantes não vão querer e vão fugir ao IVaucher por uma razão clara: o consumidor vai ao final da semana, onde já há uma pressão muito grande nos estabelecimentos, e acaba por ter uma situação menos interessante porque acaba por ver parte do valor, numa situação normal se via no imediato, e que nesta situação depois será feito um acerto na questão fiscal. O empresário não tem interesse nesta medida.
Está à espera de pouca recetividade?
Neste momento o que observamos é que a grande maioria dos nossos associados está muito desconfiada desta medida e não vê vantagens na forma como está criada. Ou vê vantagens muito reduzidas. Não é claramente o tipo de programa que pedíamos, daí insistirmos novamente na redução do IVA na restauração porque é a medida para conseguirmos colocar empresas que estão sobre-endividadas e com dívidas de seis a sete anos poderem antecipá-las. Depende deste setor ser alavancado desta forma, como já o fizemos no pós-troika. Nessa altura, houve uma recuperação da economia importante e o Governo sublinhou e bem a importância da restauração na recuperação do país. Reconhecemos e todo o país reconhece que foi importante e o que pedimos agora é que haja um novo reforço da medida e que se conclua aquela linha de coerência que o Governo tinha dado e se passe para 6% o IVA. E esta questão do IVA a 6% não é um favor que estamos a pedir ao setor porque a maioria das empresas da restauração ao transformar a sua mercadoria adquirem as matérias-primas com IVA a 6%: a carne, o peixe, os legumes… Aquilo que pedimos é que haja uma equidade e um alinhamento com os hotéis que sempre tiveram a 6% e que haja aqui, de certa maneira, uma redução do esforço logo à partida pela compra porque o empresário acaba por ter um esforço nessa matéria. Até aí existe uma justiça enorme. Não compreendemos, estamos estupefactos e alarmados pelo facto de o Governo ainda não ter olhado para este problema que, do nosso ponto de vista, é uma questão política e depende de uma decisão política como é o caso do IVA da restauração. Outros países sem terem esta importância do turismo acabaram por fazê-lo logo no início e Portugal continua com um programa quiçá interessante para o consumidor, quiçá interessante para o Governo no controlo da evasão fiscal, mas para o setor não tem interesse nenhum.
A DGS lançou novas regras para casamentos e batizados. São bem vistas?
É uma das questões que está a levantar muita preocupação ao setor. Estamos neste momento a tentar perceber um bocadinho melhor o que está a acontecer. Temos de ter consciência que o que importa aqui, acima de tudo, é controlar a pandemia, mas esta questão veio criar uma entropia no funcionamento. Mas até para que haja alguma normalidade no funcionamento do casamento ou do evento fazem sentido os testes, mas a forma como foi encontrado, do nosso ponto de vista, é que nos parece que merece alguns ajustamentos e esperamos que o Governo esclareça e coloque essa regra do teste de maneira que seja mais fácil ser cumprido e que haja uma partilha de custos. O que me parece é que os custos são totalmente assumidos pelos promotores ou pelos convidados. Falta ainda clarificar algumas questões e estamos a procurar junto da tutela algumas respostas. Sugerimos no passado a testagem à entrada neste tipo de eventos porque achámos que, numa fase que ainda não era possível os eventos acontecerem, mantemos esse pensamento porque, embora já haja uma parte da população vacinada, existe sempre um risco porque este tipo de eventos, até pela sua natureza – os casamentos têm bailes e isso provoca algum tipo de comportamentos de risco – se for devidamente acautelados com estas medidas ficamos em maior segurança. Diria que é uma medida que interessa a todos, mas tem de ser simplificada e naturalmente apoiada pelo Estado porque, nestas questões, é necessário que o esforço seja tripartido. No entanto, estes testes são importantes para aumentar a confiança no setor e deixar de ser o “bode expiatório”.
Que balanço faz destes 15 meses de pandemia? O setor está a recuperar?
Em relação aos aspetos positivos, o Governo tem sabido lidar com os apoios ao setor da restauração e, em parte, foram equilibrados, acabaram por conseguir ajudar a maioria do setor. Foi importante para a sobrevivência destas empresas que começam agora a retomar. Diria que isto é um lado positivo. A questão do controlo da pandemia e a implementação das regras e a forma como o fizeram também, de certa maneira, acabou por correr relativamente bem. Diria que a parte negativa foi o facto de o Governo não ter conseguido e ter deixado de lado ainda 25% das empresas que foram obrigadas a estarem encerradas e muito condicionadas no seu funcionamento, tanto pelos horários, como também pelas restrições da lotação que são bastante severas. Outro lado negativo é o Governo ainda não ter encontrado uma solução para resolver este problema de 25% das empresas que, por várias razões, estão fora dos apoios. Existem algumas questões que não foram atendidas e que temos vindo reiteradamente a comunicar. E também em relação ao controlo da pandemia, o excesso de zelo, muitas vezes, junto da restauração, das esplanadas de cumprirem esta necessidade ao rigor, nomeadamente o distanciamento e depois deixar que aconteça que milhares de pessoas na via pública, seja em festejos futebolísticos, seja na sua atividade lúdica e assistimos a comportamentos que não estão a ser vigiados. Mas do ponto de vista da restauração e do setor diria que foi importante o Governo ter implementado medidas que salvaram uma parte importante das empresas, no entanto, não podemos baixar a guarda e aquilo que continuamos a pedir e que o Governo continue a escutar as associações, como tem feito até agora, mas que resolva e que as escute porque pode perceber o porquê de estamos a insistir sempre em algumas questões de detalhe. Essas questões claramente influenciam dezenas de milhares de pessoas, milhares de empresas.
O Governo tem então um papel fundamental…
O Governo tem em mãos a responsabilidade de salvar todas as empresas que eram viáveis antes da pandemia e que por imposição do Estado, encontram-se em situação de insolvência ou falência. Será uma irresponsabilidade política grave se o Governo não assegurar a sobrevivência destas empresas e deverá tudo fazer para as colocar em situação mais próxima possível do que se encontravam em 2019. O setor reclama mais respeito e pede que seja tratado com dignidade. É recorrente vermos medidas mal explicadas e decisões tomadas de um dia para o outro, como foi o caso deste último desconfinamento.
Na última entrevista disse que a economia não iria recuperar enquanto não voltasse a confiança dos consumidores. Essa confiança já voltou?
Sim, voltou. Naturalmente que existem sempre os céticos e os que estão mais psicologicamente afetados, mas a confiança voltou. Os portugueses acabam por perceber que a restauração cumpriu com o seu papel, com o rigor, com a segurança e, por essa razão, dão uma validação e acabam por confiar e voltar aos estabelecimentos da restauração. Esta economia, desde que as condições, estejam criadas vai acontecer e vai recuperar. Isso já está a acontecer e é por essa razão que estamos a dizer que existe a restauração a duas velocidades: uma que ainda não recupera mas que não tem a ver com a confiança, mas com questões de restrições – e a questão do Reino Unido é uma questão importante e mesmo esses que procuraram o nosso país por confiarem porque sabem que somos muito rigorosos, somos muito mais do que outros países – e essa confiança não é só interna é também externa. O nosso país soube muito bem lidar com as adversidades e soube respeitar e responder. Estamos aqui todos de parabéns nesta matéria, naturalmente há outras questões que identifiquei como negativas, que carecem de alguma correção, mas a economia vai ser alavancada. Agora é preciso que não se deixem morrer as outras empresas que ainda estão a aguardar por força de imposições e de proibições que nos são alheias e, a partir do momento, em que forem suprimidas, a confiança está lá, seja externa, seja interna. A economia irá crescer e a restauração toda ela irá crescer em simultâneo. Até lá é preciso ajudar as empresas que não estão a crescer.
Já disse que este é um setor resiliente. Que perspetivas para o futuro?
Tal como 2020, contamos que 2021 e 2022, serão anos muito instáveis. Contamos viver em sobressalto até ao próximo ano. Mas não deixamos de olhar para o futuro com algum otimismo. É certo que a alteração de hábitos irá refletir-se em alguns setores. Podemos dar como exemplo o caso dos estabelecimentos de restauração que tem uma oferta para os almoços executivos do dia a dia, muitos destes terão que se readaptar pois a procura caiu drasticamente. Atualmente, os restaurantes convencionais estão a perder clientes para os Uber’s ou take away’s, servidos por “restaurantes virtuais”, “fantasma” ou “dark kitchens”, pensados de raiz para esse efeito, que até reúnem diferentes conceitos gastronómicos. Por sua vez, estão a surgir novas oportunidades, a saída com amigos para beber uma bebida, aos finais de tarde, estão cada vez mais na moda e nas preferências dos portugueses. A procura por locais com foco na experiência, proporcionando ambientes diferenciados para socializar é uma tendência crescente. Em súmula, perde-se em número de clientes, mas ganha-se em valor, o resultado futuro é de esperança.