Estávamos nas vésperas de mais um brilhante momento histórico da vida do Benfica e do futebol português. Em Amesterdão, face ao Real Madrid, os encarnados defenderiam o seu título europeu. Mas, ainda antes de caminharem para a Holanda, havia que defrontar o FC Porto, sem dúvida o mais difícil de todos os adversários que os encarnados encontraram até hoje aquém fronteiras.
O jogo contava para a Taça de Portugal, oitavos-de-final, 2ª mão. Nas Antas, os lisboetas tinham arrancado um muito confortável 2-2, algo que lhes permitia encarar o jogo de volta com destemido optimismo. E assim foi.
Claro que o peso da responsabilidade caía sobre os ombros dos portistas. Afinal cabia-lhes alterar a sensação e superioridade que o Benfica deixara expressa nas Antas. Não se estranhou, portanto, que Pinto tenha ido com toda a gana para cima de Germano, abrindo um buraco na defesa benfiquista, para entregar depois a bola com suavidade para Serafim, que fez o 0-1. Estavam decorridos apenas três minutos mas, no banco encarnado, Béla Guttmann, furibundo, decidiu que não havia tempo a perder. Os seus gestos, severos, foram bem visíveis,. Ordem para que o grupo avançasse em bloco e atirasse com o adversário para dentro do seu meio terreno. Eusébio começou a entrar na carreira de tiro, com pontapés impressionantes de força e colocação, e o keeper Américo andava verdadeiramente numa dobadoira.
A carga de cavalaria encarnada acabaria, inevitavelmente, por dar frutos. Aos 28 minutos, Eusébio, sempre expedito, logrou perceber a arrancada de Simões e colocou-lhe a bola em frente do pé esquerdo. Um toque ligeiro serviu para alcançar o empate.
Eusébio e Américo A partir de certa altura, o jogo pareceu transformar-se num duelo particular entre Eusébio e Américo. O moçambicano tinha chegado a Portugal há relativamente pouco tempo, já marcara golos atrás de golos, mas ainda não tinha conseguido meter a bola na baliza do FC Porto.
De alguma forma, casmurro como sempre foi, Eusébio da Silva Ferreira decidiu que havia chegado a hora para pôr um ponto final naquela espécie de malapata. 38 minutos: uma luta a meio do campo com Manuel Arcanjo pela posse da bola; Eusébio leva a melhor; está de costas para a baliza portista, mas um faz um movimento repentino de meia volta e aplicou um pontapé tonitruante. Américo nada pode fazer.
Eusébio, esse, tomou-lhe o gosto…
Américo Ferreira Lopes nasceu no dia 6 de Março de 1933 em Santa Maria de Lamas. Havia quem lhe chamasse o Guarda-Redes Suicida pela forma valente como se fazia aos lances. Responsável pela baliza do FC Porto nos anos 60, conquistando o lugar a Acúrsio. Américo ficaria famoso por ter sido uma das grandes vítimas de Eusébio. Só em jogos oficiais, Eusébio marcou-lhe nada menos de 17 golos.
Aquele ficava para a história: era o primeiro.
Quinze vezes chamado à Seleção, cujos balneários repartiu com Eusébio, tornaram-se amigos. Para Eusébio, mal o jogo acabava, todas as rivalidades se enterravam na relva e entrava no simpático convívio da sua forma libertária de ser. Além disso, Américo viajou para Inglaterra com a equipa dos Magriços, embora como terceiro guarda-redes nunca tenha sido utilizado.
Aos cinco minutos da segunda parte desse jogo de 22 de Abril, Eusébio voltou a fazer um passe primoroso para Simões. Isolado face a Américo, o esquerdino não falhou. A vitória por 3-1 punha o Benfica nos quartos-de-final da prova. Eusébio e Américo abraçaram-se no centro do terreno. O inevitável tornava-se real. Para as estatísticas, ficam os números incontornáveis: em 36 partidas contra o FC Porto, Eusébio marcou por 25 vezes. Aquela podia ser a primeira, mas muitas outras vinham a caminho.