O Sporting-Boavista desta jornada tornou-se, indiscutivelmente, um dos mais significativos da história dos encontros entre ambos os clubes. A lista é vasta. Ao fim e ao cabo, os rapazes de xadrez lá dos lados de Ramalde têm 50 presenças na I Divisão. A estreia data da época de 1935-36 e foi na 12.ª jornada que os boavisteiros visitaram pela primeira vez os leões de Alvalade – a competição só comportava oito equipas.
Na primeira volta, o Sporting fora ao Porto empatar 2-2 – horrível tinha sido a sua prestação frente ao FC Porto, perdendo por 1-10. Já sem grandes probabilidades de arrebatar o título ao Benfica, os leões resolveram fazer cair sobre os boavisteiros a sua irritação por uma época sem grande brilho, arrumados no terceiro lugar do campeonato, mas ainda assim campeões de Lisboa. E, no Campo Grande, gente como Biri (guarda-redes), Reis, Monteiro, Guimarães, Laguna, Ferraz ou Costuras, viram-se envolvidos num furacão verde e branco que os destruiu por completo: 9-1.
Logo de entrada, os sportinguistas mostraram ao que vinham. Aos 4 minutos já estava 1-0, com um golo de Soeiro a concluir uma belíssima movimentação ofensiva, e aos 8 Pedro Pireza mostrou a habilidade com que viera ao mundo ao fazer o 2-0 com um gesto de classe.
O povo, alegremente espalhado nas bancadas, ia gozando o pratinho. Um belo domingo de futebol, tempo primaveril, os jogadores recreavam-se com a bola sem preocupações de maior, as coisas azedavam verdadeiramente mais para o lado dos do Porto, que se mostravam completamente baralhados, incapazes de acertar com as marcações.
Costa, o extremo-esquerdo dos leões, estava particularmente inquieto. E atento à mínima falha contrária. Primeiro roubou a bola a Humberto e foi direito à baliza para o 3-0; aos 32 minutos foi acompanhando uma cavalgada de Lopes para, no momento certo, concluir o lance e fechar o resultado até ao intervalo.
Continua a goleada Diga-se que o Boavista fez o que pôde para estancar a corrente de golos dos lisboetas. Infelizmente para eles, pôde pouco. Teve, ainda assim, a capacidade para evitar a descida de divisão, empurrando Carcavelinhos e Académica de Coimbra para os dois últimos lugares. E além do empate caseiro frente ao Sporting, também repetiu a proeza face ao Benfica pelo mesmo resultado (2-2).
Voltemos ao Campo Grande, onde tínhamos ficado ao intervalo. Os quatro golos de desvantagem eram sinal de derrota irreversível. Havia, por isso, de lutar pela honra, que era o que sobrava.
Durante os minutos iniciais, os boavisteiros atiraram-se para a frente. Nada que incomodasse por aí além a defesa leonina. Ao tempo, apelidava-se com mais frequência o Boavista como equipa das damas do que equipa do xadrez. Pormenor sem importância, visto que o tabuleiro é o mesmo.
Pireza era um jogador ímpar. Tinha lances de uma imaginação fecunda. Num deles, tirou dois adversários da frente e ofereceu o quinto golo a Mourão. O mesmo Mourão que, de longe, bem fora da grande-área, teve um disparo fulminante e indefensável para o húngaro Biri. 22 minutos da segunda parte. A goleada já ia gorda. No minuto seguinte, mais gorda ficou com novo golo de Soeiro.
O golo do Boavista, que deu um toque inconformado ao resultado, seria também apontado por um jogador do Sporting, o defesa Vianinha, na própria baliza. Já estávamos a caminhar para os derradeiros dez minutos e não havia capacidade nos axadrezados para mais do que tinham procurado fazer. Foi com a maior das naturalidades que Adolfo Mourão (82m) e Francisco Lopes (85) fecharam a contabilidade: 9-1.
Pela primeira vez, o Boavista visitara o Campo Grande para o campeonato e não saía de lá com boas recordações. Agora, 85 anos decorridos sobre aquele 19 de Abril de 1936, a alegria continua a brilhar intensamente verde…