António Laureano, de apenas 18 anos, está a caminho de se tornar no protagonista da maior onda alguma vez surfada no mundo. A 29 de outubro de 2020, Laureano deslocou-se até à Nazaré com o seu pai, Ramon Laureano, veterano das grandes ondas, e acabou por surfar uma onda que chegou aos 30,9 metros de altura, segundo os cálculos da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) da Universidade de Lisboa. Na segunda-feira, o jovem surfista anunciou que vai concorrer ao Guinness World Record, defendendo que esta é a maior onda de sempre a ser surfada. Homologada a altura oficial da onda, a candidatura passa agora para os prémios XXL da World Surf League (WSL), que, por sua vez, tramitará com o Guinness a possibilidade de António Laureano bater o brasileiro Rodrigo Koxa, que detém atualmente o recorde, no mesmo local, com uma onda de 24,4 metros de altura, surfada em 2017.
A onda foi um golpe de redenção, conta António Laureano ao i, relembrando que uns poucos dias antes daquele agora lendário 29 de outubro de 2020, a ondulação na Nazaré tinha sido honestamente “frustrante”, impedindo ao surfista de mostrar “o treino que tinha feito no verão anterior”. No dia 29, no entanto, as previsões apontavam, não só para “um dos melhores mares da temporada”, mas sim para “um dos melhores mares de sempre na Nazaré”, e lá foram Ramon e António Laureano, pai e filho, ambos amantes do surf, para a praia no centro do país. “Entrei dedicado e focado a apanhar uma das maiores do dia, e queria mostrar a dedicação investida no desporto e nos treinos. Queria mostrar que estava mais do que apto, e, na primeira onda, acabei por cair. Fiquei quase uma hora à espera da ‘tal’ onda, e parecia que aquela estava a dizer ‘ok, esta aqui é tua’. Ninguém tentou ir, só eu e o meu pai é que fomos. Ele perguntou se queria ir, e eu disse ‘bora’.”
Assim recorda Tony Laureano o dia em que, caso a candidatura ao Guinness tenha sucesso, para a qual confessa ter “grandes expectativas”, um surfista português surfou a maior onda de sempre… numa praia portuguesa.
Contributo académico Ao i, o professor da FMH, Miguel Moreira, responsável pela homologação da onda, começou por explicar que não é a primeira vez que a faculdade se envolve neste tipo de “contributos”, recordando que, já em 2011, a sua equipa fez as medições da onda surfada por Garrett McNamara, também na Nazaré, que na altura quebrou o recorde em questão.
A faculdade, começou por explicar Miguel Moreira, faz “várias recolhas de dados” para modalidades desportivas, utilizando um software que não foi desenhado principalmente para o surf. Ainda assim, o professor aproveitou as funcionalidades desta ferramenta para passar a avaliar dados sobre ondas numa adaptação que, no entanto, não se revelou fácil. “Há um problema, que é que a onda é dinâmica, portanto temos dificuldade em ter zonas estáveis para fazer medições”, começa por explicar. Para dar a volta ao obstáculo, explica, “utilizamos a altura do surfista como referência de escala, e procuramos a crista da onda, que é o ponto mais alto, e a base”. Esta é, no entanto, também uma referência difícil de alcançar, confessa, revelando que, para chegar a um valor realista, “entramos em contacto com o surfista para ele nos confirmar se está de acordo, porque, afinal de contas, ele é que esteve lá no local e na onda, com a opinião de onde está a base da onda”.
Miguel Moreira aponta, ainda assim, o dedo às comparações a nível de recordes mundiais. Questionado sobre a sua expectativa na candidatura ao Guinness, o professor da FMH deixa um ponto assente sobre estes processos: “Para se atribuir os recordes, as ondas deviam ser medidas sempre com o mesmo método. Mesmo tendo algum erro, à partida essa margem de erro era igual nas análises que são feitas. Esta é sem dúvida a maior onda que analisámos até ao momento, e como utilizamos o mesmo método com a maioria das ondas feitas na Nazaré e às quais foram atribuídos recordes [como o de McNamara], esta, ao ter um valor superior, para nós será o recorde”.
Uma dura realidade Estes desportos não são chamados de “extremos” ou “radicais” só porque sim, relembra Miguel Moreira, que tira o chapéu a atletas como António Laureano, porque este tipo de atividades envolvem, como o mesmo afirma, “um risco de morte real”. Afinal de contas, “os surfistas têm de estar preparados para passar muito tempo por baixo de água depois da queda da onda, e muitos acabam por perder os sentidos”, por exemplo. Também as altas velocidades atingidas sobre a prancha – que, garante o professor, podem chegar a 80 km/h – são um dos fatores de alto risco nesta modalidade, em que os atletas acabam por “estar aos saltos sobre a onda, a fazer contactos sucessivos constantemente, o que, se não forem bem preparados”, pode acabar em lesões.