Antecipar a situação de pobreza


O poder local consegue dar respostas mais imediatas e incisivas, pela sua proximidade com a população e pela capacidade que tem de articular as várias entidades que operam no terreno.


O estudo sobre a pobreza em Portugal, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, apresenta um diagnóstico sobre as origens da pobreza e o seu impacto na sociedade portuguesa. Após a análise aos dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2018 pelo Instituto Nacional de Estatística, os investigadores entrevistaram vários indivíduos de forma a determinarem, em primeira mão, o como e o porquê da situação de pobreza em Portugal, a qual não tem sofrido relevantes alterações desde 2003. Isto é, a percentagem da população que se encontra em situação de pobreza ronda os 20%, oscilando acima ou abaixo, consoante alguns contextos económicos, como é o exemplo da crise económica de 2009. Quer isto dizer que, diariamente, convivemos com um quinto da população, ou 1,7 milhões de pessoas que se debatem com dificuldades económicas e sociais, das quais não conseguem sair.

Por defeito, entende-se que a pobreza é própria de pessoas que estão desempregadas ou que têm reformas tão baixas, que não lhes é permitido aceder aos bens essenciais para viverem condignamente. Esta é a meia verdade do que este estudo nos revela. Se os reformados representam 27,5% deste grupo e os desempregados referem-se a 13%, por seu lado, os trabalhadores constituem uns largos 32,9%, aos quais acrescem uns 26,6% dos trabalhadores precários. Logo, a pobreza não é sinónimo exclusivo de desemprego. De entre o grupo dos trabalhadores que estão expostos à pobreza destacam-se três causas principais que são responsáveis por empurrar indivíduos que trabalham para o limiar da pobreza: uma circunstância de divórcio, uma ocorrência de desemprego ou/e um caso de doença.

Neste grupo de risco, as dificuldades são acrescidas para as famílias monoparentais e para as famílias com três ou mais filhos, que não têm recursos suficientes para suportarem a educação, os cuidados de saúde e os bens essenciais indispensáveis ao crescimento e desenvolvimento saudável das gerações seguintes.

A ocasião em que este estudo surge é uma oportunidade que deve ser aproveitada pelos candidatos autárquicos que estão em fase de reflexão e de delineamento da estratégia municipal para os próximos quatro anos de mandato autárquico. É evidente que estes números estão sujeitos a um aumento abrupto nos próximos meses, tendo em consideração os vários testemunhos que vão surgindo por parte das instituições de apoio social, que são os primeiros a receber estes pedidos de auxílio. Se em março do ano passado, os contactos realizados com as linhas telefónicas de apoio aos utentes mais frágeis e em situação de carência emocional se caracterizavam por alertas emocionais, reveladores de depressão, solidão e de angústias que culminavam em pensamentos suicidas; hoje, os relatos de fome e de desespero somam-se aos anteriores, o que tem preocupado as instituições de apoio que atestam o aumento destes números a cada dia que passa.

Normalmente, à boa maneira portuguesa, esperamos que as situações se concretizem para de seguida iniciarmos um processo de debate e reflexão sobre as medidas a tomar. Neste caso, em concreto, não me parece razoável e prudente fazê-lo. Ao invés, deveríamos iniciar a estruturação de respostas imediatas, que possam evitar que mais pessoas caiam neste ciclo de pobreza, e desenvolver esforços para retirar as que lá se encontram. Não basta disponibilizarmos o Rendimento Social de Inserção ou o Subsídio de Desemprego e desejar que tudo corra pelo melhor a estas famílias, abandonando-as à sua sorte. Há que acudir com medidas específicas a todos os que correm o risco de virem a fazer parte do tal um quinto da população, que vive em situação de pobreza, e apontar um caminho, uma solução, que os ampare e evite a subsidiodependência.

O poder local é, de longe, aquele que consegue dar respostas mais imediatas e incisivas aos cidadãos, pela sua proximidade com a população e pela capacidade que tem de articular as várias entidades que operam no seu terreno.

A criação de gabinetes ou de serviços municipais de apoio ao emprego, bem articulado entre as entidades empregadoras e os desempregados, seria um passo positivo no combate ao desemprego e, consequentemente, no combate à pobreza, que poderia vir a interromper o processo de reprodução intergeracional de situações precárias e de exclusão. Há que ter uma especial atenção para as pessoas que, não estando incluídas neste grupo, em situação de pobreza, somente porque auferem umas dezenas de euros a mais, se encontram em condições vulneráveis e, facilmente, podem resvalar, para engrossar o grupo dos cerca de 20%. Em contexto de crise económica, a estas famílias basta que lhes aconteça uma das três causas que já referi – divórcio, desemprego ou doença – para que sejam vítimas da fome.

Mais do que nunca, é indispensável que as autarquias assumam um papel mais próximo dos seus munícipes, conheçam os seus problemas e disponibilizem locais onde se possam dirigir para obterem respostas eficazes, evitando o agravamento da exclusão social, que, por sua vez, promove a desestruturação da comunidade, tal como a conhecemos. A responsabilidade dos próximos eleitos passa por se posicionarem, com antecipação, para os quatro anos de mandato a que se apresentam e prevenirem as eventuais situações calamitosas, derivadas desta pandemia. Este é o desafio mais complexo de alcançar: a antecipação.

 

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