Para muitos, as raspadinhas são um vício, que afeta, neste momento, principalmente pessoas da classe média baixa. Mas, em ano de pandemia, com mudanças no dia a dia e contas mais apertadas para os portugueses, as apostas caíram 16%.
Os dados foram avançados ao i pela Santa Casa Misericórdia de Lisboa, responsável pelos Jogos Santa Casa, apesar de o relatório de 2020 ainda não estar totalmente fechado – será divulgado no próximo mês de maio. Os números não deixam margem para dúvidas: “Atendendo ao ano atípico que se viveu, motivado pela pandemia da covid-19, e que afetou inúmeros setores da economia, também as vendas dos jogos sociais do Estado tiveram uma diminuição na sua totalidade, incluindo a lotaria instantânea (conhecida como Raspadinha), que teve uma quebra na ordem dos 16% por cento em relação ao 2019”, indica a Santa Casa.
Uma vez que o relatório não está fechado, a entidade não adianta o total exato gasto pelos portugueses em 2020.
Fazendo as contas, em 2019, em vendas brutas os portugueses gastaram 1718 milhões de euros com a Raspadinha, o que significa que os gastaram em média 4,7 milhões de euros por dia nesta lotaria instantânea. Tendo sido a queda em 2020 de 16%, os portugueses terão gasto aproximadamente 1,4 mil milhões de euros, o que perfaz 3,9 milhões euros por dia. Os gastos com raspadinhas regressaram assim ao nível de 2017, depois de anos de subida sucessiva das apostas, a maior quebra dos últimos anos.
Ainda sem avançar os dados do ano passado, a Santa Casa ressalva ser “importante sublinhar que o aumento das vendas da Raspadinha, nomeadamente entre 2010 a 2016 (depois verificou-se uma certa estabilização), se ficou a dever, sobretudo, ao aumento da base do número de apostadores e não ao aumento do dispêndio per capita, ou seja, do valor gasto por apostador”.
Para onde vai o dinheiro? A questão tem sido debatida no espaço público depois de o Governo ter anunciado a criação de uma raspadinha para financiar intervenções em património cultural, cujo lançamento está apontado para 18 de maio. Que destino é hoje dado às receitas das diferentes raspadinhas no mercado? A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa indica que “é devolvido à sociedade quase em 100 por cento (do valor obtido em receitas), seja através de prémios (a principal fatia), das receitas distribuídas pelos vários beneficiários dos jogos sociais da Santa Casa (estabelecido por Decreto-Lei), Imposto do Selo e pagamento aos cerca de 5000 mediadores dos Jogos Santa Casa, na sua maioria pequenos negócios locais (cafés, quiosques, papelarias, etc)”.
Começando então pelos pontos de venda, a entidade adianta que em 2020 os mediadores dos Jogos Santa Casa receberam 210 milhões de euros, o que significa que cada um dos pontos de venda obteve em média 43 mil euros. “Estima-se que, na sua globalidade, estas receitas tenham assegurado mais de 16 mil postos de trabalho. Só a Raspadinha contribuiu com 141 milhões de euros para a receita obtida pelos mediadores, o que equivale a uma média de 29 mil euros por ponto de venda”, refere a Santa Casa da Misericórdia.
Quando ao dinheiro distribuído aos beneficiários dos jogos sociais, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o Ministério da Saúde ficam com as maiores fatias. O valor depende todos os anos do lucro obtido com o jogo e em 2020, já refletindo a quebra de 16% nas receitas, foram distribuídos 620 milhões de euros pelos beneficiários, com a seguinte distribuição: Administração Interna (3,6%), Educação (10,29%), Cultura (3,28%), Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (32,98%), Saúde (15,70%), Presidência do Conselho de Ministros (3,88%), Governo Regional da Madeira (2,47%), Agência de Gestão e Tesouraria e da Dívida Pública (2,18%) e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (26,52%). Em 2019, tinham sido distribuídos pelas diferentes entidades cerca de 760 milhões de euros.
Depois, em cada organismo as receitas são canalizadas para “inúmeras finalidades”, como explica a Santa Casa: “De âmbito social – que podem ir do acompanhamento a pessoas idosas e pessoas com deficiência, passando pelo apoio a crianças e jovens, à violência doméstica e situação de pobreza; na área da saúde – como o financiamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados ou projetos relacionados com programas VIH/SIDA, saúde mental, diabetes, doenças oncológicas, prevenção do tabagismo, alimentação saudável, entre tantas outras; também no âmbito da emergência e socorro, nomeadamente no apoio a associações de bombeiros voluntários; e ainda de cariz regional – governos regionais –, cultural – Fomento Cultural – ou desportivo, através do Instituto Português da Juventude”.
Sendo à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que é atribuída uma das maiores percentagens dos resultados de exploração, as verbas neste caso são sobretudo destinadas a ação social (lares, centros de dia, resposta de emergência, apoio a idosos, proteção e promoção de crianças no distrito de Lisboa, alimentação, entre outras) e saúde (três hospitais, duas unidades de cuidados continuados, várias unidades de saúde de proximidade, saúde oral gratuita para jovens até aos 18 anos em Lisboa, um centro médico, entre outros equipamentos e respostas).
Raspadinha do Património A nova raspadinha do Património vai custar um euro e a expectativa é que contribua com cerca de cinco milhões de euros para o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, um valor que dados os gastos dos anuais dos portugueses com raspadinhas e o total de verbas que o jogo garante a diferentes projetos públicos sociais é uma gota de água. Em 2020, representou o encaixe médio de dia e meio de vendas. A ideia, diz o Ministério da Cultura, é que os lucros desta lotaria instantânea sirvam para um conjunto de intervenções de salvaguarda e valorização patrimonial de caráter urgente.
Recorde-se que esta nova raspadinha já causou algumas polémicas e são várias as vozes que acusam o Estado de promover este tipo de jogo e, consequentemente, a dependência. Uma das vozes mais críticas foi Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social (CES) que garante que “o problema é mais grave do que se pensa”. O Governo deveria reponderar o lançamento de uma nova lotaria instantânea, que está prevista no Orçamento do Estado. (…) Se eu tivesse responsabilidades governativas esperaria, no mínimo, pelo estudo que o CES vai promover”, disse à Lusa.
O estudo de que falava Francisco Assis foi pedido pelo CESà Universidade do Minho para avaliar o impacto das raspadinhas na saúde e nas finanças dos portugueses. A par deste estudo, a Universidade do Minho já tinha realizado recentemente um onde revela que cada português gasta, em média, 160 euros por ano em raspadinhas, valor que representa o dobro da média europeia. Por isso, os investigadores desta universidade defendem que a solução é regulamentar e promover um consumo responsável.