O partido mais falado no México, há medida que se aproximam as intercalares de 6 de junho, é o “partido do crime organizado”, da plata ou plomo, do dinheiro ou chumbo. Com mais de 64 candidatos mortos nos últimos seis meses, segundo dados oficiais, a violência ainda está abaixo do pico da campanha de 2018, a mais sangrenta em décadas, onde foram assassinados 153 políticos, mas “caso este ritmo continue, estas podem ser as eleições mais violentas desde a Revolução Mexicana”, alertou Ruben Salazar, diretor da empresa de consultoria Etellekt, a semana passada, à Reuters. Ecoava os apelos da ministra da Segurança, Rosa Icela Rodríguez, que avisou que poderosos carteis mexicanos e criminosos de colarinho branco, “estabeleceram campanhas de medo, para intimidar a classe política e o povo no geral”, numa altura em que a pandemia de covid-19 dificultou o tráfico através de fronteiras, obrigando os carteis a depender mais de crimes domésticos, como extorsão, raptos, roubo de combustível ou homicídios por encomenda. É uma tendência que se vê por toda a América Latina, mas no México há agravante de um cartel recente, o Jalisco Nueva Generación, se querer afirmar como força dominante, entrando em guerra com rivais por todo o país.
“Nos estados de Morelos, Guerrero, Michoacán, Oaxaca, Veracruz, Sinaloa, e Jalisco, vemos maior risco de que candidatos sejam cooptados pelo crime organizado”, considerou a ministra da Segurança, em conferência de imprensa. Na prática, traçou um mapa das principais zonas invadidas pelo novo super cartel, mais o seu bastião, Jalisco, somado ao território ancestral do seu principal rival, o Cartel de Sinaloa, em tempos liderado por Joaquim “El Chapo” Guzmán.
Agora, com El Chapo condenado a prisão perpétua nos EUA, o seu legado é disputado entre o seu sócio, Ismael “El Mayo” Zambada García, e os seu filhos, conhecidos por “Los Chapitos” – enquanto o líder dos Jalisco Nueva Generación, Nemesio Oseguera “El Mencho” Cervantes, se torna o narco mais temido nas ruas do México. Esta luta de poder, onde o controlo da esfera política é chave, acelerou nos últimos tempos. Nem que seja porque “quando há um desequilíbrio nos mercados (ilegais ou não) ocorre frequentemente violência quando grupos procuram alcançar um novo equilíbrio, estabelecendo um novo pacto”, nota um artigo de Steven Dudley, co-diretor do InSight Crime e Robert Muggah, diretor do Igarapé Institute, no Small Wars Journal. “E a covid-19 provocou desequilíbrio a uma escala sem precedentes”.
Ainda assim, seria simplista colocar o ónus desta onda de violência política apenas no crime organizado, argumentou Ruben Salazar, lembrando que a maioria das zonas mais afetadas estão entre as mais pobres do México, onde o orçamento público local é a única forma de famílias de caciques se manterem abastadas – incentivando a que se abata rivais políticos com recurso a assassinos a soldo, ou sicários. “Além disso, as poucas sentenças que existem só relacionam estes assassinatos com temas pessoais, familiares, desentendimentos amorosos, assaltos a propriedade, etc.”, acrescentou o diretor da Etellekt ao El País.
A verdade é que o aumento da violência política no México é uma tendência das últimas duas décadas, desde a desintegração eleitoral do Partido Revolucionário Institucional (PRI), hegemónico entre 1929 e 2000. O regime, descrito à época como “a ditadura perfeita” por Mario Vargas Llosa, com uma capacidade sem paralelo para “recrutar eficientemente o meio intelectual, subornando-o de uma maneira muito subtil”, mantinha o crime organizado relativamente sob controlo – nem que fosse porque boa parte da elite do partido estava na folha de pagamento dos narcos, ou envolvida diretamente no tráfico.
O fim da invencibilidade eleitoral do PRI às mãos do Partido da Ação Nacional (PAN) – que viria ele próprio a ser penetrado pela corrupção dos narcos, sobretudo nos tempos do Presidente Felipe Calderón, que é acusado de ter sido subornado por “El Chapo” – desequilibrou a rede de corrupção que geriam. Pouco a pouco, o PRI foi perdendo os seus governadores, presidentes de câmara, funcionários locais, “uma alternância de poder que o sistema político mexicano ainda não acabou de dirigir”, explicou Ruben Salazar. Sem um partido que centralizasse a corrupção, “alguns presidentes de câmara começaram a estabelecer os seus próprios acordos com o crime, e hoje é difícil distinguir de onde vem a violência usada para ficarem no cargo ou roubarem-no a um adversário”, acrescentou o diretor da Etellekt, que estima que 90% dos assassinatos políticos durante a campanha de 2018 tenham ficado por punir.
Nas eleições de junho, o prémio para os vencedores da disputa será enorme. Vão a jogo 15 postos de governador, 1925 câmaras municipais, 500 assentos no Congresso mexicano e 1663 em congressos estatais. Mas não é só com chumbo que carteis e criminosos de colarinho branco tentam tomar controlo destes postos – teme-se uma enxurrada de dinheiro sujo no financiamento da campanha.
Família devastada
No estado de Veracruz, chegou a correr sangue à porta de uma câmara municipal, a semana passada, no mesmo dia em que o Governo mexicano prometera um aumento na proteção dos candidatos.
José Melquiades Vázquez Lucas, ex-presidente da câmara de La Perla e candidato do PRI às eleições, conhecido como “El Pantera”, foi abatido em plena luz do dia. Atacantes abriram fogo a partir de uma carrinha, disparando dezenas de tiros a poucos metros da esquadra da polícia local, atingindo Lucas na cabeça e no ombro, ferindo também a sua mulher, Leticia Mauro Gallardo, dirigente do Partido Verde Ecologista do México, que sobreviveu por pouco – Lucas viria a falecer num hospital, aos 51 anos.
Antes da tragédia, a família já estava de luto. Nessa semana faziam seis meses que José Andrés Vázquez Mauro, de 27 anos, dono de uma loja de ferragens e filho do ex-presidente de Câmara, desaparecera quando fora fazer uma entrega. Na altura, os seus vizinhos saíram à rua em La Perla, de cartolinas com o rosto de Josés Andrés na mão, pedindo a sua libertação, e o próprio “Pantera” implorou por misericórdia. “Peço às pessoas que o levaram, aqui estou, devolvam-no, se quiserem algo aqui estou”, apelou Vázquez Lucas, citado pelo jornal local E-Veracruz. Mas não serviu de nada, o cadáver do jovem foi encontrado dias depois, maltratado, e deixado à beira da autoestrada, junto de mensagens com ameaças contra o seu pai.
Vázquez Lucas foi o sétimo candidato eleitoral assassinado nos últimos meses em Veracruz, um dos estados mais abalado pela violência, onde, ao contrário do passado, não parece haver partido imune à carnificina. Semanas antes da morte do candidato do PRI, uma antiga presidente da câmara de Cosoleacaque, Gladys Merlín Castro, e a sua filha, Karla Merlín, candidata do Morena, o partido do Presidente Andrés Manuel López Obrador, foram assassinadas à facada em sua casa, suspeitando-se que um dos seus guarda-costas tenha desligado o alarme da residência.
Em Veracruz, como no resto do México, é cada vez mais difícil perceber os motivos por trás destes crimes. Por um lado, o cartel Jalisco Nueva Generación e os Zetas Vieja Escuela – uma cisão dos Zetas, um cartel fundado por um antigo esquadrão das forças especiais mexicanas, que teve a infame distinção de ser considerado o mais brutal do México, até se fragmentar – estão em guerra neste estado. Disputam sobretudo o porto de Veracruz, ponto-chave de entrada para precursores químicos de drogas sintética, essenciais para a produção de metafetaminas ou fentanil, algo em que o cartel de “el Mencho” se especializou. Por outro lado, o que não faltam são oportunidades para funcionários públicos e políticos corruptos lucrarem em Veracruz – e os carteis, que vêm os seus rendimentos cortados com a pandemia, querem uma fatia.
“Os grupos criminosos financiam candidatos a troco que lhes deem a pasta da polícia ou das obras públicas”, admitiu recentemente o governador de Veracruz, Cuitláhuac García, citado pelo El Financiero. “Quando comprometeram demasiado o candidato pedem as finanças, e se são muito descarados apoiam-no publicamente”.