11 de março. Há dois anos, neste dia, no meu gabinete nos Paços do Concelho, uma sucessão de confrontações duríssimas com agentes económicos que ensaiavam a obliteração das fronteiras do interesse público acabariam por me conduzir a uma cama de hospital. Um enfarte do miocárdio fez-me ceder, momentaneamente, a uma pequena traição do coração. Com alguns dias de internamento forçado – muito menos do que os meus médicos desejavam, muito mais do que eu estava disposto a dar – tive oportunidade de refletir sobre as minhas prioridades.
Com muito trabalho por fazer, com um mandato que me tinha sido confiado pelos cascalenses para ser honrado, a minha vontade maior era regressar ao terreno no mais curto espaço de tempo. Em vez dos três meses que me tinham sido clinicamente impostos, encetei a minha recuperação em três semanas. Voltei mais energizado do que nunca.
Outra das minhas prioridades passava por mudar hábitos e vícios. Não todos, apenas alguns. Para que nunca corresse o risco de ser aquele tipo de homem que Winston Churchill via no trabalhista Stafford Cripps: “Tem todas as virtudes que desgosto e nenhum dos vícios que admiro.” Largar o cigarro, companheiro de tantas viagens e jornadas, era, eu sabia-o, a empreitada mais complexa. Comprometi-me então a apagar o último cigarro no dia 11 de março do 2020, precisamente um ano depois do enfarte. Dar tempo ao tempo permitir-me-ia criar habituação à ideia e cumprir a promessa. E assim foi. Mas, e há sempre um “mas” para os fumadores, poucos dias depois o vírus que já andava a ameaçar a Europa pelos noticiários obriga o Presidente da República a decretar o Estado de Emergência. Fecha-se o país. Há medo. Embrulhado numa guerra nova e enfrentando um inimigo que não conhecia, dificilmente navegaria na incerteza dos nossos tempos sem voltar a fumar. Assumi essa recaída e coloquei uma nova fasquia: vencer a pandemia sem constrangimentos impostos pelo risco.
Como os ponteiros nunca se cansam de girar, regressamos novamente ao dia 11 de março. Tal como o meu primeiro 11/03, há dois anos, também este se anuncia de esperança renovada e de prioridades recalibradas. Com o plano de desconfinamento que será neste dia apresentado, António Costa tentará pôr fim ao mais longo e penoso inverno das nossas vidas. O suficiente não chega. Portugal não pode falhar de novo. As grandes empresas, os pequenos negócios, as famílias, as crianças não aguentam mais confinamentos.
As informações que vão sendo partilhadas pelos media, e que têm o carimbo dos especialistas a certificá-las, dão sinais positivos. Saliento três aspetos que me parecem importantes: (1) a constituição de cinco níveis de risco que funcionam como diques para travar ou soltar medidas de contenção; (2) a realidade municipal, a cidade, como unidade de análise para implementação de medidas de normalização respeita o princípio da proporcionalidade e da igualdade (que não é, lembre-se, tratar tudo da mesma forma); (3) a filosofia gradualista na gestão da reabertura da economia.
Estes bons indicadores do que pode vir a ser o plano de reabertura e desconfinamento não devem viver por si só. Devem ser complementados com a observância de três pressupostos que podem acrescentar poder de aceleração (ou travão) ao plano. A saber: o ritmo de vacinação; o acompanhamento das curvas de vacinação e hospitalização/ internamentos/ óbitos (em tese, seguem rotas divergentes); a ausência de novas estirpes no território nacional.
Uma das ideias que o plano sugere vir a consagrar é a da centralidade do poder local. Em Cascais temos essa noção muito presente: tal como no combate à pandemia, também no processo de desconfinamento o país não será bem-sucedido se não estiver apoiado no pilar do municipalismo.
Independentemente do que vier a ser feito pelo Estado Central, estamos, numa lógica complementar, a ultimar o nosso Plano de Desconfinamento Municipal. O processo TRI – testar, rastrear e isolar – é uma marca de água desse plano. Neste combate à pandemia, que se antevê ainda longo, a ambição de Cascais é: testar massivamente os grupos mais expostos, identificando rapidamente novas infeções; rastreamento robusto, para constituir o mapa de todas as cadeias de transmissão, quebrando os ciclos de infeção; isolar os infetados que não tenham condições para debelar a doença sem pôr em causa a segurança do agregado familiar.
Ainda no acompanhamento dos infetados, disponibilizamos oxímetros e termómetros. Esta medida de auto diagnóstico é importante para despressurizar os hospitais e a saúde24.
É impossível falar de desconfinamento sem fazer uma referência à vacinação. As Câmaras não têm nenhum papel na definição dos grupos de risco, na seleção das pessoas que são vacinadas ou na sua ordenação e chamada. Esse é um papel da saúde pública. Onde as Câmaras podem estar a trabalhar, e Cascais já está a trabalhar, é na convocatória dos utentes pré-identificados pela saúde pública. Com contact-centers mais modernos e eficientes, as autarquias podem dar um contributo crítico para que o processo de vacinação corra de forma mais ágil.
A nossa vida não pode resumir-se a períodos de curta liberdade entre a reclusão domiciliária. Portugal exige e precisa de um plano de reabertura da sociedade e da economia que seja competente, credível e irreversível. Este é um momento de coragem para os decisores políticos que conhecem hoje, muito bem, o custo pesadíssimo da inação e do tacticismo.
Que o 11 de março responda às nossas expectativas coletivas. Que, mais do que uma reabertura, seja um recomeço. Com esperança renovada no futuro.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira