A pandemia veio pôr o país a trabalhar a meio gás. E, se há atividades que continuam a funcionar, há outras que foram obrigadas a encerrar as portas. A juntar a isso há contratos que estavam prestes a terminar e não foram renovados. O i quis saber junto de diferentes profissionais como estão a viver esta segunda fase de confinamento e quais as consequências não só para a sua vida pessoal, mas também profissional. E se há atividades que estão abertas, como é o caso dos consultórios dentários e os hotéis – que podem sofrer por falta de clientes – outras, nomeadamente cabeleireiros e restauração, nem isso.
Ao i, a dentista Sandra Nunes admite que a “medicina dentária é uma das áreas da saúde que tem sentido bastante as consequências desta pandemia”. Apesar de ter atualmente autorização para ter portas abertas, vê-se a braços agora com “um investimento ainda maior, do que já é habitual, em sistemas de proteção e equipamentos de proteção individual do que aqueles que já usualmente utilizava”. E admite que os clientes têm receio de ir ao consultório, pondo a saúde oral em segundo plano.
Também Tânia Correia Martins não viu a sua atividade fechada, mas por estar a trabalhar no setor do turismo foi “empurrada” para uma situação de layoff – que, mais tarde, deu lugar ao desemprego. A falta de turistas falou mais alto e agora tem de ajudar o irmão, que está na mesma situação. Ambos esperam por melhores dias.
Já Manuel Almoster, depois de ter visto o seu contrato ser rescindido no primeiro confinamento, conseguiu encontrar um novo emprego na sua área de atividade, a restauração. Encontra-se atualmente em layoff. A esperança é a última a morrer, mas atualmente vive com menos do que o salário mínimo e conta com a ajuda de familiares.
O mesmo cenário de rescisão de contrato foi vivido por Patrícia Rodrigues. A trabalhar num lar de idosos há dois anos, com a função de animadora sociocultural, viu o seu contrato a terminar. Mas não quis baixar os braços e lançou um projeto, juntamente com mais dois pessoas, que pretende desenvolver e a divulgar materiais e jogos de estimulação/treino cognitivo para população idosa.
Também Pedro Pinto e Fábio Mendes viram-se a braços com um negócio quase acabado de arrancar e que foi obrigado a fechar as portas: um ginásio. Assistiram a uma quebra abrupta do número de clientes, o afetou gravemente a faturação.
A história repete-se com Filomena Barroso que, depois de ter visto fechada a sua atividade durante mais de dois meses no início do ano passado, acabou por abrir para voltar a fechar as portas. “Deprimida, apreensiva e com medo de não conseguir fazer dinheiro para as despesas” é assim que a cabeleireira vê a sua atual situação.
Já Mariana Ferreira, após ter saído da TAP, apostou no babysitting, uma atividade a que se dedica desde os tempos da faculdade: “Os pais estão em teletrabalho com filhos pequenos em casa e conciliar tudo sozinhos é quase impossível”. Uma solução que poderá ganhar maior relevo nos dias de hoje.
Uma realidade diferente tem Albina Marques Pinto. Investiu num centro de estudos e continua a lutar por “manter o sonho de pé”.
Por seu lado, Anabela Fonseca promete arregaçar as mangas. Responsável por uma agência de viagens, acena com novidades. “Vamos passar a disponibilizar produtos que são, acima de tudo, fins de semana ao ar livre com uma vertente desportiva como as caminhadas, a canoagem ou os passeios de balão”, avança ao i.
Numa situação mais delicada estão Tânia e Miguel Correia Martins, há dez anos à frente do Atelier da Cortiça. Com quatro filhos para sustentar, contam apenas com o apoio dos sogros e esperam por melhores dias.
Sandra Nunes. “A medicina dentária em tempo de pandemia”
Vivemos momentos muito difíceis que exigem de todos nós resiliência, adaptação e coragem. Todos os dias estamos a ser postos à prova por esta crise mundial que veio para durar. A medicina dentária é uma das áreas da saúde que tem sentido bastante as consequências desta pandemia. Trata-se de uma atividade que obriga a avultados investimentos por parte dos médicos dentistas, pela especificidade e diversidade de equipamentos e de materiais, pela necessidade de formação continua.
Com o encerramento abrupto das clínicas, por decisão de despacho governamental durante o primeiro confinamento, ficaram marcas significativas a nível económico e social. A interrupção de consultas e de toda a atividade, a impossibilidade de doentes recorrerem às clínicas para efetuar tratamentos dentários, a inexistência de material de proteção individual, o aumento de custos inerentes ao exercício da atividade, a falta de apoios estatais específicos a esta atividade, a continuação dos compromissos financeiros relativos à manutenção da atividade, foram alguns dos fatores que vieram agravar a crise no setor da saúde oral.
A reabertura das clínicas, passados 3 meses de encerramento forçado, obrigou a um investimento ainda maior, do que já é habitual, em sistemas de proteção e equipamentos de proteção individual (EPI) ainda mais eficazes do que aqueles que já usualmente utilizava. Foi necessário reajustar agendas, ver um número menor de doentes por dia dando mais tempo para a desinfeção e arejamento do gabinete.
Na medicina dentária trabalha-se muito próximo do doente, estando o profissional muito exposto a qualquer tipo de doença infecciosa e por isso todos os procedimentos de proteção e desinfeção já faziam parte da rotina de trabalho.
Perante um vírus desconhecido e altamente contagioso foi necessário reforçar essas medidas de proteção e criar condições para dar toda a confiança e segurança aos doentes e aos profissionais. Neste segundo confinamento apesar de não termos encerrado portas, nota-se uma redução significativa de consultas. A subida exponencial de contágios gerou algum medo nas pessoas e com a crise económica existente os tratamentos mais diferenciados e dispendiosos também diminuíram.
A maior parte dos casos de covid-19 em profissionais de medicina dentária têm sido por contágio fora do local de trabalho. Sendo a saúde oral um fator determinante para a saúde em geral é fundamental continuar a prestar os cuidados de saúde oral aos nossos doentes. É necessário que as pessoas tenham confiança e não tenham medo para não deixarem para trás o que é mais importante da vida, a saúde.
Patrícia Rodrigues. “Se não fosse a pandemia, isso não aconteceria”
Quando a pandemia começou já trabalhava em lares de idosos há dois anos nos quais desenvolvia atividades de animação sociocultural junto desta população. Quando o país fechou e se começou a ver que a situação económica ia piorar, acho que foi um bocado inevitável para todos pensarmos no futuro, se íamos conseguir manter o emprego ou não.
Com o fecho do país, as Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI) foram obrigadas pelo Estado a suspender as atividades de animação como medida de prevenção à pandemia e nesse sentido, o meu contrato não foi renovado. Sei que se não fosse a pandemia, isso não aconteceria, mas esta é uma situação a que milhares de portugueses estão sujeitos neste momento.
Decidi não cruzar os braços, mas nesta altura é muito difícil encontrar trabalho dentro e fora da minha área profissional que é a animação sociocultural, apesar dos vários currículos que tenho enviado. Mas estar parada não é solução para mim, uma vez que sempre gostei de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. O teletrabalho, o confinamento, tudo isto pode afetar a mentalidade de uma pessoa e não quero, de todo, que isso me aconteça. Por isso, decidi avançar na minha dissertação de mestrado que tem como base as atividades de estimulação cognitiva para a terceira idade para que a minha sanidade mental se mantivesse.
Além disso, iniciei, juntamente com o meu namorado, que me tem ajudado muito nesta fase, e uma amiga, um projeto online na rede social Facebook chamado “Positiv’ a mente!”. Neste projeto que decorre desde maio de 2020, temos vindo a desenvolver e a divulgar materiais e jogos de estimulação/treino cognitivo para população idosa, uma vez que estes são fundamentais para evitar o declínio cognitivo a que esta pode estar sujeita ao longo do envelhecimento. É assim, extremamente importante em tempo de pandemia nos mantermos ocupados, ativos e saudáveis!
Acredito que melhores tempos virão, mas enquanto não chegam, acho que, por mais pedras que a pandemia tenha posto no nosso caminho, temos que arregaçar as mangas e ir à luta. Mas admito que, ao contrário de milhares de portugueses, tenho a sorte de não estar a passar dificuldades e isso acho que é meio caminho andado para ir conseguindo viver o meu dia a dia da forma mais positiva possível.
Pedro Pinto e Fábio Mendes. “Tudo ficou muito mais difícil”
O Lafogym, em São Pedro do Sul, abriu ao público no dia 1 de janeiro de 2020, antes de sabermos realmente o significado das palavras pandemia e confinamento. Empresa nova, expectativas altas. A cada dia que passava o número de clientes aumentava, superando essas mesmas expectativas e consequentemente o rendimento no final do mês. Isto e a boa camaradagem que se criou fazia-nos inferir um futuro risonho.
Surge a pandemia e, a partir daí, tudo o que tínhamos sonhado, idealizado e investido começa a desmoronar-se. Por receio e medo do desconhecido, os pedidos de cancelamento ou suspensão por parte dos clientes foram quase imediatos. Percebemos, logo aí, que estávamos todos numa situação realmente grave e por precaução e segurança pública, decidimos encerrar o ginásio dias antes de ser decretado pelo Governo.
Durante o confinamento tentámos manter os nossos clientes “presentes”, ocupados e ativos, através de aulas/treino online, aluguer de material, etc., e, ao mesmo tempo amealhar algum, para ajudar a pagar todas as despesas do momento. Despesas essas que já sabíamos que iriam ser pagas maioritariamente através das nossa poupança, pois os supostos apoios surgiram tarde, confusos e não de igual forma para todos.
A 1 de junho reabrimos as portas. Reajustamos e reformulamos o espaço de acordo com as medidas impostas pela DGS. Os ginásios, respeitando as medidas de saúde pública, são espaços seguros e limpos e não locais de potencial transmissão. Apesar de todas as medidas, tivemos uma queda brutal do número de utilizadores, passando de 110 para 40, sendo as aulas de grupo, que antes da pandemia, estavam sempre lotadas e após, raramente se realizaram e as que se efetivaram não tinham mais que cinco alunos.
Antes da pandemia tudo corria na perfeição, bastantes clientes, ginásio, grande parte do dia, lotado. Após a pandemia ficou tudo muito mais difícil. A quebra abrupta do número de clientes levou a que a faturação também fosse gravemente afetada, tivemos muitas dificuldades em cumprir com as nossas obrigações, já que as receitas eram incertas e baixas.
Portanto insuficientes para conseguirmos satisfazer todas as despesas. Os apoios para empresas que tiveram inicio de atividade há menos de uma ano, ainda não surgiram, nem sei se surgirão. Fechados, sem faturação e sem recebermos qualquer vencimento no final do mês e, as contas da Segurança Social, bem como do IRS têm que ser pagas… Nada podemos fazer se não esperar por melhor dias. Infelizmente para alguns, esses dias esperançosos já foram. Para nós, felizmente mais resilientes, numa cidade pequena, com três ginásios, vamos tentando resistir…
Manuel Almoster. Um on e off entre servir bebidas e estar em casa
Manuel Almoster tem 24 anos e trabalha num restaurante em Lisboa. Desde que se decretou o novo dever de recolhimento, que o jovem se encontra em layoff. Sente-se, no entanto, com mais sorte do que nos meses de de março e abril do ano passado em que, por trabalhar num bar há apenas um mês, foi-lhe rescindido o contrato com justa causa.:“Tinha acabado de começar a trabalhar num sítio novo – vindo de um local onde já estava há quase dois anos – e de repente todos os meus rendimentos foram cortados. Fiquei assustado”.
O bartender ficou todo o verão sem trabalhar e perguntava-se “constantemente como é que ia pagar a renda e todas as contas”. Manuel explica que, como estávamos “em confinamento, as empresas de bens essenciais como água, luz e telecomunicações deixaram de poder cortar os serviços, o que acabou por ser um alívio”. No entanto, o jovem que vive num quarto alugado, acabou por ter de pedir ajuda aos pais para poder pagar a renda e fazer as compras no supermercado.
Em setembro, Manuel viu uma luz ao fundo do túnel quando surgiu uma nova proposta de trabalho: “Comecei a trabalhar num restaurante e bar no Príncipe Real e finalmente consegui respirar minimamente”. No entanto, os salários nunca conseguiram cobrir todas as despesas que tinha deixado acumular durante o tempo em que esteve desempregado e o jovem continuou a ter que contar com a ajuda da família.
Ainda a recuperar dos meses em que esteve parado, Manuel viu a sua situação piorar em janeiro deste ano, quando o novo espaço de trabalhou se viu obrigada ao fechar. “Até não foi terrível, porque desta vez estou apenas em layoff, mas de qualquer das formas, como ganho mais que o salário mínimo, agora fiquei a ganhar menos do que quem ganhava isso, porque nesses casos o Estado não ajuda”, explica o jovem.
A ganhar menos do que ganhava a trabalhar, Manuel começou a passar dias em casa da mãe, “para atenuar um bocado a conta e não estar sozinho em casa”. O jovem admite sentir-se ansioso em relação ao futuro: “Como o restaurante está fechado, é obvio que existe menos dinheiro e que tenho medo que deixem de me poder pagar. Até agora isso ainda não aconteceu e ainda bem, mas sei que é uma possibilidade”.
Agora passa os dias em casa, à espera que uma altura melhor chegue e acredita que tal “não vai demorar muito e rapidamente as coisas vão voltar ao “normal”.
Filomena Barroso. Gastou dinheiro em equipamento para fechar de novo
Com 51 anos, Filomena Barroso tem o seu próprio cabeleireiro no centro do Barreiro. Depois de ter fechado a sua atividade fechada durante mais de dois meses no início do ano passado, a situação repetiu-se. A mãe de duas meninas, afirma sentir-se “deprimida, apreensiva e com medo de não conseguir fazer dinheiro para as despesas”.
Com o estabelecimento fechado desde do final de janeiro. “Mena” diz que nem teve tempo para recuperar os estragos “que o primeiro estado de emergência fez”. A cabeleira conta ao as dificuldades por que passar desde que apareceu a pandemia: “Quando reabrimos o espaço, em junho, tive de investir em imensos equipamentos de proteção para que fosse seguro vir cá. Não iríamos abrir sem cumprir as normas da DGS mas foram imensas de despesas para agora termos de fechar de novo”.
A empresária teme que, tal como quando voltou ao trabalho depois do primeiro confinamento, a quantidade de clientes diminua: “No primeiro mês em que o espaço esteve aberto as pessoas ainda vieram, tinham necessidades e um cabelo arranjado mexe com a dignidade de alguém. Mas depois, a redução foi notória”. Filomena acredita que o facto de se passar tanto tempo em casa, “também deu às pessoas a oportunidade de aprenderem a cuidar do seu próprio cabelo, tiveram de o fazer para se sentissem bem”.
Tanto a cabeleireira como o marido trabalham por conta própria, agravando por isso a situação por que estão a passar: “Se nenhum dos dois está a trabalhar, as coisas tornam-se muito complicadas. Tivemos de deixar desfazer coisas que habitualmente fazíamos”.
“Não compreendo o porquê de os cabeleireiros estarem fechado visto que são apenas duas pessoas de máscara, cujas caras nem estão viradas de frente uma para outra e onde durante o processo se pode ir usando desinfetante”, desabafa Filomena.
Albina Marques Pinto. A luta por manter “o sonho de pé”
Aos 38 anos, é licenciada em Educação de Infância, reside na cidade da Maia, no Porto, e é proprietária de um centro de estudos. “Nasceu em abril de 2018 quando eu e uma amiga estávamos de licença de maternidade”, começa por explicar Albina Marques Pinto, acrescentando que a sócia não teve o contrato renovado e, assim, ponderaram, em primeira instância, abrir uma loja de roupa de criança.
“Mas surgiu a oportunidade de comprarmos uma sala de estudo e avançámos. Inicialmente, não correu muito bem, mas com muito esforço levantámos o negócio”, explica a empreendedora que teve de encerrar o estabelecimento no dia 17 de março do ano passado. “Com a ordem de fecho das escolas, fomos também forçadas a fazer o mesmo”, adianta.
“Após os primeiros dias de adaptação, organizámos o apoio online, todavia, um grande número de alunos cancelou a inscrição, pois grande parte do nosso trabalho passa por dar apoio aos pais como ir buscar e levar as crianças à escola ou a casa”, constata a educadora que, aquando do início da pandemia, tinha duas funcionárias a trabalhar consigo e com a amiga. “Também tínhamos uma senhora que estava a recibos verdes porque prestava um serviço mais esporádico. Essa teve que ser dispensada, com pena nossa”, recorda.
Deste modo, Albina recorreu ao regime de layoff, mas as ajudas não foram aquelas que esperava. “Só recebemos os primeiros dois meses, os restantes não”, assevera, adicionando que, no início do segundo confinamento, ainda em vigor, preparou-se para iniciar imediatamente o apoio online aos alunos.
“Tivemos uma grande quebra, especialmente dos mais velhos, porque se diz que serão os últimos a regressar à escola e muitos pais também viram os seus rendimentos reduzidos e não tiveram possibilidades financeiras para manter este apoio”, reconhece, explicando que, para além das dificuldades ao nível do ensino – “explicar certas coisas aos mais pequeninos, via online, é um trabalho ingrato para mim e para eles” -, trava igualmente uma luta por manter “o sonho de pé”.
“Sabemos que temos funcionários e respetivas famílias a depender da nossa capacidade de lhes pagar o salário. Conseguimos o layoff durante pouco tempo e ajuda com a aquisição de materiais como máscaras e álcool-gel. Mais nada”, conclui a proprietária do centro Alfabeto Irreverente.
Mariana Ferreira. De tripulante de cabine na TAP a babysitter
Uma licenciatura em Educação Pré-Escolar e Ensino do Primeiro Ciclo do Ensino Básico não garantiram a Mariana Ferreira, de 29 anos, residente na Ericeira, estabilidade económica suficiente para se manter no universo que havia estudado.
A jovem estava a trabalhar como tripulante de cabine, na TAP, e ficou desempregada após o surgimento da pandemia de covid-19. “Não me renovaram o contrato. Foi por essa razão que voltei à minha área de formação”, afirma ao i Mariana que faz babysitting desde os tempos da faculdade, há cerca de dez anos, mas dedicou-se a 100% a estas funções desde agosto, iniciando o projeto Time2Play Babysitting.
“O contrato com a TAP terminou dois meses antes e, até agora, tive sempre clientes. Portanto, posso dizer que a covid-19 ajudou-me nesta altura”, continua, justificando que “os pais estão em teletrabalho com filhos pequenos em casa e conciliar tudo sozinhos é quase impossível”.
O caso de sucesso de Mariana não é de estranhar: de acordo com um inquérito realizado pela Fixando divulgado no passado dia 17 de agosto, à época, apenas 24% dos portugueses se sentiam totalmente seguros em deixar os filhos em creches; apesar de acreditarem que estas cumpriam todas as normas recomendadas pela Direção Geral de Saúde.
Assim, verificou-se que a procura por babysitting cresceu, em comparação com o ano anterior, 377%, e uma das prioridades dos inquiridos era que este serviço pudesse ser feito a tempo inteiro, revelou a pesquisa. Neste aumento de procura destacou-se a primeira quinzena de agosto, tradicionalmente época de férias, em que a procura se sobrepõe à oferta.
Importa igualmente referir que, no estudo realizado pela plataforma portuguesa de serviços, estimou-se ainda que cada família pagava em média 210 euros por filho nas creches, enquanto que o preço por hora para um serviço de babysitting ronda os oito euros. Este valor pode oscilar, se for um serviço mensal, entre os 160 e os 840 euros – dependendo do número de crianças, das horas por dia e se se trata de uma ama particular ou com mais crianças. “Quando as escolas voltarem a abrir, veremos a quantidade de trabalho que poderá surgir”, reflete Mariana. “Mas penso que os pais estão a precisar de tempo para eles e este tipo de serviço poderá ser uma mais-valia”, finaliza.
Anabela Fonseca. “Para sobreviver, vamos todos juntos”
“Temos de nos reinventar” é a meta de Anabela Fonseca, de 44 anos, proprietária da agência de viagens ClickViaja, que tem seguido acompanhado a pandemia, após onze anos de negócio. “Foi uma década muito positiva. Estamos localizados no Parque das Nações e trabalhamos muito o mercado de outgoing, na vertente das férias, e também a empresarial”, explica a empreendedora, avançando que tem “uma equipa muito apaixonada por aquilo que faz” e, por isso, deu um passo em frente e lançou o projeto Viagens e Excursões.
“Vamos passar a disponibilizar produtos que são, acima de tudo, fins de semana ao ar livre com uma vertente desportiva como as caminhadas, a canoagem ou os passeios de balão”, narra, contando que cada participante viajará no seu próprio meio de transporte até ao destino da experiência adquirida.
“Começaremos pela zona do Ribatejo. Cada agregado vai no seu próprio carro por uma questão de segurança, pois sentimos que as pessoas preferem não partilhar um autocarro com outras”, manifesta. Contudo, parece que Anabela tem razões para sorrir na medida em que mais de 50% dos europeus inquiridos num questionário realizado pela entidade europeia de turismo sobre viagens em altura de pandemia diz pretender viajar nos próximos seis meses, um terço dos quais já na primavera, e principalmente para lazer.
“Queremos criar uma área de lazer, em Portugal, muito no segmento desportivo. Com a pandemia, ficou congelado”, divulga, salientando que em abril e maio do ano passado “aconteceu uma avalanche de cancelamentos” e o trabalho dos meses anteriores “quase foi perdido”. Ainda assim, “o período de verão deu para aligeirar as dificuldades que se faziam sentir” sendo que a agência chegou a atingir quebras de faturação acima dos 80%.
“Tenho estado muito atenta a todas as áreas de negócio e, muitas vezes, ponho-me a pensar que não é justo o turismo ser equiparado a áreas que têm quebras na ordem dos 20% quando falamos de apoios”, realça, confessando, porém, que as ajudas estatais têm sido “um balão de ar fresco”, apesar de defender a criação de medidas específicas. “Recorri ao layoff e tenho cumprido todas as obrigações para com a equipa. Esse foi o meu principal objetivo. Para sobreviver, vamos todos juntos”, finaliza.
Sofia Carvalho. “Quando as formações acabarem, o que faremos?”
“Tenho 28 anos e estava prestes a ficar efetiva no meu local de trabalho quando a pandemia apareceu”, conta Sofia Carvalho, que se viu a braços com a necessidade de se autossustentar e também ao irmão mais velho que trabalhava na área do turismo tal como ela.
“Vi-me primeiro em layoff a ter de suportar as despesas sozinha, pois a empresa onde o meu irmão estava deixou de ter trabalho. Sem trabalho, não há dinheiro. Entretanto, fiquei desempregada. Não tem sido muito fácil, principalmente, em termos emocionais”, revela a jovem licenciada em Animação Sociocultural e que tem um mestrado em Gestão Hoteleira e Turismo, pela Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
Tendo ficado sem emprego em setembro do ano passado perdeu o cargo de manager de um hotel, que abraçou durante três anos. Anteriormente, havia passado por Inglaterra e pela Irlanda, durante dois anos, dedicando-se à restauração e à animação hoteleira.
“No hotel, todos os contratos que chegam ao fim não são renovados. No início, enviei muito o meu currículo e fiz alguns biscates. Mas, neste momento, ninguém contrata na área do turismo. Ou seja, quase não vale a pena continuar a tentar”, desabafa a rapariga residente em Alcântara.
O testemunho de Sofia alinha-se com as últimas declarações, em entrevista à Antena 1, da secretária de Estado do Turismo, Rita Marques. Todavia, ainda que o setor do turismo em Portugal tenha perdido, no ano passado, mais de metade das receita, a dirigente mostra-se confiante com as reservas que começam a ser efetuadas para o verão.
Rita Marques garantiu, esta segunda-feira, que estão a ser preparados mecanismos mais flexíveis para permitir o reembolso de viagens, em caso de cancelamentos por causa da pandemia e indicou também o certificado internacional de vacinação como uma ferramenta importante para facilitar as viagens dentro do espaço europeu.
“Estou a fazer um curso do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) para manter-me ocupada e continuar a receber a bolsa à qual temos direito”, admite. “Chamam as pessoas para que não sejam contabilizadas na percentagem de desemprego, mas a verdade é que estamos desempregados. Quando as formações acabarem, o que faremos? Mais formações? Quem vive assim?”, questiona.
Tânia Correia Martins. “Não estamos a passar fome mas, se não tivéssemos ajuda, já estaríamos muito mal”
Com quatro filhos, Tânia e Miguel Correia Martins, de 42 e 48 anos, respetivamente, dedicam-se ao Atelier da Cortiça, unidade produtiva artesanal dedica ao fabrico de acessórios de morda e brindes em cortiça – peças únicas de design próprio – há dez anos. “Tudo estava a correr muito bem, o negócio estava em franca expansão. Fazíamos feiras na zona de Lisboa e, portanto, com o turismo em evolução, tudo corria bem com a venda dos artigos em cortiça como malas e carteiras”, começa por partilhar Tânia, que admite que tanto ela como o companheiro foram “apanhados de surpresa tal como o resto das pessoas” com o aparecimento da covid-19.
“Inicialmente, não ficámos preocupados porque achávamos que ficaríamos confinados dois ou três meses e que tudo se resolveria”, confessa a mulher que reconhece que conseguiram sobreviver, durante as primeiras semanas, devido às poupanças que fizeram.
“O primeiro efeito foi a interrupção das feiras e, obviamente, deixámos de faturar. O problema é que a situação não se passou e, ao fim de um ano, as poupanças há muito que acabaram e as feiras continuam fechadas, reabriram apenas em setembro durante uns dias”, lamenta a artesã que, em primeira instância, decidiu produzir máscaras para doação.
Entre o sofrimento, a solidariedade “Contactámos o Infarmed e a ASAE para saber como se poderia proceder às doações. Tínhamos muito TNT de polipropileno e estávamos parados. Quisemos ajudar. Nunca tivemos respostas”, diz. “Entretanto, surgiu a situação das certificações e andámos a acompanhar as alterações constantes dos critérios”, avança, revelando que obtiveram a autorização da delegada de saúde do concelho de Mafra, onde vivem e trabalham, para fabricarem as máscaras assim como viseiras.
“Temos uma impressora 3D e fizemos viseiras também para doar. Só então, posteriormente, vendemos online, em meados de maio. E foi isso que nos foi fazendo aguentar em termos financeiros”, avança a profissional que chegou a atingir os 95% de quebra na faturação e não imaginou que o panorama pudesse tornar-se ainda mais negro. Contudo, há um mês que não vende um único produto.
A insuficiência dos apoios “Os apoios que existem para os trabalhadores em nome individual são insuficientes. O meu marido teve um apoio de 200 e tal euros durante seis meses. Depois disso, nada. Eu pedi apoio para o mês de novembro, recebi 300 e tal euros, e agora estes novos apoios são baseados nas quebras em relação a 2019”, afirma Tânia que tem de enfrentar o pagamento da renda de casa tal como da do ateliê onde desenvolve a sua arte.
“Como não tenho empregados, não tenho direito ao apoio ao pagamento da renda. E não tive a quebra de rendimentos que se esperava porque em 2020 vinha com o arcaboiço, digamos assim, de vendas de 2019 que me permitiu aguentar uma data de meses”, realça, esclarecendo que realizou um acordo com os senhorios e somente paga metade das rendas.
A família Correia Martins insere-se nos 20% de portugueses – ou um em cada cinco – que, de acordo com dados revelados pelo Eurostat, no início de janeiro, não têm como pagar a fatura de energia – eletricidade ou gás – para aquecer a casa nos meses de inverno.
“Estou a acumular dívidas. Aquilo que nos vale é o apoio dos meus sogros que nos vão ajudando. No Natal, ainda consegui ir 15 dias a um centro comercial para vender, fiz algum dinheiro e é com ele que vivemos”, declara a mãe que não terá “nada” a partir do final do mês corrente.
Que rumo tomar? “Trabalhávamos com exportação também. Tínhamos várias encomendas para os EUA e Espanha. Só recebi o dinheiro em junho. Quem tem negócios próprios é quem sofre mais. A crise ainda não começou, virá em força quando acabarem as moratórias”, prevê a progenitora que tem uma filha de 19 anos que padece da perturbação do espetro do autismo, um filho de 18, uma filha de 16 e uma de cinco.
“A mais pequenina vai para o primeiro ano em setembro. E esta semana disse ‘Se vocês não tiverem dinheiro para me comprar o trolley, eu posso levar a mala de viagem quando for para a escola’”, exemplifica a mulher que tem tido outras preocupações. “O meu filho dorme no sótão e não se aguenta o gelo lá em cima. Tem de ter o aquecedor ligado.
Recebemos uma conta de eletricidade descomunal e, mais uma vez, foi a minha sogra que a pagou”, constata.
“Não estamos a passar fome mas, se calhar, se não tivéssemos ajuda, já estaríamos muito mal”, lamenta a artesã que já aproveitou a solidariedade da associação de pais da escola da filha para conseguir um cabaz de alimentos.
“Também vou buscar o leite a que a menina tem direito, todas as semanas, ao jardim de infância. Não é vergonha nenhuma”, sublinha, não deixando, porém, de admitir que “a ansiedade aumenta assim como as noites sem dormir”, tal como a de um em cada quatro portugueses inquiridos pela Escola Nacional de Saúde Pública.