Acabado de aterrar em Lisboa, um cidadão do mundo julgaria Portugal em campanha para as legislativas, para escolha do chefe do Governo e recomposição do Parlamento, tal o core surreal e a agenda saída dos debates e da campanha para Presidente da República.
No meio das bizarrias sobre a extrema-direita e a tentativa de ocultar as venalidades da extrema-esquerda, a coisa já chegou ao simbolismo de género, alimentando-se de disputas entre candidatas sobre a estética do rouge à lèvres e o exercício de convivialidade artificializada entre pares que o burguês médio concede à dignidade do calceteiro.
Remata com a exposição inovadora do candidato liberal, ficando o perfil do incumbente e atual Presidente como contraponto cuidadoso de não hostilização à esquerda apoiante, sob a escapatória bastante e discreta de agente de uma novíssima “direita social”.
No final, verdadeiramente o que temos é a história de um retorno à ficção de um Portugal onde o debate se divorcia da realidade na relativa vacuidade temática:
– Quem é o mais honesto dos candidatos?
– Quem é mais populista e gosta mais dos portugueses e quem “está” mais próximo deles?
– Quem é mais do “social” e menos da produção?
– Quem deu mais para a “maioria de esquerda” e menos para o “regresso à direita da troika”?
– Quem é mais “amigo” de Sócrates, Salgado ou Pedroso?
– Quem é mais pelo SNS e quem pretende a saúde como “negócio”?
– Quem é pela Constituição e quem é pelo “regresso ao passado”?
– Quem é mais pela escola e saúde “pública” e menos pela privada?
– Quem tem mais familiaridade com o acusatório e a promoção do MP?
Estes são alguns temas de uma discussão às vezes marciana, outras vezes rasca da silva …
Mas se a escolha nas presidenciais é a de descer às profundezas do real governativo, então outra e mais completa deveria ser a agenda…
– Para onde vai Portugal com o PIB a crescer a 1% ao ano?
– Como ganhar quotas de investimento estrangeiro na concorrência com a Irlanda, os Países Baixos e países terceiros?
– Como reduzir impostos a famílias e empresas e reduzir os gastos do Estado?
– Como evitar que todos os dias morram doentes em lista de espera para consultas e cirurgias ao fim de meses e anos?
– Quando se contém a situação pandémica de uma morte a cada dez minutos?
– Como refundar a participação na vida democrática pela introdução da escolha unipessoal dos deputados, reduzindo o papel dos chefes dos partidos?
– Como fazer da ajuda europeia uma oportunidade de modernização e reforma da economia, e não a sobrevivência do modelo falhado que existe?
– Como alterar a situação de abuso do custo das commodities como a eletricidade para consumo doméstico e industrial, comparativamente com a Europa, acabando com o monopólio existente?
– Como reduzir os “carimbos” múltiplos para uma qualquer licença, reduzindo a oportunidade de criar dificuldades para vender facilidades?
– Que papel de Portugal no mundo, assente na base de um consenso reiterado e prosseguido no tempo, e a questão da soberania nacional, designadamente no quadro europeu?
E tudo o mais que aqui não cabe e que pode ser acrescentado por cada leitor…
O cardápio/amostra significa que os debates são mais sobre o país da espuma dos dias, a agenda é a dos diálogos extravagantes, do bocejo perante o que verdadeiramente interessa aos portugueses e é sistematicamente ignorado.
Em nenhum debate alguém se perguntou:
– Portugal e os portugueses estão hoje melhor ou pior que em 2016?
– Os dados da economia, das empresas e das famílias permitem mais ou menos otimismo?
– No dia seguinte ao tempo epidémico, como levantar a economia, como levantar o país?
– Há hoje mais ou menos necessidade de emigrar para obter lá fora o que a pátria recusa?
Esta campanha é, assim, elucidativa do estádio em que a política coloca o essencial do país, onde parece que apenas somos capazes de olhar as reformas e as agendas alinhadas com os problemas nacionais quando impulsionadas do exterior.
Neste particular, não se adiantou um átomo com esta campanha eleitoral: as sombras da campanha superaram a escassa luz dos debates.
Jurista