Os períodos de crise são normalmente férteis em novas ideias e iniciativas. A Bauhaus foi uma resposta à industrialização e à disrupção política e social que se seguiu à i Guerra Mundial, uma visão política e estética que procurava reconstruir a Europa e melhorar as condições de vida das pessoas, relacionando-as com a arte e a tecnologia.
A Bauhaus foi um grande sucesso intelectual que marcou o desenvolvimento do séc. xx. Resultou da maturidade tecnológica que se seguiu à Revolução Industrial, caracterizada por alterações profundas da organização do trabalho, uma resposta europeia que necessitava de produzir bens sofisticados para manter a competitividade com os Estados Unidos, muito mais ricos em matéria-prima.
Atualmente vivemos um momento semelhante ao que viu nascer a Bauhaus. Felizmente, não vivemos uma guerra mundial centrada na Europa, mas a crise climática e, agora, a pandemia são certamente desafios igualmente importantes para o futuro coletivo da Europa. A ideia de institucionalizar uma missão tão importante como atingir a neutralidade carbónica até 2050 é suficientemente ambiciosa para justificar um projeto desta natureza. O principal risco deste projeto de Von der Leyen, para além da expetativa, é conseguir escapar à nostalgia de recriar uma Bauhaus centrada na reconstrução do património edificado.
A Bauhaus de Walter Groupius desenvolveu-se num contexto histórico e tecnológico bastante diferente do atual. Não só a Europa não está a recuperar da destruição de uma guerra como as tecnologias da terceira e quarta revoluções industriais são substancialmente distintas. A digitalização da economia e da sociedade alterou completamente a paleta conceptual dos novos designers (entendidos como o conjunto das profissões que projetam objetos, equipamentos, sistemas, plataformas e mesmo serviços e experiências).
A formação da Bauhaus original era baseada nas matérias-primas (pedra, barro e vidro), no estudo da natureza (madeira, metais e têxteis) e na sua composição através da representação espacial e da composição sobre a cor. A nova geração de arquitetos, designers, engenheiros e artistas tem uma paleta completamente distinta. O desenvolvimento da ciência de dados e da inteligência artificial e o papel absolutamente fundamental do design de interação e de experiências baseadas nas tecnologias digitais tomaram uma centralidade impensável no início do séc. xx. Mas, acima de tudo, a classe de problemas com que esta nova geração de designers se confronta é incomensuravelmente mais complexa do que (re)desenhar cidades, edifícios, mobiliário ou eletrodomésticos.
A Bauhaus foi um projeto grandioso que procurou combinar as duas faces do iluminismo, a utilidade da tecnologia e das ciências com as expetativas dos valores, da arte, dos ideais estéticos, da política e da ética. A Nova Bauhaus Europeia poderá ser um sucesso se for capaz de centrar a conceção de sistemas sócio-técnico-ecológicos que importam no séc. xxi. Terá de implicar uma aposta clara na inovação pelo design, assente numa visão crítica e estética das tecnologias digitais num contexto moderno. O impacto social e económico das redes sociais é indissociável de coisas tão simples como o design do botão like e do algoritmo que seleciona os posts a que somos expostos, e de tudo o que estes implicam em termos de quantificação das relações sociais e políticas mediadas pela tecnologia.
Mas o principal desafio será recentrar o design numa perspetiva mais-que-humana. O nosso futuro depende tanto de conseguirmos recriar os ambientes humanos como de conseguirmos conceber novos ambientes e definir fronteiras em que os agentes não humanos (animais, ecossistemas, biodiversidade, zonas costeiras, praias, ondas, etc.) possam encontrar espaço para coexistirem. Aqui reside o papel central de Portugal pelo seu posicionamento geoestratégico atlântico, pela sua zona económica exclusiva e pela sua relação histórica com o mar e a sua importância fulcral na sustentabilidade dos recursos minerais, biológicos e energéticos do futuro.
O projeto de uma Nova Bauhaus Europeia é difícil porque significa ver para além do deslumbramento tecnológico, e aqui reside o principal desafio que resultará se formos capazes de formar uma nova geração de artistas, designers, engenheiros e arquitetos que sejam capazes de mudar o seu objeto conceptual para a sustentabilidade, a circularidade e a regeneração, baseados nas tecnologias digitais, e capazes de se transformarem nos motores da inovação e do desenvolvimento da Europa e do seu Green Deal. É um projeto de grande exigência intelectual que impõe que as elites assumam as suas responsabilidades enquanto vanguarda de uma sociedade que, como nunca, precisa de uma visão de futuro.
Professor catedrático do Instituto Superior Técnico