1937-38 – última edição do Campeonato de Portugal, essa prova que tem andado por aí a levar tratos de polé e que foi simplesmente a antecessora da Taça de Portugal, tal como decidido pelo congresso da Federação Portuguesa de Futebol. No ano seguinte, já surgiria com esse nome e seria a Académica a primeira equipa a vencê-la sob a nova designação.
Jogando-se a duas mãos, o Campo do Lima, no Porto, foi o palco do primeiro desafio a contar para os quartos-de-final da prova. Vitória portista por 4-2, resultado que parecia confortável, mas as crónicas publicadas nos jornais não foram assim tão abonatórias para os nortenhos como os números possam dar a entender: “O Porto mereceu a vitória, vistas as coisas em conjunto e pondo de parte as contingências da sorte. De qualquer forma, o grupo não se mostrou à altura do seu nome e todos jogaram sem grande brilho”.
Os golos dos azuis-e-brancos foram da autoria de António Santos (17 m), Carlos Nunes (20) e Costuras (40 e 51); os do Benfica ficaram a cargo de Rogério de Sousa (23 m) e Espírito Santo (34). Infelizmente para todos, jogadores, público e mesmo simples adeptos que tinham de recuperar os pormenores da partida através da leitura dos relatos na imprensa, houve alguns que resolveram transformar o embate numa batalha campal. “A nota desagradável vai para as constantes cenas violentas, pouco abonatórias da moral desportiva. De lado a lado houve excessos. A arbitragem de Álvaro Santos foi confusa e incerta, embora imparcial”. Costuras e António Santos, do lado dos portistas, e Gaspar Pinto e Rogério de Sousa, da parte dos encarnados, foram expulsos por se embrulharem em lutas corpo a corpo. Corria o dia 29 de maio de 1938. Todos esperavam que na volta, nas Amoreiras, no dia 5 de junho, os ânimos estivessem mais serenos. Debalde…
Exaltação
O FC Porto foi recebido em Lisboa com uma_antipatia latente. Os remoques da primeira mão não foram esquecidos. “Às 17h30 entra em campo o team do Football Club do Porto. A manifestação de hostilidade da assistência é formidável. Durante alguns minutos, os assobios e as grosserias sucedem-se e algumas pedras caem no campo junto dos jogadores portuenses”. Triste. Muito triste.
O ambiente marcou de forma indelével a forma de jogar do FC Porto. Soares dos Reis, o guarda-redes, mostrou-se excessivamente nervoso, incapaz de lidar com os insultos dos adeptos que se situavam atrás da sua baliza. Por seu lado, os benfiquistas perceberam rapidamente que estavam perante um adversário ferido e acossado. Lançaram-se para o ataque com ganas redobradas, convictos de que poderiam recuperar da desvantagem trazida da beira-Douro. Além do mais, os jogadores que ficaram de fora por via dos incidentes da primeira mão fizeram mais falta aos portistas do que aos da casa.
Ao intervalo, já o resultado era abracadabrante para a malta que viera da capital do norte: 5-0 para o Benfica, golos de Valadas (5 m), Domingos Lopes (17), Luís Xavier (22), Espírito Santo (26) e, de novo, Luís Xavier (28).
Pairava no ar a sensação de que a derrota dos portistas pudesse vir a ser verdadeiramente esmagadora. E, até certo ponto, foi.
Na segunda parte, Espírito Santo marcou mais dois golos, aos 50 e aos 63 minutos, e o resultado ficou-se por aí. A meia hora derradeira tornou-se uma espécie de desforra do que se passara no Campo do Lima. Muitos foram os jogadores que trataram de se esquecer da bola e passaram a caçar as canelas adversárias como se perseguissem ratazanas. Um salsifré explodiu sobre o minuto 75. Três jogadores foram expulsos – Francisco Albino, do Benfica, e Ângelo Silva e Carlos Nunes, do FC Porto. A coisa chegou ao ponto de Ângelo acertar em cheio nas costas de Barbosa com um pontapé num lance em que a bola andava por longe. A alegria encarnada ficava manchada a preto.