Cinco coisas simples de que precisamos para vencer uma crise complexa


Seremos mesmo capazes de nos identificar numa humanidade comum e agir como um só? Ou claudicaremos e será cada um por si, um salve-se quem puder?


Com oito meses passados desde o primeiro caso de coronavírus registado no nosso país e mais uns tantos de aprendizagem com a realidade externa, estamos muito longe de poder dizer que vencemos a covid-19. Muito pelo contrário, o cenário é hoje incerto e uma onda de novos lockdowns, uma cortina de ferro pandémica, abate-se sobre a Europa dos direitos e das liberdades.

Morrem pessoas às dezenas em Portugal e aos milhares por toda a Europa.

Não podemos fingir que a velha política – feita de truque, de clivagem e de parecer (mais do que ser) – é arma que baste para derrotar a pandemia. Não é.

Deixemos de nos entreter com as pequenas disputas. Guardemos as divergências e as críticas para quando elas fazem realmente a diferença. Centremo-nos no essencial. E o essencial é salvar vidas, vencer o maldito coronavírus.

Com uma perspetiva de quem tem diariamente de lidar com os rostos da pandemia, partilho cinco ideias, cinco passos, uma folha A4. Um caminho simples (simples porque só depende de nós) para vencer uma crise complexa.

1. Uma grande coligação nacional. Vencer o vírus requer uma alargada coligação nacional. Não uma coligação tradicional no sentido partidário, mas uma aliança de vontades, orgânica, profunda e abrangente. Uma aliança de energias, de sonhos, de aspirações. Uma aliança que junte cidadãos, empresas, universidades, Forças Armadas, terceiro setor e Estado. Cabe aos poderes políticos criar o ambiente para que essa coligação tenha alma e corpo. Para além de ser essencial no debelar da crise de saúde pública (a urgência), este espírito de missão comum, este traço de unidade (não de unicidade) pode ser decisivo para alavancar o país no ciclo de saída da pandemia económica no longo prazo. Assim haja capacidade das lideranças para criarem um horizonte estratégico onde a maioria do país se reconheça.

2. Regras simples e coerência na mensagem. Fiquei perplexo quando o primeiro-ministro apresentou algumas das regras para o convívio social neste período entre estados de emergência. Recapitulemos: nas ruas, só são permitidos grupos até cinco pessoas; mas, nos restaurantes, as mesas podem acomodar seis convivas. Que tipo de ciência (do absurdo) é que valida regras assim? Certamente que não há mais risco nas ruas, ao ar livre, do que às mesas dos restaurantes, em espaços fechados. Outro exemplo: os mercados e feiras, também ao ar livre, foram proibidos (felizmente, decisão sabiamente revertida); mas as romarias a supermercados carregados de clientes aos fins de semana podem continuar. E, para fechar, outro exemplo: restauração pode fechar às 22h30; mas, para o comércio em geral, as portas encerram às 22h00. Ou o coronavírus conhece fusos horários ou estas regras não fazem sentido.

Por norma, as regras que não se percebem têm um de dois fins: ou são desrespeitadas, por ignorância, ou geram revolta. Isto é tudo o que dispensamos. Conselho ao legislador: regras amplas, que reduzam as exceções, sejam sensatas e de simples entendimento para o comum dos mortais.

3. Combate à burocracia com aprofundamento da descentralização. Não temos um Estado nem instituições preparados para lidar com situações de emergência, urgência e catástrofe. Isso está mais que provado. É crítico que os poderes políticos encetem uma avaliação da robustez institucional em que assenta o nosso regime democrático. Sob pena de o regime colapsar, não pelas suas insuficiências, mas pela debilidade das instituições que o sustentam. A descentralização para as autarquias é um dos caminhos de reforço de resultados contra a pandemia e de revitalização democrática. Como a crise das três pandemias prova, o Estado precisa cada vez mais das autarquias para dar resposta aos velhos e novos problemas. O modelo de Serviço Local de Saúde e Solidariedade Social (SL3S), que cria verdadeiros “Estados-providência locais” com competências em matéria de saúde, emprego e solidariedade social. O centralismo nunca foi boa resposta para nada. Menos ainda em contexto pandémico.

4. Resposta social. As estatísticas nacionais podem dizer o que quiserem. A realidade no terreno, que eu vejo e sinto diariamente, é crescentemente complexa. Os pedidos de habitação social crescem; os pedidos de revisão em baixa das rendas sociais disparam; o número de famílias em carência alimentar não cessa de aumentar. O desemprego galopa, há indústrias que vão desaparecer e, com elas, empregos dos quais já só iremos ouvir falar. É preciso atuar. O Estado é peça-chave na salvação de empresas e de empregos em grandes dificuldades conjunturais. Todavia, aquelas empresas que têm a sua viabilidade garantida – e que, em muitos casos, até aumentaram o seu volume de negócios com a crise – têm o dever moral de retribuir à sociedade parte daquilo que a comunidade lhes dá. Essas empresas, as que colocarem a responsabilidade social e o princípio de retribuição em primeiríssimo plano, as que não se excluírem das suas responsabilidades, serão certamente as mais bem preparadas para vingar no pós-pandemia.

5. Responsabilidade individual e espírito comunitário. Não são só os Governos e as empresas que têm o dever de agir. Cada um de nós é parte da solução. E é tão simples o que nos é exigido: manter a distância social, usar máscara e higienizar as mãos. Por outro lado, para que os nossos valores democráticos não sejam nunca comprometidos, temos de entender que a liberdade não é ilimitada e não sobrevive sem responsabilidade.

Derrotar o vírus depende da capacidade de compreender a dependência estreita que existe entre cada ser humano. Até no simples gesto de usar máscara. Mais do que uma medida de autoproteção, usar máscara é um sinal de respeito pelo outro. De que o comportamento individual afeta a dinâmica coletiva. Como se mais provas fossem necessárias, o coronavírus veio destruir a ideia radical de que qualquer homem no séc. xxi pode ser uma ilha.

El Baradei, o Nobel egípcio, disse em tempos no Estoril uma frase que me ficou gravada na memória a propósito de uma outra crise do nosso tempo: “Ou vencemos juntos ou, cada um por si, fracassamos”. Seremos mesmo capazes de nos identificar numa humanidade comum e agir como um só? Ou claudicaremos e será cada um por si, um salve-se quem puder?

Este é, verdadeiramente, o grande teste que nos é colocado pela pandemia. E eu acredito que venceremos. Juntos.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira